Lidando com a língua escrita, o estudante toma contato com sua consciência histórica, desenvolvendo-a por meio do diálogo que se estabelece entre o passado, a vivência no presente e o futuro. Essa é a tese da professora Maria Aparecida Lima Dias, que se doutorou em agosto passado pela Faculdade de Educação da USP, sob orientação da professora Silvia Mattos Gasparian Colello. “O ensino da história tem fracassado porque desconsidera o que os sujeitos têm a dizer, desconsidera a experiência dos alunos e tenta substituir tudo isso pelo o que está nos livros”, afirma a professora.

Foto crédito: Marcos Santos

A escrita é importante porque oferece instrumentos que dão força às idéias desses jovens. Para aprender história, o aluno não depende necessariamente da língua escrita, haja vista como os conhecimentos eram transmitidos nas sociedades antigas, reconhece a autora. Mas a escrita potencializa a capacidade de aprendizagem, melhorando a consciência histórica do estudante. Maria Aparecida propõe que a educação seja encarada sob uma “perspectiva genética”, que vê a sociedade em permanente transformação. Nessa linha de raciocínio, a relação com o mundo é sempre mediada, uma vez que o homem se

apropria dos elementos históricos a partir de discursos criados pelo próprio homem. Nela, não existe mais a dicotomia “certo-errado”: sua reflexão é mais abrangente, diz a professora.

A pauta – O trabalho é resultado de uma pesquisa com 134 produções textuais de 67 estudantes de 5ª e 8ª série de uma escola municipal de São Paulo. Para avaliar o processo de transformação da língua e da consciência histórica dos alunos, a professora pediu que eles produzissem dois textos. Num primeiro momento, ela falou sobre a discriminação racial sofrida por Grafite, ex-jogador do São Paulo Futebol Clube, numa partida contra o time argentino Quilmes, em abril de 2005. Então pediu aos estudantes que contassem se já haviam vivido ou presenciado situação semelhante e propusessem soluções para o problema. No segundo momento, foram desafiados a reescrever o texto depois de um debate. Com isso, Maria Aparecida ampliou os recursos lingüísticos e históricos dos alunos e fomentou a narrativa.
Os tipos de consciência histórica mais comuns aos textos foi a tradicional, ligada à religiosidade, e a exemplar, sob uma ótica positivista de resgate de heróis do passado. Apenas um aluno, da 8ª série, pensou sob a perspectiva genética. “De maneira simplificada, ele disse que é muito importante falar de Zumbi dos Palmares, mas também é preciso discutir sobre outros negros que fazem a história. Não se trata apenas de descobrir heróis, mas descobrir o homem comum”, conta a professora, a respeito de uma exceção que, para ela, deveria ser regra. Maria Aparecida defende um ensino sistemático, que explicite ao aluno como usar o conteúdo aprendido em seu cotidiano. “A língua escrita é mediadora, favorece o pensamento e a comunicação”, afirma. “Ao mesmo tempo em que ela opera, melhora o jeito de falar e de escrever e transforma o pensamento, já que consegue materializá-lo. E isso serve para todas as disciplinas.”

Desmotivação – A diferença entre os resultados dos alunos de 5ª e 8ª série surpreendeu a professora: a motivação e o empenho foram vistos mais no primeiro grupo, sendo que, no segundo, imperou o desprezo pela atividade. O trabalho começou com 85 estudantes, mas apenas 67 finalizaram os dois processos. Segundo Maria Aparecida, a não-adesão representa uma resistência às práticas escolares que não estabelecem relações de proximidade com os alunos. Como na maior parte do tempo o estudante escreve para ser corrigido, o não-produzir é uma atitude de boicote às atividades – vista em maior grau nos mais velhos, submetidos há mais tempo ao ensino tradicional, acrescenta a professora.

“O professor não deve apenas corrigir as vírgulas, mas ensinar os recursos da língua escrita. É preciso trabalhá-la em seu potencial total. Se o estudante não pensa sobre as palavras que escreve, não reflete sobre o que está sendo colocado no papel”, afirma Maria Aparecida. Ao privilegiar a idéia, não se está desconsiderando os problemas gramaticais, mas ajudando o aluno a descobrir toda a potencialidade da escrita.

“Existe um absoluto desconhecimento dos professores em relação aos ambientes em que o aluno desenvolve a língua: na prova, na internet, em casa. Cada um deles gera formas diferentes de escrever e é preciso ensinar onde usar cada uma dessas variantes”, sugere a professora. “A escola tem uma relação com a língua tão castradora que o estudante desenvolve um mecanismo de não querer mais escrever. Com isso, a linguagem abreviada da internet representa uma solução fácil ao problema”, finaliza.

 
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