Durante a semana de 14 a 18 de janeiro, a USP recebeu cerca de mil professores do ensino infantil e fundamental da rede pública de todo o Estado. No roteiro, visitas a diversos pontos da Cidade Universitária e uma viagem por todo o acervo cultural da Universidade em seus museus e institutos. Na Faculdade de Educação (Feusp), eles participaram de dezenas de oficinas e mesas-redondas, parte da semana presencial do Programa de Educação Continuada (PEC), que já está em sua terceira turma.

Foto crédito: Cecília Bastos

“É a oportunidade de todos estarem juntos, trocando experiências e relatos e quebrando a rotina do curso de aprendizagem on-line”, explica a professora Marieta Nicolau, da Feusp, coordenadora do programa. Para os mil alunos – aliás, quase todas alunas –, experiência é o que não falta. Algumas estão em sala de aula há poucos anos, outras há mais de trinta. Como Alaíde Clarice de Sousa, do ensino infantil em Catanduva, que leciona desde 1973. “Aqui, nós partilhamos o que está sendo bom e o que não está. É uma forma de crescermos em todos os sentidos”, avalia.

A homogeneidade do grupo aparece nas lacunas de formação. O PEC agrupa professoras que fizeram apenas o magistério. “Quando elas chegam aqui, têm muita dificuldade na redação e na compreensão de texto, mas entram em contato com um ambiente acadêmico que exige o crescimento. No final, muitas monografias nos surpreendem, enquanto outras demonstram que as autoras continuam com

dificuldades”, avalia a professora Marieta.

Financiado pelo governo do Estado, o PEC é uma alternativa que muitas professoras têm para cumprir a obrigatoriedade da habilitação em nível superior estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Gratuito e com duração de dois anos, o programa é cursado por meio de aulas presenciais na própria escola, videoconferências em pólos de informática e as semanas presenciais. “Eu não tenho tempo nem dinheiro para fazer um curso de Pedagogia tradicional, por isso procurei o PEC. Aqui, consigo conciliar melhor a formação com a minha rotina de aulas”, avalia Márcia Seltzer, professora do ensino infantil na zona leste de São Paulo.

Teoria e prática – A oficina Artes na Natureza é o momento mais relaxante da semana. O som é de música clássica e o cheiro de ervas secas domina o ambiente. Nas mesas, cabaças, folhas e tinta feita de ingredientes naturais são os materiais da aula ministrada pela professora Wanet Luna.

“Não existe um fazer significativo da arte sem fundamentação teórica. Aqui elas obtêm essa fundamentação, ampliam seu repertório e trocam experiências”, avalia Wanet. Na aula, mais do que ver como fazer arte a partir de materiais fáceis de encontrar, as alunas-professoras aprendem a usar a arte como forma de conscientização sobre o meio ambiente – um novo olhar sobre a natureza.

A professora de ensino infantil e fundamental Eva Magnane vê a arte como um veículo de ensino de qualquer assunto e para qualquer idade. “Não só a conscientização ecológica, mas a arte também é uma tendência mundial. Além disso, aqui usamos recursos baratos, que não exigem pedido de verbas para a prefeitura, o que facilita nosso trabalho”, explica.

Em sua quarta tentativa de terminar o curso de Pedagogia, ela considera o programa um “pronto-socorro” para professoras cuja formação restringe-se ao magistério. “Até mesmo professoras no final de carreira buscam o programa para crescer profissionalmente e obter um respaldo teórico. O trabalho continua o mesmo, mas o ‘como' muda muito.”

Para mudar o “como” utilizando notícias na sala de aula, as alunas-professoras passam pela oficina Produção de Jornal com Luz Garcia Neira. Mais do que usar as páginas impressas como material de recorte, as professoras aprendem que o jornal pode ser um instrumento de integração da família e da comunidade na escola. “Tentamos mostrar como o jornal pode ser usado para a conscientização das famílias. Por exemplo, ao invés de massacrar os pais falando para levarem seus filhos para vacinar, a professora pode fazer uma matéria no jornal sobre o assunto”, exemplifica Luz.

Alaíde de Sousa, de Catanduva, já pensa em usar o jornal para conscientizar os pais sobre a importância da educação na vida da criança. A aluna-professora acredita que vive um momento próspero de sua profissão. “Os olhos estão voltados para a educação infantil. Finalmente a prefeitura entendeu a importância de aliar o cuidar ao ensinar, e não somos mais tratadas apenas como uma creche”, diz. Foi a Secretaria da Educação da cidade que pagou os custos do curso para um grupo local.

Nele está Fabiana Araújo, professora do ensino infantil há oito anos. Como a maioria das alunas do PEC, Fabiana não tinha formação universitária e, a poucos meses do fim do curso, já percebe a diferença na sua rotina em sala de aula. “Aqui, preenchi uma lacuna, criei um olhar mais crítico, mais observador, e compreendi o cerne de muitas questões para as quais não achava resposta.”

Imaginário – Foi também para preencher uma lacuna em sua formação que Márcia Seltzer buscou o programa. Diferentemente de suas colegas de Catanduva, a professora não tem tantas oportunidades em mãos. “A prefeitura até oferece cursos de extensão e formação, mas há sempre uma vaga para o coordenador pedagógico e uma vaga para professor. Não é suficiente”, critica.

Para a professora Marieta Nicolau, essa é apenas uma das dificuldades da rede pública. Segundo ela, a política ainda influencia muito na educação, e a mudança nas gestões municipais pode representar o fim do projeto nas escolas. “Toda vez que mudam os prefeitos das cidades nas quais atuamos, temos que mandar um relatório explicando o programa e sua importância e pedindo para que ele continue o trabalho. Mas isso não é nosso dever, e sim do prefeito”, considera. Parte do trabalho que a Universidade já realizou no programa, iniciado em 1997, está relatada no livro Uma experiência de formação de professores na USP – PEC: Programa de Educação Continuada (Imprensa Oficial, 172 págs., R$ 20,00), que pode ser encontrado na Feusp.

Na oficina A Criança e o Jogo, Márcia Seltzer busca ferramentas para realizar seu sonho de ser contadora de histórias. Lápis, papel, caixas de fósforo, cantigas e muita criatividade são os elementos essenciais da aula. A grande questão é: como a criança aprende e qual a linguagem mais adequada para o ensinar? A resposta: o brincar, a educação através da ludicidade do mundo e dos objetos ao redor. “O brincar é como a criança conhece o mundo. Para ela, brincar e pensar, brincar e aprender é a mesma coisa”, explica o professor da oficina, Francisco Marques.

Assim, com sete novelos de lã e uma bolsa de guardar moedas, Márcia encantou seus pequenos alunos com a história dos sete carneirinhos e o lobo mau. “Eu trabalhava de forma tradicional, seguia exatamente o que a coordenação falava. Hoje, sou mais livre e consigo enxergar o que as crianças precisam pedagogicamente, além de incluir novos objetos para estimular o imaginário delas”, avalia.

 
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