Um retrato da capital argentina dos anos 1930, época em que assumia sua configuração urbana que permanece até hoje, pode ser visto na obra do fotógrafo Horacio Coppola. A atração entre a fotografia e a cidade se destaca não apenas pelo aspecto documental da obra de Coppola. O fotógrafo argentino retrata o ambiente ao seu redor, em um momento em que a fotografia começa a ser vista como arte. “É próprio do gênero moderno ver a fotografia como arte e não só um registro documental e Coppola parte desse olhar”, explica

Jorge Schwartz, curador da exposição “Horacio Coppola: Visões de Buenos Aires”. Para ele, as fotos de Buenos Aires são o grande momento da carreira do fotógrafo. “Percebemos essa geometrização da cidade nas fotos, imagens quase fragmentárias, algo que é inato a ele.”

Nas imagens da exposição do Instituto Moreira Salles, Coppola nos revela duas Buenos Aires em sua obra: a primeira, uma cidade verticalizada e que transborda modernidade, que é metropolitana e

Imagem invertida de um tílburi (1931)

cosmopolita, e onde se podem ver traços da moda européia na maneira das pessoas se vestirem (exemplo, o uso do chapéu), e como ocupam os espaços públicos; a outra é a cidade da periferia e dos subúrbios, aspecto em que Coppola recebe a influência do escritor e amigo Jorge Luis Borges. “Podemos dizer que tinha um olhar mais nacionalista. A influência de Borges fez com que ele passasse a prestar mais atenção aos bairros afastados do centro”, explica o curador, e completa: “O olhar de Coppola evidencia uma cidade antiga, caracterizada pela horizontalidade de suas casas”.


Carnaval no Teatro Colón

São imagens de uma cidade em transição, em movimento. Há fotografias de barcos ancorados no bairro de La Boca , da pulsação dos cafés e dos salões de dança, do alargamento da avenida Corrientes, do Passeo Colón, das pessoas lotando as ruas dos comércios, os bondes ou simplesmente paradas nos teatros e nas praças. Situações típicas da vida urbana portenha, em um momento em que o país passava por transformações sociais e políticas. Os anos 30 começaram na Argentina com um golpe militar, mas no momento em que Coppola fez os registros, a cidade passava por um surpreendente crescimento econômico. A vida cultural se libertava dos totalitarismos e também ganhava força, com o surgimento de editoras e revistas.

Trajetória – Antes de ser atraído pela fotografia, Coppola começou como cineasta. No seu período de formação na Buenos Aires do fim da década de 1920, já demonstra uma inclinação por fotos experimentais e abstratas, e a vocação para a síntese e para a geometria, características que marcariam toda sua obra posterior. O fotógrafo se vê influenciado pelo projeto do arquiteto francês Le Corbusier para o centro bonaerense: uma relação entre o moderno e o primitivo, em que novas construções propostas pelo arquiteto, como os arranha-céus sobre uma plataforma flutuante no Rio da Prata, dialogariam com o núcleo histórico. O projeto, porém, não se concretiza e o centro acaba avançando pelos bairros antigos.


Um dos muitos cafés portenhos, registro de 1936

Em 1929, Coppola funda o primeiro Foto-Clube de Buenos Aires. Mas as influências não são apenas argentinas. Seu olhar já era muito próximo do movimento alemão conhecido como Nova Visão, um olhar que se consolida no período de 1932 e 1933, quando viaja a Berlim e se junta ao Departamento de Fotografia da Bauhaus, antes de ser fechado pelos nazistas. Quando retorna à capital argentina, se envolve com o grupo de artistas e intelectuais que fomentavam a vida cultural da cidade no momento, entre eles o próprio Borges. É também depois de seu retorno que publica, em 1936, o livro Buenos Aires – Cuarto Centenário de su Fundacion, composto em sua maioria por fotografias encomendadas pela municipalidade para comemorar os 400 anos da primeira fundação de Buenos Aires. São essas imagens que compõem a exposição no Instituto Moreira Salles. O próprio fotógrafo define o livro como o fim de um ciclo na sua relação com Buenos Aires e sua fotografia. Hoje, com 101 anos, Coppola continua a viver na cidade que foi sua maior inspiração.

A exposição fica em cartaz até o dia 10 de fevereiro de 2008, de terça a sexta, das 13h às 19h, sábados e domingos, das 13h às 18h, no Instituto Moreira Salles (r. Piauí, 844, Higienópolis, tel. 3825-2560). Entrada franca. Mais informações no site www.ims.com.br.

 
PROCURAR POR
NESTA EDIÇÃO
O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]