Existem pelo menos duas maneiras de contribuir para que o planeta Terra se mantenha limpo e saudavelmente habitável. A primeira é voltar à idade da pedra, morar em cavernas, caçar a própria comida ou comer raízes e esquecer que um dia o mundo já se sujeitou ao desenvolvimento, os homens trabalharam com máquinas, inventaram motores e viveram sufocados. A segunda é convencer todas as pessoas e

Foto crédito: Cecília Bastos

todas as nações de que o desenvolvimento pode continuar existindo de modo sustentável, isto é, sem intoxicar o local onde as pessoas moram e trabalham, mas contribuindo para a criação de emprego, o aumento de renda e a melhoria da qualidade de vida, sem esquecer o aperfeiçoamento tecnológico, de tal modo que o progresso não reinicie o ciclo de sufoco do qual o mundo se esforça para sair.

A primeira hipótese, a das cavernas, jamais será adotada porque o homem não abre mão do conforto – a não ser que ocorra um cataclismo universal e algum Noé sobreviva para dar continuidade à espécie humana. A

hipótese do desenvolvimento sustentável não só é possível como está sendo buscada com as bênçãos e a supervisão das Nações Unidas. Os encontros internacionais realizados pela ONU (Rio de Janeiro, Kyoto, Bali) já conseguiram algum consenso em torno de políticas básicas de preservação da natureza, especialmente a diminuição da emissão de gases tóxicos na atmosfera. Mas é verdade que a situação ambiental continua grave e a reação da natureza às ações do homem se faz notar, inclusive no Brasil.

Exemplo: o clima alterado prejudica os agricultores. Quem plantar uma lavoura fora do período estipulado pelo Banco do Brasil corre o risco de perder a colheita e o crédito. Outras previsões dos especialistas a médio e longo prazo não incluem o fim da humanidade, mas com certeza a elevação da temperatura (de 2ºC a 6ºC nos próximos anos), a ocorrência de secas fortes, de chuvas torrenciais, de tempestades e furacões em lugares antes imunes, e o encarecimento do processo de produção de alimentos.

Nesses cálculos é levado em conta certo grau de incerteza (já que cientistas prescindem do tarô) sobre a velocidade e a intensidade das mudanças. O modelo-padrão considera as variações para mais e para menos, mas tudo parece indicar que se aproxima um tempo em que crescerá o número de dias mais quentes e de dias mais frios, com intervalos cada vez menores entre os extremos.

Palestra – Convém agora pôr os bois à frente do carro e esclarecer que essas informações não foram retiradas de livros nem da internet, mas dadas, ou sugeridas, em palestra sobre mudanças climáticas proferida no dia 15 de janeiro pelo engenheiro mecânico Wagner Silva Alves, gerente da Divisão de Questões Globais da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), como parte do Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica da USP. Também é bom acrescentar logo que uma parte importante da palestra de quase duas horas tratou da elaboração de projetos para comercialização de créditos de carbono.

Pois é aí, em meio às preocupações com o aquecimento global, que se encontra uma chance de ganhar dinheiro, de forma tão correta que acaba beneficiando a humanidade. Acontece que o mundo não é globalizado apenas para a política e a economia, mas também o é para efeito de preservação ambiental, pois emitir gases ruins aqui ou na China – ou, pelo contrário, anular o efeito desses gases – é a mesma coisa.

Assim se torna possível a comercialização dos créditos de carbono. Comprá-los significa adquirir o direito de atirar à atmosfera um número correspondente de gases poluentes. Empresas, indústrias, Estados ou quaisquer outras entidades que tiverem implementado, certificado e aprovado projetos que garantam a geração de carbono (por exemplo, plantando milhares de árvores) ou a redução de gases maléficos (como óxido de carbono, metano, óxido nitroso ou exafluoreto de enxofre) podem vender seus créditos.

O negócio costuma ser consumado em leilões, geralmente muito disputados. Observe-se que cada tipo de gás tem potencial diferenciado de emissões de efeito estufa. Como referência usa-se o óxido de carbono, em relação ao qual o metano é 21 vezes mais destrutivo, o óxido nitroso 310 vezes e o exafluoreto de enxofre 24 mil vezes, sem contar que permanece na atmosfera por 3.200 anos.

O Brasil não tem metas prefixadas nos encontros internacionais para diminuir a emissão de gases na atmosfera, mas tem a obrigação de manter preservadas suas florestas e a reserva de carbono onde ela exista. Segundo Silva Alves, até o dia da palestra na Poli Mecânica havia no Brasil 173 projetos de comercialização de créditos de carbono aprovados – no mundo seriam 901, envolvendo no total cem milhões de toneladas de gases.

O engenheiro deu como exemplo de um projeto de comercialização de créditos de carbono a proposta de um aluno seu: uma caldeira que usaria como combustível cavaco de madeira em lugar de óleo diesel. O projeto revelou-se viável em indústria, calculando-se que poderia resultar em economia superior a R$ 1 milhão por ano ou mais de R$ 100 mil por mês (por ser o cavaco mais barato que o óleo e poluir menos), valor que corresponderia a créditos em carbono.

Enganos – No início da palestra, o engenheiro da Cetesb observou que a imprensa nacional costuma divulgar conceitos errados quando se trata de preservação ambiental. Um deles seria considerar como problema o efeito estufa, que é a capacidade de absorção de calor da radiação que, de outra forma, escaparia do planeta. O vapor de água é o principal gás do efeito estufa. A ausência do vapor provoca variação de temperatura, como na prática se pode observar no inverno. Portanto, em escala global o efeito estufa serve para dar inércia térmica ao planeta, é fenômeno natural e característico da atmosfera terrestre, assim como são características naturais a temperatura, a densidade e a composição química do ar.

Silva Alves disse que a vida só é possível porque há efeito estufa. Problema mesmo, insistiu, é o aumento desse efeito num espaço de tempo muito curto. Agravou-se a partir da Revolução Industrial com seu desenvolvimento tecnológico, máquinas térmicas, combustível fóssil, luxo e exigências crescentes de facilidades e bem-estar. Hábitos bem diferentes dos que predominavam na Idade Média, quando as pessoas se contentavam com apenas um conjunto de roupa, ao passo que agora importa variar tecidos, cores e formatos, embora pagando alto por isso.

Outro equívoco que a imprensa estaria cometendo é considerar que um gás poluente e um que causa efeito estufa são a mesma coisa. A diferença fundamental, segundo o conferencista, é que o gás poluente acaba assim que a chuva cai, ao passo que o do efeito estufa permanece na atmosfera em qualquer condição climática e por tempo variável.

 
PROCURAR POR
NESTA EDIÇÃO
O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]