Ir a uma exposição sozinho e ir acompanhado do artista são duas experiências completamente diferentes. O autor é capaz de ressaltar detalhes que nos escapam aos olhos e faz reviver sua obra tal qual no momento da concepção. Boris Kossoy, professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e um dos

Foto crédito: Boris Kossoy

grandes pesquisadores da história da fotografia nacional, está distante da imagem do Chevalier de l'Ordre des Arts et des Lettres, título que recebeu do governo francês em 1984. É uma pessoa acessível que, por conta da idade, sofre de dores na coluna. Ao longo de sua carreira, Kossoy publicou inúmeros livros, como Hercules Florence, 1833 – A descoberta isolada da fotografia no Brasil, O olhar europeu – O negro na iconografia brasileira do século XIX, Dicionário histórico-fotográfico brasileiro, Fotógrafos e ofício da fotografia

A arte de Kossoy: mensagens embutidas nas imagens

no Brasil (1833-1910) e a recém-concluída trilogia Fotografia e história, Realidades e ficções na trama fotográfica e Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Foi em companhia desse estudioso que a reportagem do Jornal da USP visitou a mostra fotográfica “Boris Kossoy: O Caleidoscópio e a Câmara”, em cartaz na Pinacoteca do Estado, que apresenta cerca de cem imagens feitas pelo artista ao longo de sua carreira.

Logo na entrada da exposição, o espectador se depara com o olhar fixo de um arlequim, figura onírica presente na foto Surpresa na estrada , de 1971, da série Viagens ao Fantástico, um dos trabalhos pioneiros de Kossoy, com forte influência do realismo mágico e da literatura de Edgar Allan Poe (1809-1849). Conforme o próprio artista define, são imagens “encenadas”, “vibrantes” e “teatrais”. O arlequim é “o começo do caminho”, que se divide nas séries Viagens ao Fantástico e Cartões Anti-Postais, explica. Mas essas fotografias já são amplamente conhecidas. O grande trunfo da mostra consiste nas imagens inéditas produzidas pelo fotógrafo, com tendências documentais e fotojornalísticas.

Cenas do Brasil – Kossoy se move com desenvoltura pela Pinacoteca. Fala sobre a foto do disco voador que sobrevoa a grama nos Campos Elíseos, bairro de São Paulo; da constância dos manequins em suas imagens, “figuras que se humanizam” quando nos dirigem o olhar, representações que convivem com o mundo real e se tornam parte dele; e do sr. Américo, um personagem sorridente presente em vários trabalhos. Esse “senhor” – na verdade, um manequim italiano que serve como provador de chapéus –, “uma figura estranha com um sorriso cínico em cenas carregadas de emoção”, é, segundo o próprio Kossoy, seu alter-ego.

Também foram selecionadas para a exposição fotos como Brasília , de 1972, retratando uma justiça cega e ameaçadora, com uma arma deitada ao colo; a imagem de uma moça baiana que olha diretamente para o espectador ao lado de um marinheiro magro, com bigode e cinto de cobra, “cenas típicas do Brasil”; o maestro que rege fileiras de túmulos; e fotografias de Nova York, que relembram tomadas de filmes dos anos 50 e 60. Podem-se ver hidrantes curvando-se perante aplausos, o mato-capoeira, comum no interior do Estado, tomando grandes proporções. E, uma vez mais, o sr. Américo em A agonia de sr. Frank , o qual se encontra de costas para o espectador, numa cadeira de rodas. “Esse é um diálogo que ninguém vai saber exatamente como se passou”, diz o professor. “Eu sei. Uma história horrível.”

“Por formação” – diz Kossoy – “deixo algumas mensagens embutidas nas imagens.” Sua produção é contida e econômica. Herança da arquitetura, em que se formou na década de 60, suas fotos são compostas com perfeição: uma série de elementos é organizada de modo a contar uma história. Imagina que quase ninguém se interessa pelo “pano de fundo sociopolítico da época”, mas afirma que as imagens têm “vida própria”, fogem ao controle do tempo. “Há alguma coisa que cala na pessoa, como a música.” Ele conta que sempre existem signos nas fotos, “pequenas descobertas para os espectadores irem fazendo”. O professor explica que, quando você está imaginando, imagina a si mesmo, e é dessa forma que as fotografias dão o seu recado.

O título da exposição, “O Caleidoscópio e a Câmara”, remete ao nosso imaginário, o filtro que permeia a leitura do mundo e das imagens. O texto de abertura, escrito pelo próprio professor, explica que o primeiro termo é “nosso próprio ser, nosso cérebro e coração, nosso conhecimento, formação e experiência, nossa mentalidade e sensibilidade”. Já a câmara, “apesar de toda a sua sofisticação”, continua a ser a mesma “câmara obscura do passado”. Mais adiante, escreve que “todo registro fotográfico é obtido a partir de um processo de criação: processo de construção da representação. Em toda imagem visual, técnica, há sempre uma elaboração – segundo as imagens do caleidoscópio que lhe dá identidade”.

Toda essa teoria, sintetizada em suas fotos, encontra-se trabalhada nos livros publicados por Kossoy durante sua extensa carreira como pesquisador. Sua própria história de vida, dividida entre o trabalho intelectual e artístico, fez com que – à semelhança do Fausto, de Goethe, que disse “Duas almas, ai, moram no meu peito!” – se separassem o professor Boris do fotógrafo Kossoy. Hoje, satisfeito com sua obra, ele brinca: são apenas “simplificações por razões metodológicas”.

A exposição coroa seus 40 anos de carreira. Com auxílio de Diógenes Moura, responsável pela curadoria da mostra, Kossoy conseguiu reunir aquilo que considera ser um resumo de sua obra. “Estou pagando uma dívida comigo mesmo e com os meus leitores, que pouco conhecem o Boris fotógrafo”, diz. Para quem não conhece o trabalho de Kossoy – em suas palavras, os que “têm menos de 40” –, não é preciso mais que sensibilidade para apreciar a exibição. “Fotografias não têm que ter uma explicação matemática”, explica. Elas estão repletas de ambigüidades, de jogos entre aparente e imanente. “O que passa na cabeça de cada um é o que você é.” O mais importante, segundo ele, é fazer todas essas “viagens” que as imagens inspiram: “Se você começar a buscar, a ir atrás dessas chaves, você começa a encontrar o fio condutor”.

A exposição “Boris Kossoy: O Caleidoscópio e a Câmara” fica em cartaz até 30 de março, de terça a domingo, das 10h às 18h, na Pinacoteca do Estado (Praça da Luz, 2). Os ingressos custam R$ 4,00, exceto aos sábados, quando a entrada é franca. Mais informações pelo telefone (11) 3324-1000.

 
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