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significativa de sua obra na década de 1970 ficaram à margem do sistema da arte naqueles anos difíceis e permanecem, ainda hoje, pouco conhecidos pelo público e por grande parte da crítica”, observa Cristina. “A obra de Bruscky é um exemplo. Sua produção como artista multimídia, iniciada no final da década de 1960, é tão vasta quanto diversificada. Distante dos padrões convencionais de obra de arte, levanta questões pertinentes à temporalidade da arte.”
Os projetos do artista se caracterizam pela efemeridade. São instalações, performances e ações que não foram feitas para durar além de seus registros. “A rede de trocas estabelecida pela arte postal, que é central em sua poética, também indica algo sobre a fugacidade e o sentido de transitoriedade da sua produção.” Daí o título da mostra, “Ars Brevis”, que é a primeira exposição individual do artista em um museu. “A obra de Bruscky se destaca no acervo do MAC pela sua prolixidade e a riqueza de relações que possibilita”, explica a curadora. “Amplia o campo de investigação da arte contemporânea ao incluir questões referentes às técnicas de reprodução e os mais variados meios de comunicação, como rádio, vídeo e fax. Alguns de seus inventos, como os xerofilmes, que também estão na exposição, atestam esse caráter interdisciplinar. A importância do arquivo como referência de sua poética propõe temas pertinentes à confluência entre obra de arte e documentação.”
Um labirinto – Quando o público entrar no MAC, terá a impressão de penetrar num labirinto. O visitante fica um pouco desorientado, mas logo percebe que a ordem é exatamente o caos. Cristina optou por subdividir a mostra em núcleos, para uma melhor compreensão do processo criativo do artista. Entre esses núcleos estão: Eu Comigo, em que o artista se apresenta como personagem de si mesmo em performances e ensaios fotográficos; Arte Postal, que apresenta a intensa troca de correspondência de cunho político entre artistas de várias nacionalidades, realizada nas décadas de 60 e 70; Poesia Visual, com frases sintéticas, colagens e caligramas; Máquinas Poéticas, sobre sua vasta experimentação com máquinas xerox e aparelhos de fax; Biblioteca, que traz os livros que compõem grande parte de sua obra. Mas não são livros como o visitante pode imaginar. O primeiro, realizado em parceria com Daniel Santiago, em 1971, tem um espelho na capa branca e inclui textos e projetos de ações. Outro livro é o Comoler, na forma de um enorme pão, com edição da padaria Nabuco, em Recife, que foi lançado e comido na livraria Livro 7, também em Recife, acompanhado de manteiga e café.
Outro núcleo da exposição é o Hospital-Estúdio, que traz as experimentações de seu dia-a-dia como funcionário público de um hospital, que envolviam carimbos e papel timbrado, além da manipulação de eletroencefalógrafos, aparelhos de raios X e afins, para o seu fazer artístico. No espaço Cotidiano, há objetos como um ferro de passar roupa. Um ferro que poderia ser só um utilitário doméstico, se não fosse o de Bruscky. O artista transformou o objeto em matriz de gravura.
Cerca de 70% dos trabalhos apresentados na mostra são da coleção do artista, instalada no seu labiríntico ateliê/arquivo no apartamento onde mora, em Recife. As demais obras pertencem ao acervo do MAC, que foi redescoberto pela curadora quando realizava a pesquisa do acervo de arte conceitual do museu. “Até aquele momento, trabalhos como livros-objeto, arte-postal e projetos de performance não tinham um local específico no MAC, que não sabia se catalogava o material na biblioteca ou na reserva técnica”, afirma Cristina. “Depois da organização desse material, doado por Bruscky na década de 70, e de trabalhos de outros artistas, poderemos dizer que possuímos o mais importante acervo de arte conceitual do País.”
A mostra “Ars Brevis” está em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (rua da Reitoria, 160, Cidade Universitária, São Paulo), de terça a sexta-feira, das 10 às 18 horas, sábados, domingos e feriados, das 10 às 16 horas. Entrada franca.
Entre a imaginação e o lúdico, a irreverência e o humor
O trabalho de Cristina Freire na curadoria da mostra e na pesquisa do livro sobre a trajetória de Paulo Bruscky é inédito e pioneiro. Apesar da produção vasta e diversificada de quase quatro décadas, o artista não tinha, até então, sido estudado com a devida atenção e reconhecimento.
Nas primeiras páginas de Paulo Bruscky – Arte, arquivo e utopia, a pesquisadora apresenta o labirinto do artista. A seqüência de fotos propõe um se perder no caos. Os papéis espalhados pelo chão, os livros na desorganização proposital, a coleção de relógios pendurados na parede marcando horas diferentes, o cartaz “Vacina contra tédio”, o vaso sanitário aberto, a samambaia e as trepadeiras que crescem sem rumo... Enfim, um cenário para o artista que é o seu próprio personagem.
“Qualquer definição é insuficiente para definir esse artista”, explica Cristina. “Multimídia, inventor, educador, poeta, fotógrafo, arquivista, editor, curador, enfim, em duas palavras, um artista contemporâneo.” Muitos dos projetos de Bruscky não chegaram a ser realizados porque foram recusados por salões e instituições. “Permanecem registros de idéias que se expandem no tempo e no espaço. Outros, sobretudo nos anos 1970, foram realizados em parceria com o artista Daniel Santiago, que Bruscky encontrou na Escola de Belas Artes, em Recife. Essa parceria durou quase duas décadas.”
Paulo Bruscky – Arte, arquivo e utopia, de Cristina Freire, Companhia Editora de Pernambuco, 275 páginas, R$ 100,00
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Cristina lembra que Bruscky nunca vendeu nenhuma obra, ganhando a vida como funcionário público. “Essa perspectiva quase utópica e idealista de negação do valor de troca, opondo-se à retificação da arte como objeto de consumo, sugere um romantismo anticapitalista.”
Com essa liberdade, Bruscky se dá o direito de criar o tempo todo. Vai transformando cada atitude em proposta de arte. Atua entre a imaginação e o lúdico, com irreverência e humor. Daí a foto de 1984, onde o próprio e Daniel Santiago posam com uma faixa avisando: “Limpo e desinfetado”. É exatamente na condição de artista limpo e desinfetado que Bruscky satiriza a institucionalização da arte. “Com seu humor, combate a atitude pretensiosa da alta cultura, em sua ênfase absoluta no profissionalismo do artista, na noção romântica de artista como gênio, distinto representante da elite.”
A trajetória de Bruscky é apresentada em seis capítulos, destacando as diversas fases e as suas múltiplas faces. Cristina apresenta temas como a relação do artista com o grupo de vanguarda Fluxus, as performances e ações na época da ditadura militar, a poesia visual, os livros de artista, a relação entre poesia visual e sonora, as intervenções urbanas e a utilização ampla dos meios de reprodução, como fotografia, fax, heliografia e xerox, além dos inventos que articulam arte, ciência e jogo.
Interessante é a análise da poesia visual do artista. “Bruscky tem como inspiração declarada a obra do artista pernambucano Vicente do Rego Monteiro, que ele vem pesquisando exaustivamente”, analisa Cristina. “Observa-se, em sua trajetória, que sua poética caminha lado a lado com uma busca quase quixotesca da ampliação das sensibilidades, sempre incluindo mais interlocutores. Em primeiro plano, está a mais íntima relação entre arte e vida.”
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