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O Museu de Ciências da USP não tem nada com religião nenhuma, porém, se a comparação vale, com iniciativas como a da exposição itinerante da água e origem da vida, agora na Casa Caiçara, ajuda a formar seguidores do culto da natureza. E lugar mais apropriado que Cananéia para uma exposição sobre água não poderia haver, ainda mais quando se leva em conta que o IO possui lá uma base de pesquisa entre águas e bosques, em atividade mesmo nas férias escolares. Na semana passada, uma equipe do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP de Piracicaba, liderada pelo professor Luiz Pessenda, recolhia na Ilha do Cardoso material de mangue para análise no Laboratório de Carbono 14, pelo qual Pessenda é responsável (leia abaixo).
Origem – Para atingir seus objetivos, uma exposição tem que ter pessoal encarregado de formar monitores que fiquem à disposição do público visitante, especialmente se forem crianças. Assim foi feito em Cananéia, e não faltaram crianças – pelo menos na primeira semana, pois ela coincidiu com o início do programa do governo do Estado de levar às praias milhares de estudantes do interior.
Rodrigo Batistão, estudante do segundo ano do IO, é um dos encarregados de monitorar a exposição, começando por mostrar como a água interage em diferentes áreas do conhecimento. Depois vêm um pouco de história da utilização da água pela humanidade, fenômenos de circulação atmosférica e finalmente a necessidade de conscientização sobre o uso racional da água para garantir a sobrevivência humana.
Claro que o começo do Universo ainda é um mistério para a ciência, mas é certo que a água se formou com outros elementos da Terra primitiva, de gases condensados que viraram chuva e em forma líquida tomaram conta de fendas de rochas e correram pela superfície ajuntando-se em oceano primitivo, constituindo a Pantalácia, diferenciada da Pangéia, que é a parte da terra firme. A água e a vida foram possíveis graças ao clima no oceano primitivo, pois é certo que os elementos se comportam da mesma forma em qualquer época e lugar. Assim, água só existe com temperatura acima de zero grau e abaixo de cem graus – do contrário estaria continuamente congelada ou ainda em forma de gás. Nada pode ser fecundado sem água. O ovo, por exemplo, é um minilago com alimento suficiente para a vida até o feto sair da casca. Todo ser vivo tem grande porcentagem de água; o homem, cerca de 70%.
Se é tão indispensável, a água precisa estar presente no dia-a-dia das pessoas e dos demais seres vivos. As grandes civilizações começaram em regiões ricas em água. Como a Mesopotâmia, que até no nome faz referência a ela: entre rios . Depois de formadas aldeias e cidades, o homem precisou construir canais e aquedutos, levando vida para as casas e o campo. O que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) faz hoje, represando água no alto da Cantareira para transportá-la até a cidade, os romanos faziam antes de Cristo, tendo deixado testemunhos que ainda podem ser vistos e fotografados.
Painéis e
ilustrações
ensinam a importância de preservação da água, fonte de vida para toda
a natureza
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Um pouco da tecnologia e da arquitetura hidrológica pode ser apreciado na exposição itinerante do Museu de Ciências. Mas não é prudente perder de vista que a água passível de uso pela humanidade é limitada, pois 97,5% da reserva global é salgada. Dos 2,5% que sobram, aproximadamente 70% estão nas geleiras, 30% nos aqüíferos (água subterrânea), e 1% em rios, lagos ou dissolvida na atmosfera. À disposição do homem está 0,3% dos 2,5% da água doce. Boa parte da água potável está no Brasil, especialmente na Amazônia e no Aqüífero Guarani, área que abrange partes do Paraguai, Uruguai e Argentina. Mesmo o Nordeste brasileiro é rico em água subterrânea, conforme estudos de geólogos da USP, especialmente Aldo Rebouças, têm comprovado.
Preservação – A oferta global de água está sujeita a fenômenos atmosféricos e marítimos, aliás interdependentes. A atmosfera e o oceano funcionam como radiadores da Terra, alternando calor e frio e regulando as correntes marítimas, que podem ser superficiais ou profundas. Os fenômenos El Niño e La Niña, que neste ano prometem bagunçar o clima e o ciclo de chuvas no Brasil, são exemplos desse processo histórico.
O objetivo principal de exposições como a de Cananéia é colocar na cabeça das pessoas que a garantia de boa água no mundo depende da preservação de toda a natureza. De solo sem pesticidas, sem metais pesados, sem plásticos, sem vidros. O visitante da exposição é informado sobre o tempo que alguns materiais levam para se degradar e voltar ao estado anterior. Uma bituca de cigarro precisa de seis meses para se desfazer; um chiclete, cinco anos; uma garrafa de vidro, um milhão de anos. Recentemente, uma tartaruga foi encontrada com 12 quilos de material plástico no estômago. O Museu de Ciências e o Oceanográfico esperam que os monitores e os visitantes constituam um núcleo formador de consciência ecológica pelo menos nas cidades por onde a mostra passar. Sem necessidade de aderir formalmente à religião da ecologia.
A exposição “Água: uma viagem no mundo do conhecimento” está na Casa Caiçara (Praça Martim Afonso de Souza, s/nº), em Cananéia, de terça a domingo das 15h às 21h. Até 4 de abril. Entrada franca. Informações pelo fone (13) 3851-5100.
Testemunhos da variação climática
Pessenda: estudos no mangue
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O professor Luiz Pessenda e sua equipe de seis alunos trabalham nos mangues da Ilha do Cardoso na reconstrução do paleoambiente, isto é, no estudo do que ocorreu no Brasil nos últimos 40 mil anos em relação ao clima e à vegetação. Esse espaço de tempo é determinado pela capacidade máxima de detecção do tempo pelo método do Carbono 14, que, segundo Pessenda, é extremamente confiável e de uso universal. Trabalhos semelhantes o professor associado da USP já realizou na Amazônia, especialmente na Ilha de Marajó.
A datação de materiais interessa a pesquisadores de muitas áreas do conhecimento, especialmente arqueólogos, geólogos, químicos e físicos como o próprio Pessenda, que é formado na Unesp de Rio Claro, tem mestrado e doutorado em química analítica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP de Piracicaba, especialização em solos e nutrição de plantas pelo Cena e fez pós-graduação em isótopos ambientais no Canadá.
Para entender o clima atual é preciso conhecer o clima do passado. Muitas instituições e empresas interessam-se por isso. Entre 60% e 70% das pesquisas e dos exames feitos no laboratório do Cena têm caráter de cooperação científica e acadêmica, e pelo menos 20% são prestação de serviço. Com a Vale do Rio Doce existe convênio, pois a empresa de mineração possui reserva de 23 mil hectares de mata atlântica em Linhares (ES) e está interessada em prestigiar e dar apoio logístico a pesquisas científicas sobre solos, botânica, animais e aves, entre outros aspectos. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) não recusa ajuda a projetos do Laboratório de Carbono 14, cujo curso é avaliado pela Capes com nota máxima.
Empunhando um “testemunho” do mangue, tubo de aproximadamente 1,80m cheio de material para análise, Pessenda informa que será uma tarefa para alguns meses. Dentro do tubo de alumínio pode haver vestígios de ossos, carvão, madeira e conchas – tudo será datado. É possível que os resultados indiquem que em outros tempos a conformação da Ilha do Cardoso e demais áreas do litoral brasileiro tenha sido bem diferente do que é hoje, e até que tenha havido várias glaciações. O clima de épocas antigas tinha suas peculiaridades, porque não sofria interferência do homem. Atualmente, a atuação humana força mudanças.
Um dos integrantes da equipe de Pessenda, Antonio Álvaro, que acaba de concluir o curso de Biologia na Esalq, confirma que há indicação de que o nível do mar pode ter sido mais baixo do que agora, ou que tenha variado algumas vezes, assim como o clima variou entre períodos secos e úmidos. Outros pesquisadores que ao meio-dia da segunda-feira passada acabavam de retornar da Ilha do Cardoso, suados e enlameados, eram Mariah Izar Francesquini e Jaime Rissi Passarini. Uma parte da equipe recolhe material da mata, outra do mangue, e cada pesquisador faz no laboratório a análise do material que coletou. No final é feita uma apresentação do conjunto, que servirá de subsídio para o estudo mais completo do quaternário na Ilha do Cardoso.
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