O professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP Alberto do Amaral Júnior disse que o Brasil precisa jogar todo o peso de sua experiência em mediação de conflitos de fronteira para aproximar as partes em conflito, no caso da crise iniciada com a incursão de forças colombianas em território equatoriano para caçar guerrilheiros

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das Forças Revolucionárias Colombianas (Farc). Ao mesmo tempo, segundo Amaral Júnior, o presidente Lula precisa afastar Hugo Chávez do primeiro plano das negociações, pois o presidente da Venezuela é um fator de desestabilização nesse quadro político quando ameaça recorrer à força das armas contra a Colômbia.

Outro professor de Direito Internacional da USP, José Cretella Neto, considera que o conflito Colômbia-Equador caracteriza incidente diplomático e somente por essa via deve ser resolvido. No entanto, se os

presidentes Hugo Chávez, Álvaro Uribe (Colômbia) e Rafael Correa (Equador) quiserem levar o caso à justiça internacional, tribunais para isso existem ou podem ser criados ad hoc. No entanto, é bom lembrar que o Tribunal Penal Internacional funciona há cinco anos e até agora não julgou ninguém. De acordo com Cretella Neto, na América Latina, “além de uma guerrilha criminosa, as Farc, há certas escaramuças de fronteira e ameaças que só servem para desviar o foco dos imensos problemas internos desses países”.

Sobre as Farc, Amaral Júnior observa que esse movimento autodenominado marxista existe há 40 anos e já não se limita ao território colombiano, mas tenta extrapolar para o continente sul-americano. Tudo indica que tem presença no Equador e na Venezuela, onde é visto com simpatia por Hugo Chávez. Aparentemente, o governo do Equador sabia da presença dos guerrilheiros em seu território e nada fez para expulsá-los – embora isso deva ainda ser comprovado. Se foi assim, o conflito que agita a América Latina teve na origem duas formas de intervenção de um estado em outro, contrariando o princípio da não-intervenção estabelecido na Carta da ONU: a Colômbia o teria violado ao buscar guerrilheiros no Equador e este, ao esconder inimigos do estado colombiano.

Segundo Amaral Júnior, a crise na América Latina é acompanhada com apreensão pela União Européia, especialmente pela França, cujo presidente, Nicolas Sarkozy, se dispôs a ir à selva para receber pessoalmente reféns da guerrilha. A posição dos Estados Unidos, de apoio à Colômbia, é suficientemente conhecida, pois Bush e Chávez não se bicam.

 

Os tribunais mundiais

Ensina o professor de Direito Internacional da USP, José Cretella Neto, que existem vários tribunais internacionais funcionando no mundo. Todos são especializados, e a especialização se dá em função de quatro critérios: ratione personae (ou seja, só julgam determinados tipos de pessoas, físicas ou jurídicas), ratione materiae (exclusivamente para determinadas questões), ratione loci (eventos ocorridos em determinados lugares) e ratione temporis (em determinada época ou período). Alguns combinam mais de um critério.

Cretella Neto explica como são e como funcionam alguns desses tribunais.

A Corte Permanente de Arbitragem (CPA) foi criada em 1899 pela 1ª Conferência da Paz de Haia. Não é um tribunal permanente, mas secretaria que funciona como tribunal de arbitragem ad hoc, originalmente concebida para resolver litígios entre estados, mas que, desde a década de 1960, pode julgar litígios entre estados e particulares. É pouco utilizada e perdeu prestígio, principalmente após a segunda guerra mundial. Funciona em Haia, na Holanda.

A atual Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da ONU, foi criada em 1946 em substituição à antiga Corte Permanente de Justiça Internacional (esta criada em 1920, por força do Tratado de Versalhes, de 1919). Também funciona em Haia e julga somente controvérsias entre estados.

A Organização Mundial do Comércio (OMC), que funciona desde janeiro de 1995, substituindo o anterior sistema do GATT, só julga controvérsias comerciais entre estados e determinados territórios aduaneiros (a Comunidade Européia, por exemplo). Tem sede em Genebra.

O Tribunal de Reclamações Irano-Americano, criado pelos acordos de Argel, somente julga questões entre americanos e iranianos decorrentes dos incidentes ocorridos entre o Irã e os Estados Unidos desde 1980. Funciona em Haia e deve ser desativado quando acabarem os casos. Já julgou mais de 4 mil.

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPI-ex-I), criado pela Resolução 827, de 25 de maio de 1993, do Conselho de Segurança da ONU, é competente para julgar crimes cometidos no território da ex-Iugoslávia (“sérias violações do Direito Internacional Humanitário”) desde 1991 (Artigo 1º do Estatuto do TPI-ex-I). Funciona em Haia. Esse é o tribunal que julgou o ex-ditador Slobodan Milosevic e outros e será extinto quando todos os acusados forem julgados ou morrerem, pois é tribunal ad hoc

O Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPR), criado pela Resolução 955, de 8 de novembro de 1994, do Conselho de Segurança da ONU, é competente para julgar pessoas responsáveis por graves violações ao direito internacional humanitário cometidas no território de Ruanda, bem como os cidadãos ruandeses responsáveis por essas violações cometidas no território de Estados vizinhos. Funciona em Arusha, Tanzânia, e será extinto quando todos os acusados forem julgados ou morrerem. 

O Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma, em 2002, tem caráter permanente, funciona em Haia e 105 estados são parte nesse tratado. O Tratado de Roma entrou em vigor em 2002 e o TPI passou a funcionar em 2003. Funciona com base no princípio da complementaridade, isto é, atua quando um Estado não pode ou não quer julgar um indivíduo que tenha cometido os crimes tipificados no Estatuto (genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade). Pelo Artigo 1, o TPI terá caráter complementar às jurisdições penais nacionais. Isso significa que só poderá julgar indivíduos se os estados de nacionalidade ou onde se refugiaram não quiserem ou não puderem fazê-lo. Passa-se precisamente isso com o caso do Sudão, no qual os governantes são acusados de vários crimes graves cometidos em Darfur. Aquele estado não entrega esses indivíduos para o TPI nem os julga, pois se trata de seus governantes.

Afirma Cretella Neto que ocorreria o mesmo com Fidel Castro ou Hugo Chávez, pois Cuba e Venezuela não pretendem julgar seus próprios governantes. “Ou alguém acredita nisso?”

Segundo o Artigo 5 do Estatuto, a jurisdição do tribunal se limitará aos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional em seu conjunto, os de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão.

Observe-se que o Tribunal Penal Internacional funciona há cinco anos (desde 2003), mas até agora não julgou um único caso. Há várias acusações contra diversos indivíduos (a maioria ex-governantes de países ditatoriais), e o site do TPI fornece detalhadas informações. O professor entende que a criação do TPI atende às mais elevadas aspirações da sociedade internacional, no sentido de ver criminosos internacionais serem julgados por crimes graves, mas, lamentavelmente, a eficácia do processo é praticamente nula.

Há ainda o Tribunal Internacional para o Direito do Mar, independente, criado pela Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (ou Convenção de Montego Bay), de 10 de dezembro de 1994, cuja finalidade é interpretar e aplicar o que foi estabelecido naquela convenção. Também julga litígios somente entre estados. Conta com 155 estados-membros e funciona em Hamburgo, Alemanha, desde 1996.

 
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