Nos dias 12, 13 e 14 de novembro foi realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP o 2º Encontro Internacional sobre Urbanização Dispersa e Mudanças no Tecido Urbano. O evento tratou de um assunto de grande interesse para todos nós.

Foto crédito: Cecília Bastos

Até 1950, o mundo urbano brasileiro era relativamente simples. Havia duas metrópoles maiores: Rio de Janeiro e São Paulo. Recife e Salvador tinham entre 350 mil e 450 mil habitantes. As demais eram bem menores. Duas décadas depois, entre 1970 e 1980, já era possível reconhecer a existência de nove regiões metropolitanas, que foram oficializadas pelo governo federal.

Agora, no início do século 21, mais de 50% da população brasileira está reunida em alguns centros isolados, com 250 mil a 1 milhão de habitantes e de 50 a 60

aglomerações urbanas, que são grupos de municípios interagindo intensamente na vida cotidiana, tendo um ou mais núcleos de maiores proporções. Nesses, reúnem-se hoje locais de produção, comércio e serviços complexos, em setores como educação e saúde, capazes de garantir condições de desenvolvimento para essa população e para suas regiões. Constatamos também a existência de mudanças em curso com características semelhantes, em municípios reunidos ao redor de cidades com 70 mil a 200 mil habitantes.

O Brasil é hoje um país urbano, mas é também um país dotado de um número elevado de pólos, capazes de servir de base para programas de desenvolvimento de todas as regiões.

Nem rural nem urbano – As condições de organização do território nas 50 aglomerações urbanas identificadas em 1996 pelo IBGE, que hoje talvez sejam cerca de 60, vão sendo cada vez mais distantes das que conhecíamos ao longo do século 20. Nessas regiões, é difícil reconhecer quais os espaços que são urbanos e quais são rurais. Com a melhoria do sistema rodoviário, as indústrias tendem a se localizar fora das cidades, em pontos isolados, para obtenção de terrenos de menor preço e grande extensão, que permitam seu desenvolvimento. Atrás delas vêm os bairros de trabalhadores, de comércio, serviços e os bairros para as faixas de renda mais alta, aos quais é dada a forma de loteamentos fechados ou condomínios. As atividades que eram características das cidades, como as que conhecemos há 20 ou 30 anos, estão hoje se dispersando pelo território de um ou vários municípios.

A vida cotidiana dos habitantes se organiza em vários municípios, com aproveitamento dos diferentes serviços de cada um deles, como se todos fossem partes de uma só cidade.

Com cada um dos bairros dispersos, isolados em meio de uma área rural mais ou menos extensa, convivem várias formas de atividades rurais e urbanas.

A população que vivia nos campos mudou-se para as cidades ou para os bairros dispersos, para usufruir dos benefícios da vida urbana. Ao mesmo tempo, a vida urbana se desloca em direção ao campo. Vivemos hoje em um cenário no qual as palavras “cidade” e “campo” já não têm o mesmo sentido.

Onde estão os municípios? – Até por volta de 1970, quando os limites das cidades eram bem definidos, cada município mantinha sua identidade de modo muito claro. Era comum a competição entre os habitantes de municípios vizinhos, no futebol como na realização de festas. Dificilmente alguém se deslocaria às cidades mais próximas para realizar atividades da vida cotidiana, a não ser para os grandes centros. Nas demais regiões, a vida cotidiana era perfeitamente definida dentro de cada município. Desse modo, era possível reconhecer uma continuidade na organização territorial brasileira, desde a criação de São Vicente, em 1532, dentro das tradições portuguesas, de base romana, estabelecidas pelas Ordenações do Reino de Portugal.

Depois de 1970, quando houve uma significativa melhoria do sistema rodoviário brasileiro e uma ampliação das atividades industriais, a vida cotidiana dos habitantes de cada uma dessas cidades, que integram as aglomerações urbanas, termina por se estender por várias localidades vizinhas. Nesse caso, começa a ficar evidente a nova importância das regiões.

Nosso ponto de vista é que o problema não se situa apenas no plano do município, mas na necessidade de um tipo de estrutura para administração urbana, de caráter mais complexo. Por um lado é indispensável a existência de uma administração local, mais próxima dos habitantes, em contato direto com os problemas. De outro, há a necessidade de um sistema permanente de coleta de dados, de monitoramento das transformações urbanas, ao qual deve estar associado o sistema de elaboração de diagnósticos, com a definição de alternativas com base técnica, que devam embasar os debates políticos e as decisões a serem tomadas no âmbito local e no âmbito regional.

O futuro das aglomerações urbanas e os projetos para seu desenvolvimento e aperfeiçoamento passam pelo melhor aproveitamento dos centros universitários de pesquisa.

Algumas possibilidades – Uma alternativa possível, para aperfeiçoamento das práticas urbanísticas, nas regiões de aglomerações urbanas, deve ser a elaboração de planos para cada uma das partes desses territórios, com diretrizes flexíveis. A iniciativa pode partir dos poderes públicos ou da combinação destes com os setores profissionais e empresariais interessados. Certamente, a elaboração deve ser o resultado de um trabalho de profissionais competentes para o exercício dessas funções, sem os entraves normais de uma repartição pública. As estruturas administrativas dos estados e das prefeituras já contam com algumas instituições capazes de organizar procedimentos, nas áreas das aglomerações urbanas, para a contratação de serviços com essas características e acompanhamento de sua execução. Documentos desse tipo devem necessariamente ser submetidos ao poder legislativo, para que possam ser dotados de normas jurídicas adequadas aos seus objetivos. Esse é o papel fundamental dos chamados poderes locais.

A forma pela qual eram estabelecidos os critérios urbanísticos no início do século 20, para municípios com algumas dezenas de milhares de habitantes ou mesmo com algumas centenas de milhares de habitantes, com normas de caráter geral, não pode mais ser aplicada de modo eficiente a metrópoles com milhões de habitantes ou a regiões densamente urbanizadas, com estruturação complexa, envolvendo vários municípios, como as aglomerações urbanas, que são as modalidades mais recentes de organização dos sistemas urbanos. Nestes, é indispensável a elaboração de definições específicas de condições de trabalho, em escala mais restrita.

Estamos procurando defender a aplicação de um tipo de urbanismo mais flexível, de caráter indicativo, que deixe condições para definições mais circunstanciadas, deixe espaço para as iniciativas de empresas do mercado imobiliário, ao longo de uma ou duas décadas, uma vez definidos os parâmetros para a área. É o que vem sendo defendido por numerosos arquitetos há algumas décadas, como Nuno Portas, em Portugal, e Joaquim Guedes, no Brasil. Deste último, devemos lembrar o trabalho elaborado com uma equipe de arquitetos brasileiros para o Concurso da Bicoca, bairro de Milão, sempre referido quando se menciona o que, entre alguns arquitetos, está sendo chamado de projeto de solo urbano. Trata-se de um projeto urbanístico que estabelece determinadas características de ocupação para uma área com o suficiente detalhamento para garantir o atendimento das diretrizes de prevenção e a qualidade urbanística esperada, bem como espaço para a definição das equações de caráter prático, pelos arquitetos das empresas que deverão arcar com os riscos financeiros de oferta, no mercado, de um conjunto de edifícios, ao mesmo tempo atendendo a questões de interesse público.

Essas foram algumas das questões debatidas no 2º Encontro, que reuniu na FAU pesquisadores, empresários, profissionais e agentes públicos da área de urbanismo.

Nestor Goulart Reis é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP

 
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