O 10º Fórum Brasileiro de Televisão Universitária: A Universidade na TV Digital – realizado nos dias 7 a 9 de novembro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo – teve como objetivo discutir a TV digital e mostrar o importante papel do Canal Universitário (CNU) em favor da educação e da cultura. Inaugurado em novembro de 1997, o CNU é uma emissora a cabo mantida por dez universidades paulistanas, entre elas USP, Mackenzie e PUC. Para comemorar seus dez anos de atividades, foi lançado no dia 7, na abertura do fórum, o livro CNU – A universidade que você assiste há 10 anos (leia texto abaixo).

Foto crédito: Francisco Emolo

O cenário brasileiro é promissor para a televisão digital, conforme avaliou Carlos Cardoso, diretor da Associação Brasileira de Telecomunicações, durante o evento . Há décadas o mercado nacional tem se mantido entre os dez maiores mercados de televisores e hoje, segundo dados da Anatel, 93,5% dos lares brasileiros possuem um aparelho de televisor, totalizando 70 milhões de unidades do eletrodoméstico, um número impressionante diante dos altos índices de pobreza de grande parte da população. Além disso, o consumidor brasileiro é facilmente atraído por melhorias e novas possibilidades trazidas pelas descobertas tecnológicas.

“Nós batemos todos os recordes. Em dois anos, vendemos 1,2 milhão de televisores de plasma e cristal líquido (conhecidos como telas de LCD). É um bom presságio para a TV digital. Significa que temos muitos lares preparados para receber uma televisão de maior qualidade”, disse Cardoso.

As vantagens da TV digital não vêm unicamente para o telespectador. Com uma banda de 20 megabits por segundo, ao invés dos seis megabits da TV tradicional, as redes podem explorar a imagem e som de alta definição em um canal ou criar até quatro canais com qualidade normal. “Para a rede universitária, este pode ser um ótimo caminho para explorar uma flexibilidade de conteúdos e acima de tudo interatividade. Podem ter, por exemplo, três canais padrão e um somente para interatividade do telespectador”, afirmou Cardoso.

Para Fernando Magalhães, diretor de programação da NET, empresa de TV por assinatura, o mercado está aprendendo a explorar as possibilidades de interatividade trazidas pela TV digital. “Em dezembro, lançaremos uma caixa com PVR, um sistema de gravação inteligente que permite escolher na grade de programação semanal diversos programas que o telespectador deseja gravar. É uma ferramenta que estará disponível inclusive para os canais universitários”, contou.

Foto crédito: Francisco EmoloMais do que uma simples melhora, a TV digital traz a possibilidade de crescimento para os canais brasileiros. “A TV analógica já não tem mais canais disponíveis para novas propostas. Com o sistema digital, até mesmo as universitárias ganham novos caminhos para explorar formas e conteúdos inéditos”, propôs Magalhães.

Ele ressaltou ainda que o Canal Universitário deve ser um dos mais preocupados em aproveitar ao máximo essas novas tecnologias como ferramenta para atrair telespectadores e aumentar sua pequena audiência. “Vocês não estão na TV a cabo porque queremos, e sim porque uma lei nos obriga. Agora vocês têm que aproveitar essa garantia para criar uma boa programação, fazer um canal atrativo para os assinantes.”

Uma promessa apontada pelo sistema digital japonês adotado pelo Brasil é uma maior interação com os aparelhos de celular, que funcionariam como uma televisão portátil. Bem recebida pelos donos de redes de TV como um meio de expandir sua área de atuação, Carlos Cardoso acredita que, pelo menos por enquanto, esta será uma ferramenta limitada. “Primeiro, porque é uma tecnologia inicialmente muito cara, acessível apenas para a classe A, e, segundo, porque nossas pesquisas têm mostrado que as pessoas não têm paciência para assistir programas longos na tela pequena do aparelho.” Assim, o celular serviria para informações urgentes ou rápidas como boletins de trânsito, índices da bolsa ou, no caso do canal universitário, para eventos da universidade ou chamadas para programas.

Educação a distância – Nos últimos anos, a televisão e a internet têm sido usadas como veículos de transmissão de educação. Em março de 1996, o governo colocou no ar a TV Escola, um canal especializado em programas educacionais para ampliar os recursos de aprendizado nas salas de aula. A rede nasceu com o desafio de criar meios de fazer o professor interagir no conteúdo apresentado, seja através de uma pré-exibição para despertar o interesse dele naquele material ou no pós-exibição com a proposta de outros materiais como jogos, livros e atividades que podem ser feitas para continuar a discussão levantada pelo programa.

Foto crédito: Francisco Emolo
Participantes do fórum discutem a universidade e a TV digital no Brasil: grande oportunidade de transmitir conteúdos educativos

Um exemplo bem-sucedido foi o programa Geração Saúde, uma parceria com a Faculdade de Medicina da USP, para o desenvolvimento de 14 vídeos sobre o tema “Vida saudável com o Sol”. Com a ajuda do programa homem virtual desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP, os vídeos mostraram animações em 3D do corpo humano para abordar os diversos problemas de saúde causados pela exposição sem proteção aos raios solares.

A parceria continua este ano na segunda edição do programa, que abordará diversos temas, como a saúde bucal. Além dos recursos do homem virtual, os vídeos trarão as novidades do sistema digital, uma maior interatividade com professores e alunos. “Todos os conteúdos que na primeira edição eram visualizados na internet, no site da TV Escola, agora poderão ser acessados diretamente no televisor, facilitando o trabalho do professor e aumentando o interesse dos alunos no vídeo”, espera Jane Mendonça, coordenadora de Radiodifusão da Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação, que falou do projeto no 10º Fórum Brasileiro de Televisão Universitária.

O veículo também é utilizado por universidades que apenas recentemente descobriram as possibilidades do ensino a distância. Como a Universidade de Santo Amaro (Unisa), credenciada em 2005 pelo Ministério de Educação para oferecer cursos a distância. No ano que vem, a universidade somará 14 cursos nesse método. “Nós transmitimos ao vivo por satélite para todo o Brasil e pela TV a cabo, através da TV Unisa, que faz parte do CNU. A televisão atinge muitos lugares que a internet ainda não conseguiu alcançar. Existem muito mais aparelhos de televisão que computadores nos lares brasileiros”, explica Maria Alice Pereira, coordenadora do projeto.

Além das aulas televisionadas, a universidade mantém um pólo presencial onde as pessoas se reúnem para assistir às aulas e discutir temas. Conta também com um portal na internet com todo o material de apoio. Mas, para a efetividade do programa, é necessário entender que uma aula a distância não é simplesmente uma aula gravada. Para manter o interesse do aluno e garantir o aprendizado é necessário desenvolver um modelo pedagógico diferente, explorando todas as possibilidades tecnológicas do aparelho – e que deverão ser incrementadas com a interatividade da TV digital. “Insisti muito para que nossas aulas não fossem simplesmente gravadas para não ficarem chatas. Um veículo diferente de comunicação com o aluno exige um modo de informar diferente”, avaliou Maria Alice.

Foto crédito: Francisco EmoloPara capacitar os docentes para utilizar a televisão como ferramenta de ensino a distância, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) criou a TV UFSC, única em Florianópolis a ocupar um canal universitário. Ao longo de dez anos de existência, a TV UFSC desenvolveu uma grade de programas informativos, culturais e de prestação de serviços, além das aulas de graduação para ensino a distância que, como a Unisa, conta com pólos de apoio presencial em diversos pontos do País. Atualmente, ela compartilha a grade de programação da TV Senac.

A demanda por ensino a distância tem crescido no País. O Censo de 2006 apontou dois milhões de brasileiros que utilizam esse recurso. “Os canais de satélite lotaram com a grande demanda por canais educativos”, apontou Maria Alice. Com os novos recursos da TV digital, a procura deve crescer.

Conteúdo – Em outra mesa de discussão do fórum, o professor Marcelo Zuffo, do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP, comentou que o processo de transição da TV digital brasileira há três anos vem passando por grandes discussões e hoje se encontra já na fase da transmissão comercial. Preocupado, ele afirma que oito emissoras já se encontram em fase de testes e, no entanto, todas têm foco comercial e conservador. “Nenhuma delas está preocupada com a abrangência educacional que pode propiciar.”

Como vantagem da nova tecnologia, Zuffo apontou a diversidade de formatos e padrão que a TV igital permite, como excelente qualidade de imagem, interatividade e multiprogramação. Mas o problema brasileiro ainda é básico. Segundo dados da Universidade Mackenzie, 70% da população ainda recebe sinal aberto de péssima qualidade. Sem contar que há 120 milhões de televisores, sendo a maioria de 20 polegadas. “O nosso maior problema é a rivalidade dos meios de transmissão, que são escassos e não-renováveis.”

Outro fator importante apontado pelo professor é a sobra de espectro para inserir mais canais, que os canais comerciais vivem alegando não existir. Também ressaltou que o Brasil é o primeiro país a ter compressão de arquivo de vídeo em alta qualidade. E pediu menos discussão tecnológica e mais debates centrados no conteúdo, porque a TV digital tem muitas possibilidades que não estão na pauta de discussão – por exemplo, o uso potencial da flexibilidade de opções e formatos, a possibilidade de armazenamento do conteúdo no celular e a multiprogramação. E Zuffo fez um convite: “Que o CNU não copie formato de ninguém, crie o seu próprio. Que tenha ousadia e criatividade, principalmente porque tem essa possibilidade como canal universitário”.

Foto crédito: Francisco EmoloAdriano de Angelis, coordenador do Departamento de Comunicação Participativa e Colaborativa (Depac) da TV Brasil , do governo federal, ressaltou o “momento histórico” que o País vive, com a criação da TV Brasil – Televisão Pública Internacional Brasileira, que deverá estar no ar a partir de 3 de dezembro. Segundo ele, a TV Brasil surge para ampliar a participação da sociedade na televisão pública, que terá uma grade de programação feita a partir de consultas públicas. “Queremos desenvolver um jornalismo participativo e colaborativo. Para isso, contamos com a ajuda do CNU e das dez instituições que congregam o canal, para nos ajudar na produção de conteúdos.”

No debate foi levantada a questão da permissividade da TV digital, que facilita não só uma distribuição instantânea como o armazenamento em qualquer meio de distribuição, como o celular, o MP3 e o Ipod. “Por isso, pensar a questão do conteúdo é importantíssimo, caso o Brasil queira ter uma televisão pública de qualidade e que sirva de exemplo para outros países”, disse Zuffo.

Parcerias – Também durante o evento, o secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação, Carlos Eduardo Bielschowsky, falou sobre o Canal da Educação, que surge para promover a programação da TV Escola. Para o secretário, o canal transcende a TV educativa, pois se preocupa em envolver as tevês universitárias e demais parcerias. “Não temos preocupação com a audiência, e sim focamos na educação”, ressaltou.

O secretário explicou que o canal terá sua banda subdividida em quatro canais: TV Escola, O melhor da TV Universitária, Universidade Aberta do Brasil – Educação a Distância e um canal de ciência, tecnologia e saúde. No entanto, ele lembrou os problemas existentes para que esse canal entre em funcionamento: “A banda analógica ainda vai continuar por um bom tempo e a transmissão terrestre custa caro”. Por isso ele conta com a ajuda financeira das instituições públicas brasileiras, como Petrobras, Banco do Brasil, Eletronorte e Caixa Econômica Federal,que ainda estão se mobilizando para ajudar.

Numa mesa-redonda sobre negócios e parcerias, Sue Miller Buske, da Alliance for Community Media – sistema de televisão pública dos Estados Unidos –, apresentou a experiência norte-americana, mostrando que naquele país os recursos da TV pública vêm de várias fontes: governos estadual, municipal e federal, bolsas de fundações, aluguel da rua para as empresas de televisão a cabo, doação de empresas e individuais. Monica Pinto, gerente comercial do Canal Futura, contou que o objetivo do Futura não é só ajudar as escolas, mas sim ser um canal para a vida. Falou também das parcerias com universidades, das quais a que mais executa projetos com a emissora atualmente é a Unisinos, do Rio Grande do Sul. Já Luís Alberto Carregosa, diretor-executivo da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão questionou a idéia de que o Brasil não tem produção de conteúdo em larga escala e o que existe é de baixa qualidade. “Tanto não é verdade essa afirmação que fechamos nos dois últimos anos 74 projetos com o exterior.”

 

Os desafios da TV universitária

As dificuldades da TV universitária passam também pelo lado financeiro, lembrou a professora de Jornalismo Heydi Vargas, da Universidade Metodista, durante o 10º Fórum Brasileiro de Televisão Universitária . Investimento caro, muitas vezes os canais optam por reprises para reduzir custos. E é justamente por seu alto custo que o documentário, um formato rico em forma e conteúdo, acaba ficando de fora da programação universitária. “A TV universitária é um ambiente inovador e experimental para novas linguagens, formas e narrativas, espaço perfeito para o documentário. Mas um documentário muito simples custa R$ 10 mil, o que acaba inibindo as iniciativas.”

Mesmo os poucos documentários exibidos pelo CNU, afirma Heydi, acabam enveredando pelos caminhos do jornalismo tradicional, para garantir um formato que atraia o público em geral. “O documentário já começa com pauta pronta e data para acabar. Isso não necessariamente desmerece o conteúdo, mas deixa-se de aproveitar um espaço de criatividade único na televisão brasileira.”

Outro formato televisivo raramente utilizado pelas TVs universitárias é a ficção, que encontra suas maiores representantes nas novelas e minisséries. Produto de alto custo, mas grande retorno comercial – item que não é considerado no caso dos canais de universidades –, a novela é construída junto com o público, que responde aos temas propostos pelo autor e define os rumos das tramas. “A ficção é assistida com outro espírito, é uma forma rica de explorar conteúdos educativos de maneira divertida e de fazer com que a escola trabalhe os recursos audiovisuais através da subjetividade e da imagem crítica”, avaliou a professora Cláudia Mogadouro, pesquisadora do Núcleo de Telenovelas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

Para ela, o público brasileiro desenvolveu uma competência intelectual para acompanhar uma trama complexa, cheia de histórias e personagens que podem não só divertir, mas ensinar. “Ainda há muito o que se aprender com as novelas e a universidade pode fazer essa experimentação, mas primeiro é preciso identificar o seu mundo, os interesses de seu público, para que atue diretamente com ele”, ensina.

Para Vilma Lima, diretora geral da TV Unicsul, da Universidade Cruzeiro do Sul, os canais universitários não têm a percepção de quem é o público de sua programação e nem ao menos com quem eles gostariam de falar. Vilma é autora de uma dissertação de mestrado sobre o tema. Através de entrevistas com reitores, mantenedores e diretores dos canais de televisão das dez universidades participantes do Canal Universitário (CNU) de São Paulo, ela buscou descobrir o que as emissoras desejam fazer da TV universitária. “São basicamente três razões. Para as públicas, mostrar o que a universidade pensa e abrir espaço para alunos e professores mostrarem seus trabalhos. Já as particulares querem, além disso, agregar valor ao empreendimento, divulgar a marca”, explicou Vilma .

A diretora concluiu que, para seus entrevistados, o público seria formado basicamente por alunos, professores, funcionários e pessoas com interesse na universidade, como pais de alunos. “Mas minha experiência empírica diz que quem nos assiste não são o professor e o aluno, e sim um público não-relacionado com a universidade. O que é muito ruim, pois são eles os primeiros que devem assistir e indicar a programação”, afirma.

M. S. M.

 

A história do CNU em livro

Para comemorar os dez anos do Canal Universitário (CNU) de São Paulo – inaugurado em novembro de 1997 –, a emissora lançou o livro CNU – A universidade que você assiste há 10 anos , organizado por Daniel De Thomaz. Thomaz lembra que o livro procura contar um pouco da história da inédita experiência do CNU, mostrando como as universidades e o maior veículo de comunicação de massas do mundo dialogaram nesses últimos dez anos. Quais os resultados obtidos dentro e fora das academias? Como instituições de diferentes origens e denominações coexistiram em um mesmo canal de televisão? São questões respondidas pelo livro. Segundo o organizador, o binômio universidade/televisão parece ainda estar em fase de formação, tateando uma identidade própria, um norte. “Por outro lado, diversas conquistas consolidam o caminho trilhado e servem de pistas e guias para os futuros canais que irão surgir.”

Ao completar dez anos de veiculação televisiva, o CNU conta hoje com dez universidades paulistanas e está no ar nas 24 horas do dia. Fazem parte da emissora a TV USP, TV Mackenzie, TV PUC, TV São Judas, TV Uniban, TV Unicsul, TV Unifesp, TV Unip, TV São Marcos e TV Unisa. Todas produzem seus conteúdos, que são exibidos em horários diversificados na grade do canal.

I. L.

 
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