Muitos são os indicadores para avaliar a importância de uma universidade pública como a USP para o desenvolvimento do País. À parte, porém, os relatórios oficiais cheios de números, gráficos e tabelas de difícil compreensão para a população em geral, é numa história rica, repleta de feitos palpáveis e pontuada de não pouca aventura que essa importância se traduz. Relatos desse porte são a tônica do livro Geologia USP – 50 anos, organizado pelo professor Celso de Barros Gomes, que recupera e celebra, como o título indica, a trajetória de meio século de um dos quatro cursos pioneiros de geologia no Brasil. Publicado pela Editora da USP (Edusp), o livro será lançado em sessão solene, nesta sexta-feira, dia 30, às 18 horas, na Escola Politécnica da USP.

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Entre os 1.525 profissionais que o curso formou nesse período, estão muitos nomes que ajudaram a criar ou redefinir atividades econômicas e de exploração dos recursos minerais brasileiros. Por exemplo, Breno Augusto dos Santos, da turma de 1963, que participou da “grande aventura de Carajás”, no Pará. Em seu artigo publicado no livro, Santos registra que os resultados da descoberta de Carajás, a partir de 1967, “mudaram, para o bem ou para o mal, a geologia, a economia e a história de uma vasta região do Brasil”. Profissionais

O palacete da alameda Glete

diplomados pela USP também têm registrado seu nome na pesquisa, prospecção e descoberta de jazidas de urânio e de outros recursos minerais e energéticos, na construção de grandes obras de infra-estrutura e na atuação em órgãos federais com papel decisivo para o conhecimento geológico do País.

O desenvolvimento brasileiro na área petrolífera também está ligado a nomes que passaram pelos bancos da Geologia uspiana. Entre eles está, por exemplo, Plínio Di Giorgi, da turma de 1962, que acompanhou e interpretou testes de poços exploratórios da plataforma continental – inclusive o que definiu o primeiro campo petrolífero da Bacia de Campos, que completou 30 anos de produção em 2007 e é responsável por cerca de 84% do petróleo que o País produz. “Daquela geração das décadas de 1970 e 1980 muitos ocupam posição de destaque, seja gerencial ou técnica, contribuindo decisivamente para a descoberta de mais petróleo para o Brasil”, escreve em seu artigo Paulo Manuel Mendes de Mendonça, da turma de 1972.

Convivência – Toda essa rica história – especialmente aquela ligada ao começo do curso, num palacete da alameda Glete, nos Campos Elíseos, em São Paulo – não tinha ainda documentos básicos de referência. “Há uma carência total de informações, e por ocasião da comemoração dos 50 anos achamos mais do que oportuno reconstituir esse passado”, explica o organizador do livro, Celso de Barros Gomes. Integrante da primeira turma, formada em 1960, Barros Gomes exalta a intensa convivência que o espaço físico exíguo do prédio da Glete proporcionava, ao mesmo tempo em que lamenta seu inglório fim. Em 1969, o curso foi transferido para a Cidade Universitária, e o prédio foi destinado para outras finalidades – chegou a ser ocupado por uma delegacia, mas em meados dos anos 70 foi demolido. No lugar, funciona até hoje um estacionamento, cuja movimentação é acompanhada por uma figueira que, remanescente de outros tempos, teima em se manter de pé, como uma espécie de testemunha muda do passado acadêmico.

Foto crédito: Cecília Bastos Barros Gomes: uma rica história que não pode ser esquecida

O palacete da Glete foi adquirido pelo governo do Estado, na década de 1930, para abrigar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da então nascente Universidade de São Paulo. Seus suntuosos salões foram reformados e adaptados para receber os alunos, professores e equipamentos da faculdade. Ali funcionavam os cursos de História Natural – mais tarde, Biologia – e Química, além do laboratório do Departamento de Psicologia Experimental, num pequeno porão. A partir de 1957, os menos de 2 mil metros quadrados de espaço tiveram que abrigar também o recém-criado curso de Geologia. “Na Glete, a ‘convivência' era muito mais que uma palavra. Era uma realidade palpável. Ali, conviver era realmente ‘com viver', ou ‘viver com'”, assinala em seu artigo Virginio Mantesso Neto, da turma de 1968. A proximidade fazia com que os alunos partilhassem não só a rotina acadêmica, mas a agitação política, as festas e as atividades esportivas e sociais. Não por acaso, vários casamentos nasceram ali.

A criação do curso está ligada ao próprio contexto social e econômico do País – em 1954, por exemplo, havia sido criada a Petrobras. O trabalho em geologia, porém, era praticado essencialmente por engenheiros de minas. “Havia uma expectativa muito grande por um profissional de ciências geológicas. O presidente Juscelino Kubitschek (1956–1961), que tinha um perfil desenvolvimentista, comprou a causa e entendeu que realmente se deveria investir em formação nessa área”, explica Barros Gomes. Por iniciativa do então Ministério da Educação e Cultura, foi criada em 1956 a Campanha para a Formação de Geólogos (Cage), que propôs o estabelecimento de quatro cursos de Geologia no País: em São Paulo, Porto Alegre, Ouro Preto e Recife.

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Yamamoto: trabalho de campo é um dos diferenciais do curso

A Cage previa a vinda de docentes dos Estados Unidos e Europa, além da concessão de bolsas de estudo para os alunos. O acordo entre a USP e a Cage foi publicado no Diário Oficial da União em setembro de 1957, porém os recursos não foram liberados – sob a alegação de que o curso já estava em andamento (havia começado a funcionar no início do ano) e não seria objeto do acordo. Cansados de esperar pelas prometidas bolsas, os alunos fizeram uma greve, e a situação foi regularizada ainda no segundo semestre daquele ano.

Ambiente – Além dos professores americanos e europeus – que davam aulas em inglês, obrigando os alunos a compreender os mais diferentes sotaques –, integraram o corpo docente inicial nomes “emprestados” das áreas de história natural, matemática, física e outras, como Crodowaldo Pavan, Berta Lange de Morretes e Aziz Ab'Sáber. Aos poucos, os próprios formados passaram a se tornar professores do curso, caso de Barros Gomes (diretor do Instituto de Geociências entre 1983 e 1987) e do primeiro nome da lista da turma pioneira – Adolpho José Melfi, mais tarde reitor da USP (2001–2005).

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A primeira turma de formandos, em 1960: contribuições para o País

Para o atual diretor do Instituto de Geociências (IGc) da USP, Jorge Kazuo Yamamoto, um dos diferenciais da formação na USP é o intenso trabalho de campo. Ao longo dos cinco anos da graduação, os alunos passam 140 dias em atividades externas. O diretor destaca que grandes empresas públicas e privadas têm salientado a qualidade dos geólogos formados no IGc, e afirma que a retomada do crescimento da economia faz com que as perspectivas sejam muito boas para os futuros profissionais. “O mercado nunca esteve tão bom para os geólogos como está hoje”, diz. Os estudantes parecem animados: em 2006, a evasão no curso foi zerada.


Geologia USP – 50 anos, de Celso de Barros Gomes (organizador), Edusp, 544 páginas.

De olho nos desafios da atualidade e do futuro, o IGc criou em 2004 a Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental. “A geologia é um componente importante do sistema de preservação do ambiente porque ela entende os processos de poluição e contaminação”, diz Yamamoto. Acompanhar constantemente a atualização tecnológica é outra prioridade no instituto. Afinal, é graças a ela que o País poderá se beneficiar, por exemplo, dos recursos do campo de Tupi, megarreserva petrolífera cuja descoberta foi anunciada no começo de novembro. “Temos uma parceria muito grande com a Petrobras, e nosso interesse é nos aprofundarmos para proporcionar a melhor formação para nossos alunos na área de petróleo”, conclui.

O livro Geologia USP – 50 anos será lançado nesta sexta-feira, dia 30 de novembro, às 18 horas, no Auditório Professor Francisco Romeu Landi da Escola Politécnica da USP (avenida Professor Luciano Gualberto, travessa 3, 380, na Cidade Universitária, em São Paulo). Na ocasião, várias personalidades ligadas ao curso serão homenageadas. Mais informações: telefones (11) 3091-3958 e 3091-4274.

 

Passeio pela história

Em 17 artigos assinados por diferentes autores, o livro Geologia USP – 50 anos acompanha a criação e a evolução dos tempos iniciais do curso – a sua fase “gletiana” –, passa pela mudança para a Cidade Universitária e o funcionamento nos barracões, quando a precariedade das instalações era amainada pela expectativa da construção do prédio definitivo, e destaca a evolução das atividades profissionais e de pesquisa, como os laboratórios e a biblioteca – referência nacional e internacional.

Um apêndice traz a relação completa dos 1.525 formados em Geologia – incluindo a chamada turma zero, de 1959, composta por alunos transferidos do terceiro ano do curso de História Natural para o segundo do curso novo. A primeira turma admitida em vestibular específico ingressou em 1957, com 41 alunos, além de cinco que entraram por transferência. Desses, 24 graduaram-se em 1960. Entre eles, além de Celso de Barros Gomes e Adolpho José Melfi, está Antonio Carlos Rocha Campos, que até hoje atua no IGc e é uma das lideranças brasileiras nas pesquisas sobre a Antártida. No apêndice estão também os títulos e autores de todas as dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas no curso. O volume aborda ainda o momento atual do Instituto de Geociências, suas novas ênfases e perspectivas e traz muitos mapas, ilustrações e fotos históricas.

 
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