Uma pesquisa do Instituto de Psicologia da USP, iniciada em janeiro deste ano, mostra que a prevalência da depressão pós-parto aumentou consideravelmente. Do total de mulheres atendidas pelo Hospital Universitário (HU), de 32% a 35% apresentaram o transtorno, índice muito além do esperado pelos pesquisadores, que pensavam ficar entre 10% e 15%, segundo a pós-doutoranda Vera Regina Fonseca, responsável por uma parte do estudo. As

Foto crédito: Cecília Bastos

participantes da pesquisa são gestantes cujo parto estava previsto para ser realizado no HU e foram recrutadas no último trimestre no Centro de Saúde-Escola Butantã e nas Unidades Básicas de Saúde do Jardim São Jorge, Vila Dalva e Boa Vista, entre outubro de 2006 e outubro de 2007.

O estudo faz parte do Projeto Ipê – Estudo Fongitudinal da Depressão Pós-Parto, que tem comparado um grupo de mães com depressão e outro grupo sem a doença, com o objetivo de verificar em termos gerais qual o impacto da depressão pós-parto nas interações mãe-bebê. “Os dados a serem levantados têm importância do ponto de vista preventivo”, explica Vera Regina. Sob a coordenação das professoras Emma Otta, Vera Silvia Raad Bussab, ambas do Instituto de Psicologia da USP, e Maria Tereza Zullini da Costa, médica pediatra, e com uma equipe de 22 pesquisadores, o estudo, que vai até 2010, quer avaliar a incidência de depressão durante os 36 meses após o parto em mães de São Paulo, Natal e Rio de Janeiro, relacionando-a com condições materiais, afetivas, emocionais e fase da vida reprodutiva da mãe.

A pesquisa também pretende avaliar alguns

comportamentos maternos após o parto que sejam indicativos de busca de aumento de vinculação do pai com o bebê, como a atribuição de semelhança física ao pai, a motivação para a nomeação e a presença ou ausência de registro civil. Quer comparar perfis hormonais de mães com e sem depressão criar um banco de DNA, visando à investigação de marcadores genéticos da doença. Por fim, a idéia é integrar o conjunto de dados psicológicos das mães e bebês com os dados fisiológicos e genéticos, para estabelecer um perfil geral da doença, a fim de facilitar o diagnóstico precoce e gerar intervenções profiláticas.

A doença – Uma parcela de pesquisadores acha que a depressão pós-parto não é diferente dos outros quadros de depressão. A chance é a mesma de ter um episódio como esse em qualquer momento da vida, dizem. Já outros pesquisadores consideram que a doença tem características próprias e até haveria influência hormonal, porque no final da gestação há um pico de hormônios, que cai bruscamente depois do parto, causando alguns sintomas da doença, ressalta Vera Regina. “Tudo isso está em estudo ainda. A importância de estudar a depressão pós-parto é que exatamente no pós-parto a mãe mais precisa não estar deprimida para cuidar do bebê, porque ela tem uma carga de responsabilidade que depende inteiramente dela se quiser ter um bebê saudável, alegre, que responda às interações. As conseqüências dessa depressão são mais importantes do que uma depressão em qualquer outro momento da vida”, reflete.

Vera Regina conta que o estudo faz um registro em vídeo dos primeiros minutos de contato da mãe com o bebê logo após o parto. Depois, os registros em vídeo, que acontecem em cinco outros momentos da relação da mãe com o bebê – aos quatro, nove, 12, 24 e 36 meses –, são realizados no laboratório de filmagens do Instituto de Psicologia da USP, onde há brinquedos próprios para a idade do bebê. “As filmagens duram 20 minutos cada uma e procuramos observar a sensibilidade, estruturação, não-intrusividade (intrometimento) e não-hostilidade da mãe com relação ao bebê e se este responde às interações dela”, observa a pesquisadora.

Foto crédito: Cecília Bastos Vera Regina: dados para prevenção

Outro momento do estudo se dá quando a mãe sai da filmagem e vai para a avaliação pediátrica, para verificar o peso e tamanho do bebê. Também passa por uma entrevista para saber quantas vezes o bebê ficou doente e foi levado ao pronto-socorro, além de fazer um teste de desenvolvimento. “É uma avaliação de como está o desenvolvimento somático e psíquico da paciente”, explica Vera Regina.

Além do estudo da relação mãe-bebê, outros pesquisadores integrados ao Projeto Ipê investigam questões hormonais, apoio social e estilo de apego da mãe. Como não existe um diagnóstico psiquiátrico de depressão pós-parto, como comenta Vera Regina, a pesquisa recorre, além das filmagens, a uma escala utilizada mundialmente chamada Edinburgh, que é um indicador de depressão pós-parto. “Várias pesquisas mostram que há uma sobreposição muito grande entre o diagnóstico psiquiátrico e a escala.”

A Escala de Depressão Pós-Natal de Edinburgh é um instrumento de autopreenchimento composto por dez enunciados, como “Eu tenho sido capaz de rir e achar graça das coisas?”, “Eu tenho me culpado sem necessidade quando as coisas saem erradas?”, “Eu tenho me sentido esmagada pelas tarefas e acontecimentos do meu dia-a-dia?”, “Eu tenho me sentido triste ou arrasada?”. O método tem pontuações de 0 a 3, de acordo com a presença ou intensidade do sintoma. “Acima de 12 pontos indica estado depressivo”, explica Vera Regina.

A escala avalia a sensibilidade da mãe, qual a capacidade dela de estruturar a brincadeira, de não ser intrusiva, de não ser hostil e qual a resposta da criança para com a mãe. “A nota da mãe com depressão pós-parto 4,8 e a da mãe saudável foi 6,3. Isso é muito significativo”, ressalta a pesquisadora.

Foto crédito: Cecília Bastos Pesquisa busca mapear as causas da depressão pós-parto

Sobre a prevalência da depressão pós-parto ter aumentado em torno de 32% a 35%, Vera Regina associa esse dado a uma das hipóteses propostas pelo estudo, o fato de o apoio social dessas mães estar totalmente desequilibrado. “As mães do nosso estudo são em sua maioria pessoas que vieram de outros Estados, deixaram família e hoje se sentem desenraizadas, com poucas pessoas próximas que possam ajudá-las na criação do bebê e, muitas vezes, o próprio companheiro não ajuda em nada.” Ela compara esses dados com as mães analisadas no Rio Grande do Norte, em que, mesmo as condições econômicas sendo equivalentes, a prevalência da doença é muito menor.

A pesquisa até o momento mostra que as dimensões afetividade/interação positiva e emocional estão abaixo do esperado para uma mãe com a doença. “A imaturidade do bebê humano demanda considerável cuidado parental e, se uma mãe vislumbra a falta de apoio adequado, reage de forma a não investir solitariamente nessa prole”, adverte Vera Regina. Nos casos de depressão, estudos preventivos sugerem sessões em grupo para preparar melhor os pais, companhia para o trabalho de parto, visitas domiciliares de agentes de saúde, psicoterapia individual, psicoterapia pais-bebê e, em casos graves, remédios.

 

Os sintomas da síndrome

No período de 30 dias após o parto há 30 vezes mais chance de uma mulher ser internada por um episódio psicótico do que em qualquer outro período, de acordo com os pesquisadores. No mesmo período, há quatro vezes mais chance de uma mulher ter sintomas de tristeza que em qualquer outro período. A chance de uma mulher em idade reprodutiva ter depressão três meses após o parto é de 8,7%, contra 9,9% em outro período. Entre os sintomas da depressão pós-parto, estão: humor deprimido, alterações de sono e apetite, cansaço excessivo, sentimento de culpa e de incapacidade, pensamentos suicidas, temores de infanticídio e ansiedade, irritabilidade ou fobias (que podem mascarar a depressão).

 
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