Pelo menos um terço da população mundial possui um nível de vida extraordinário em termos de conforto e prosperidade graças aos avanços científicos e tecnológicos alcançados nas últimas décadas. Esse sistema, no entanto, se baseia no uso de recursos energéticos fósseis – especialmente o petróleo – cujas reservas mundiais estão próximas do fim. “São consumidos cerca de 30 bilhões de barris de petróleo por ano no mundo. No século 20, foram 1 trilhão de barris.

Os geólogos dizem que há mais 1 trilhão para retirar. Ou seja, essas reservas se esgotarão em 30 ou 40 anos”, alerta o físico José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) e ex-reitor da USP. “A civilização construída no século 20 não pode durar. Ela tem um problema de sustentabilidade.”

Goldemberg proferiu no dia 26 de novembro, no Memorial da América Latina, a conferência “Iluminando o caminho: a transição para um

futuro energético sustentável”, como aula de encerramento do segundo módulo da Cátedra Memorial sobre ambiente. A cátedra é um projeto conjunto da USP, Unicamp e Unesp dirigida a estudantes dos países do continente e voltada para a formação de especialistas sobre os problemas latino-americanos. Na conferência, o físico falou sobre o terceiro relatório elaborado pelo Comitê das Academias de Ciências, que reúne instituições de 93 países, incluindo Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, França e Brasil. Um grupo de quinze cientistas escolhidos pelas academias trabalhou por dois anos para preparar o relatório, cujo título deu nome à aula de encerramento. Goldemberg e o sino-americano Steven Chu, prêmio Nobel de Física de 1997, dirigiram o trabalho.

Além da exaustão dos recursos, o professor apontou a segurança do abastecimento e os impactos ambientais como os maiores problemas do sistema energético atual do planeta. A segurança se refere ao explosivo cenário geopolítico do Oriente Médio, que concentra a maior parte das reservas de petróleo globais e de onde a máquina planetária depende cada vez mais para girar. “Quando perguntaram ao Alan Greenspan (ex-presidente do Banco Central americano) por que havia guerra no Iraque, ele respondeu simplesmente: ‘É por causa do petróleo'”, lembrou Goldemberg. Quanto aos impactos ambientais, dão testemunho dados como o aumento da temperatura média global (1ºC desde 1860, quando começaram as medições), a elevação do nível do mar (de 20 a 30 centímetros) e a diminuição da cobertura de gelo mesmo nos lugares conhecidos pelas suas “neves eternas” (como o Monte Kilimanjaro, na fronteira entre Tanzânia e Quênia).

Eficiência – O relatório Iluminando o caminho não se limita a diagnosticar os problemas, mas, define Goldemberg, faz um esforço para apontar soluções com base em critérios científicos. Seus autores, porém, não têm a intenção de se imiscuir nas políticas dos governos, nem de determinar o que os dirigentes nacionais devem fazer. As recomendações básicas são: aos países industrializados do Hemisfério Norte, a melhor e mais barata solução é o aumento da eficiência energética – ou seja, a economia de energia, para o que já existem tecnologias disponíveis. O professor exemplificou com o caso do Estado americano da Califórnia, onde o consumo atual de eletricidade per capita é o mesmo da década de 1980: 7 mil kWh, contra a média nacional de 12 mil kWh.

Foto crédito: Cecília Bastos
Goldemberg: sugestões às nações

Para os países em desenvolvimento, a estratégia é adotar o quanto antes as melhores e mais eficientes tecnologias, evitando repetir o caminho já feito pelos industrializados. Para Goldemberg, um exemplo brasileiro de eficiência energética é o caso da Siderúrgica de Volta Redonda (RJ), que, quando inaugurada, em 1948, funcionava a carvão mineral e era extraordinariamente poluente. Há alguns anos, passou a captar o metano que emitia para gerar eletricidade. “A usina era a maior cliente da Light, comprava cerca de US$ 100 mil por ano. Hoje essa conta caiu a zero e ela está vendendo eletricidade para a Light”, afirmou.

O relatório também recomenda o uso crescente de fontes de energia renováveis, em suas muitas formas, incluindo a biomassa, que oferece imensas oportunidades para progresso tecnológico e inovação; a promoção do desenvolvimento de tecnologias de armazenagem de energia e a introdução de tecnologias para captura e seqüestro de carbono de combustíveis fósseis.

Queimadas – Para Goldemberg, o Brasil está num bom caminho em relação à sua atual matriz energética. Das fontes de oferta primária no País, 41,3% são renováveis – um dos maiores porcentuais do mundo, em que essa média é de apenas 13,61%. Entretanto, a forma como estão sendo feitos leilões para oferta de energia pode alterar o quadro, alerta o professor. “Vence a licitação quem oferecer o preço mais barato, como aconteceu com os pedágios recentemente. Acontece que energia é diferente, porque tem impacto no ambiente e um custo que pode ser sério mais à frente”, diz.

De acordo com o físico, é um equívoco defender, como fazem setores do governo, que o Brasil deve chegar ao nível de consumo de eletricidade per capita dos Estados Unidos. Em países com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,9 – como Alemanha, Coréia do Sul, França, Itália, Holanda e Reino Unido, entre outros –, esse número é em média de 7,5 mil kWh. No Brasil, cujo IDH é de 0,8, a média atual é de 2,5 mil kWh. Para Goldemberg, é mais do que suficiente chegar ao nível de consumo dos países de IDH 0,9.

Apesar de sua boa matriz energética, o Brasil é o quinto maior emissor mundial de gases do efeito estufa, atrás de Estados Unidos, China, Rússia e Japão. Três quartos dessas emissões se devem ao uso da terra – desmatamento e queimadas. Sem elas, o País cairia para o 18º lugar. “As emissões de carbono farão mal a todo mundo, inclusive a nós mesmos. Manter uma matriz energética renovável é a onda do futuro”, apontou o ex-reitor.

A íntegra do relatório Iluminando o caminho: a transição para um futuro energético sustentável está disponível (em inglês) no endereço eletrônico www.interacademycouncil.net.

 

Um herói do ambiente, segundo a Time

Reitor da USP entre 1986 e 1989, José Goldemberg já foi também ministro da Ciência e Tecnologia e da Educação, além de secretário do Meio Ambiente nos governos federal (estava no cargo quando da realização da Eco-92, no Rio de Janeiro) e estadual. A esse currículo soma-se agora a escolha pela revista Time como um dos “heróis do ambiente” em 2007. A relação inclui 45 nomes de todo o mundo – de políticos a inventores, de líderes empresariais a artistas, de cientistas a ativistas ambientais. Na lista estão, por exemplo, o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, o ex-vice-presidente americano e Prêmio Nobel da Paz Al Gore, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, o príncipe Charles e o ator e diretor Robert Redford. Goldemberg é o único latino-americano e um dos poucos representantes do Terceiro Mundo no grupo. “Foi uma completa surpresa para mim, mas fico contente por ter sido reconhecido”, diz o ex-reitor.

A lista se divide em quatro categorias: líderes e visionários (na qual Goldemberg foi incluído); ativistas; cientistas e inovadores (onde está, por exemplo, o químico Abul Hussam, de Bangladesh, que inventou um método simples de purificação de água contaminada); e empresários (como o chinês Zi Zhengrong, que se tornou um dos homens mais ricos do país ao explorar a tecnologia de energia solar).

A revista chama a atenção para o pioneirismo do Brasil na utilização do álcool de cana-de-açúcar como combustível já no final dos anos 70, e lembra que, num paper que publicou na revista Science em 1978, Goldemberg afirmava que o etanol era energia solar transformada em líquido. “Eu disse ao jornalista que outras pessoas também contribuíram para o Pró-Álcool, e ele respondeu que era verdade, mas que o que caracterizava a minha ação era a persistência”, conta. A Time também salienta os esforços do professor para que o Brasil não entrasse na corrida mundial pela produção de armas nucleares.

Para a revista, como “a Terra não tem voz, alguém precisa falar por ela”, e é isso o que os personagens escolhidos por ela têm feito. “Cabe a nós ouvi-los e nos juntar a eles.” O especial completo pode ser lido na internet, aqui.

 
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