Scharlemann, do Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá, cita alguns autores para mostrar que as ricas florestas tropicais vêm sendo arrasadas para o cultivo da cana-de-açúcar. Mais adiante, Laurance e Scharlemann afirmam que os incentivos do governo norte-americano para o plantio do milho estão puxando para cima os preços da soja no mercado internacional – o que vem acarretando a destruição da Floresta Amazônica e de cerrados do Brasil para o cultivo de soja.
O estudo suíço citado pelos autores avalia que 21 de 26 tipos de biocombustíveis analisados têm o mérito de reduzir em mais de 30% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em relação à gasolina. Porém, quase a metade (12) tem maiores custos ambientais agregados do que os combustíveis fósseis, incluindo o etanol de milho dos Estados Unidos, além do etanol de cana e do diesel de soja do Brasil.
Moreira (abaixo) e Goldemberg: surpresa e contestação
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O estudo chegou a essa conclusão graças a um método conhecido como Eco Indicador Europeu, que reuniu dados ambientais, sociais e econômicos da Suíça. Os autores do artigo fazem ressalvas sobre o método e alertam para os riscos de agregar num único indicador custos ambientais tão discrepantes.
Essa é uma das falhas apontadas também pelo professor José Roberto Moreira, presidente do Conselho Gerenciador do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) – iniciativa do Ministério de Ciência e Tecnologia cuja sede fica no Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP. “É complicado juntar variáveis diferentes. É como somar laranja com banana. Usar um indicador único para mostrar impactos sociais, econômicos e ambientais é discutível, e os que aceitam isso ainda são uma minoria na comunidade acadêmica”, diz o professor.
O estudo utilizou um método europeu com indicadores da Suíça e, portanto, traduz condições que têm significado para países desenvolvidos, mas jamais para países em desenvolvimento, ressalta Moreira. O professor lembra que não há muitos dados regionais na América Latina e Ásia, por exemplo, o que inviabiliza comparações.
“Além disso, não podemos desprezar a avaliação subjetiva do pesquisador ao construir indicadores, mesmo na Suíça. O pesquisador precisa dar pesos aos valores humanos e sociais e deve ponderar, por exemplo, o que é e qual a importância de uma sociedade democratizada, escolarizada, ou qualquer outro dado que ele queira avaliar”, considera.
O professor Moreira mostrou-se surpreso ao constatar que os principais especialistas brasileiros sobre o tema não foram consultados como pareceristas para o artigo da Science , apesar do assunto estar diretamente ligado ao País. “Os autores, assim como grande parte do mundo, ignoram tudo o que pode ser feito a partir da cana”, diz.
Mar verde – O milho compete com a soja e de fato está provocando um aumento de preços nos mercados internacionais, diz o ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e professor do IEE José Goldemberg. “Mas não é o caso do etanol brasileiro, pois a cana-de-açúcar usa apenas 5% da área dedicada à agricultura, e existem grandes áreas de pastagens onde ela pode se expandir deixando intacta a Amazônia”, afirma.
Um estudo finalizado recentemente pelo professor José Roberto Moreira sobre a produção de milho demonstra que os números da produção média global estão dentro da normalidade. O levantamento reúne dados desde 1961 e mostra que em determinados anos a variação da produção mundial chegou a ser de 15%. Em média, a variação anual fica em torno de 5%.
Os dados históricos levam à conclusão de que o programa de incentivo norte-americano à cultura do milho está produzindo um impacto que é da ordem da variação média anual – uma vez que esse número continua variando em torno de 5% ao ano. “Os Estados Unidos deslocaram para combustível o equivalente a 5% da produção mundial de milho. Ou seja, do total produzido no mundo para alimento, 5% estão sendo utilizados pelos EUA para combustível. Isso é uma normalidade técnica dentro da produção média mundial”, afirma o professor.
Para
pesquisadores
suíços,
etanol de
cana do
Brasil tem
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Segundo Moreira, a história e a experiência mostram que os aumentos da produção agrícola no mundo se dão muito mais pelo crescimento da produtividade (taxa entre 2% e 2,5% ao ano) do que por causa do incremento de terra (o que ocorre atualmente a uma taxa de 0,5% ao ano). De acordo com José Goldemberg, muitos cientistas afirmam que os biocombustíveis não são realmente “verdes”. “Porém, se esquecem de calcular os impactos e as condições de trabalho nas operações nos campos de extração de petróleo e gás natural e em minas de carvão”, aponta.
Emissões – José Roberto Moreira ressalta que os autores do artigo da Science mostram que as melhores soluções para a energia no mundo nunca foram implementadas. “Não consideram que se não foram feitas é porque não são factíveis ou porque custam muito caro. Para eles, todas as soluções são ruins. Isso é supor que toda a sociedade é estúpida”, diz.
Para Goldemberg, “os biocombustíveis são, até o momento, a única alternativa aos derivados de petróleo disponível comercialmente”. O professor ressalta que, de fato, “a produção de biocombustíveis pode causar impactos”. “Porém, cabe às autoridades garantir o cumprimento de legislações ambiental e trabalhista adequadas, como é o caso da queima da palha da cana antes da colheita, que no Estado de São Paulo está sendo eliminada graças a uma legislação que obriga à colheita mecanizada da cana crua”, diz.
O artigo da Science menciona ainda as emissões de GEE nas culturas voltadas a biocombustíveis e cita o óxido nitroso como um gás traço (gases em pequenas quantidades na atmosfera) liberado por solos onde há culturas que precisam de fertilizantes à base de nitrogênio, como milho e canola. Porém, é fato conhecido que a agricultura e também a pecuária contribuem para o efeito estufa. Considerados apenas o metano, o óxido nitroso e o gás carbônico, o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) de 1996 estima que 20% do incremento anual do aquecimento global deriva do setor agrícola.
“A quantidade das emissões de óxido nitroso pelas culturas de biocombustíveis é insignificante para o efeito estufa”, afirma o professor Moreira. Já Goldemberg lembra que os biocombustíveis não têm impurezas de enxofre e particulados presentes no petróleo, os quais são responsáveis pela má qualidade do ar nas metrópoles.
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