Todo dia ela faz tudo sempre igual. Esse “tudo” lembrado na canção de Chico Buarque é o que o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no Ibirapuera, homenageia. O cotidiano da mulher na arte e na vida está sendo apresentado pelas artistas Bruna Truffa, Lacy Duarte, Ana Miguel e Paola Parcerisa. Através de 35 obras, entre

Foto créditos: Cecília Bastos e divulgação

pinturas, objetos, fotografias, instalação e obras em tecido, o público tem um panorama da importância da presença feminina na arte contemporânea latino-americana.

O dia-a-dia sempre igual é apresentado por Bruna Truffa numa instalação composta por 32 telas, numa extensão de 15 metros de comprimento e 1 metro de altura, que simula o horizonte. São imagens em óleo sobre tela que mostram os afazeres da mulher nos dias da semana. “Essa série é denominada Território Doméstico, as obras remetem a um calendário ou a uma peregrinação em que os dias se repetem, sem alívio para a mulher retratada”, explica a artista.

A história da moça de avental branco que figura como um autômato de corda que lava, passa, cozinha e cuida dos filhos e do marido não é muito diferente da história de Bruna. “É assim mesmo. Hoje a mulher ocupa todos

Lacy, Ana Miguel, Paola e Bruna (da esquerda para a direita, de cima para baixo): olhar feminino nas artes

os espaços, além de dar conta do seu território doméstico.”

Bruna Truffa nasceu em Arica, no Chile, em 1963. Licenciada pelo Instituto de Arte Contemporânea de Santiago e pela Universidade Autônoma de Madri, vem peregrinando pela arte desde 1980. Uma trajetória que concilia com os filhos Dante, de 4 anos, e Julieta, de 6. “Como nas outras áreas, a mulher enfrenta preconceitos. Veja só o título desta mostra: mulheres artistas. Ninguém diz homens artistas, eles são simplesmente artistas. No entanto, a nossa presença na arte contemporânea está sendo cada vez maior e sempre inovadora.”

Entre perfumes – Quando o visitante percorrer os espaços, identificará um cheiro conhecido no ar. Talvez seja o perfume de rosas, jasmins, de uma água de colônia ou creme que a mãe, irmã ou a avó costuma usar. É o aroma da pele das mulheres que Paola Parcerisa resgata numa instalação com 2.500 potes de produtos cosméticos.

Durante uma semana, Paola trabalhou dia e noite. E foi construindo tijolos de gesso onde embutiu os potes que os amigos e conhecidos de toda a América Latina foram juntando. “Fiz uma campanha para conseguir esses potes. Através do perfume da pele da mulher, procuro resgatar a sua história.”

Paola construiu um corredor. Enquanto o visitante caminha, ele se lembrará da mulher com as emoções à flor da pele. “Há cosméticos de diversos países e de diversas épocas. São as marcas da beleza. Mas, além da vaidade feminina, quero provocar uma reflexão sobre a mulher em busca da sua própria identidade. É um questionamento que está muito presente na arte contemporânea.”

Foto crédito: Cecília Bastos
A arte exposta no MAC: reflexão sobre a atuação das mulheres artistas na contemporaneidade

Paola nasceu em Assunción, no Paraguai, mas vive em Santiago do Chile. Tem dois filhos: Constança, de 13 anos, e Enzo, de 11. Estudou Artes Visuais na Universidade Nacional de Assunción e pós-graduação na Universidade do Chile. “Antes de ser artista, cursei faculdades de informática e publicidade. Mas não me encontrava até o momento em que me autorizei a seguir o caminho da arte. Isso foi há 11 anos, e no meu trabalho tenho discutido a condição da mulher latino-americana.” No ano passado, Paola foi a representante do Paraguai na 52ª Bienal de Veneza. E, no Brasil, participou de exposições no Memorial da América Latina.

O questionamento da identidade da mulher também está na obra de Ana Miguel. Uma torre em estrutura metálica recoberta por uma espécie de malha de lã. No alto, um monitor apresenta a imagem de uma boca que narra um texto em francês de Samuel Beckett. São reflexões sobre a mulher no mundo. A narrativa está sob o ritmo de um aparato mecânico instalado no piso que se move ao redor da torre.

Ana Miguel nasceu no Rio de Janeiro em 1962. Além de sua formação na Oficina de Gravura de Ingá, da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, estudou Antropologia e Filosofia na Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal de Brasília. Especializou-se em Barcelona. Suas obras estão nas coleções Gilberto Chateaubriand e Cândido Mendes, em acervos do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e de Salvador.

A uruguaia Lacy Duarte traz aspectos curiosos do trabalho da mulher camponesa. Apresenta uma instalação com papéis, costuras e aquarelas. Parte dessa série representou o Uruguai, em 2005, na 51ª Bienal de Veneza.

Olhar feminino – O elo entre trabalhos diferentes sob o mesmo olhar tem a sensibilidade de outras duas mulheres que também transformam a vida em arte e a arte em vida. São as curadoras Lisbeth Rebollo Gonçalves, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e diretora do MAC, e Cláudia Fazzolari, pós-doutoranda na USP e crítica de arte. “A proposta é a reflexão sobre o entorno cultural, no qual a arte latino-americana está materializada por essas quatro artistas”, orienta Cláudia. “O espectador tem condições de verificar as circunstâncias e os desdobramentos de vivências particulares das artistas em distintas percepções.”

“Mulheres Artistas – Relatos culturais” homenageou na sua abertura a curadora e crítica de arte Radha Abramo, pela sua trajetória e atuação profissional. A exposição segue com vários eventos paralelos, como conferências e ações educativas. “Nós pretendemos promover o debate sobre arte contemporânea e ampliar o contato do público com poéticas visuais de mulheres artistas, para a construção de um legítimo espaço destinado às suas manifestações”, observa Lisbeth.

A mostra integra o programa Mulheres Artistas e Contemporaneidade, que, no ano passado, apresentou os trabalhos de Beth Moisés, Elida Tessler, Karin Lanbrecht e Rosana Paulino. Na ocasião, a personalidade homenageada foi Tomie Ohtake.

Cláudia lembra que a investigação sobre a produção de mulheres artistas está associada ao projeto de ações do MAC e tem, entre seus compromissos, a vocação para o constante diálogo com a sociedade. “A realização desse projeto, que pretende continuar até 2010, potencializará e dará visibilidade ao viés curatorial de uma reflexão acadêmica que expande o debate sobre a atuação das mulheres artistas na contemporaneidade.”

“Mulheres Artistas – Relatos culturais” fica em cartaz até 25 de maio no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no pavilhão Ciccillo Matarazzo, 3º piso (Prédio da Bienal), no Parque do Ibirapuera, de terça-feira a domingo, das 10 às 19 horas. Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 5573-9932.

 

O MAC em Salvador

O Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP marca presença no Palacete das Artes Rodin, em Salvador. Pela primeira vez, o público baiano pode apreciar um acervo tão importante de arte contemporânea. São 81 obras de 69 artistas consagrados em diferentes suportes: pintura, escultura, gravura e fotografia. A mostra fica em cartaz até o dia 30 de março.

Na exposição, a curadora Lisbeth Rebollo Gonçalves traça o percurso da arte brasileira no século 20, partindo da eclosão do Modernismo, nos anos de 1920 e seus desdobramentos, seguindo pelo Abstracionismo e a Nova Figuração até o início dos anos 1970, com a arte contemporânea.

A mostra é a primeira da série do processo de seleção do Edital Arte & Patrimônio 2007, promovido pelo Ministério da Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio do Paço Imperial, e que tem o patrocínio da Petrobras (ver www.artepatrimonio.org.br).

A mostra foi dividida em quatro núcleos. O primeiro deles, Modernismo e seus Desdobramentos, reúne obras significativas dos artistas construtores do Modernismo brasileiro: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Brecheret, Antonio Gomide, Vicente do Rego Monteiro, Ismael Nery, Lasar Segall, Mário Cravo Jr. e Flávio de Carvalho.

No núcleo Tendências Abstratas, encontram-se artistas que marcaram sua trajetória no espaço da abstração: Alfredo Volpi, Antonio Bandeira, Sheila Branningan, Iberê Camargo, Milton Dacosta, Mario Cravo Jr., Danilo Di Prete, Arnaldo Ferrari, Samson Flexor, Tikashi Fukushima, Ianelli, Tomoshige Kusuno, Manabu Mabe, Felícia Lerner, Franz Krajcberg e outros.

Os outros dois módulos, Impactos da Nova Figuração e Caminhos da Arte Contemporânea, apresentam obras que, ao longo dos anos 1960, promoveram novas transformações nas artes, causando impactos no circuito artístico, como Antônio Dias, Cláudio Tozzi, Iberê Camargo, Rubens Gerchman, Carmela Gross, Cildo Meireles e Wesley Duke Lee.

 
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