Um estudo desenvolvido em parceria pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP está possibilitando a pesquisadores desvendar aspectos da vida de antigas sociedades do norte do Pará. As chamadas sociedades marajoaras existiram entre os anos 400 e 1.400 depois de

Cristo e a maioria das informações que se tem sobre elas foi obtida em pesquisas arqueológicas sobre sua cerâmica.

A técnica aplicada na pesquisa, chamada de análise por ativação neutrônica, traz uma nova forma de analisar essas peças de cerâmica: determina a composição química dos artefatos para a partir daí entender aspectos da vida social desses povos. “É um meio técnico que complementa a análise arqueológica convencional e acrescenta elementos para serem estudados”, afirma o pesquisador e professor do Ipen Casimiro Munita. O projeto é financiado pela Fapesp e pela Agência Internacional de Energia Atômica.

Munita explica como funciona o processo: “Fazemos uma pequena incisão na peça cerâmica. Recolhemos cerca de 100 miligramas (mg) de pó para análise. Então

Cerâmica marajoara: análise das peças através de técnica do Ipen pode informar até mesmo o grau de avanço tecnológico da extinta sociedade que viveu no norte brasileiro

utilizamos o reator nuclear para bombardear esse pó com nêutrons. Isso faz com que os elementos radioativos emitam radiação gama. Então, a partir da análise do espectro dessa radiação podemos determinar a composição físico-química e saber se se trata de uma cerâmica marajoara original ou uma falsificação”, explica o pesquisador.

Tecnologia – Além da originalidade, outras conclusões podem ser obtidas a partir da composição físico-química. De acordo com Munita, o cruzamento com bancos de dados permite saber em que região da ilha o artefato foi produzido e até mesmo a quantos graus foi queimado. Também é possível medir o grau de aperfeiçoamento tecnológico da população marajoara comparando a homogeneidade das peças encontradas em dada região da ilha. “Quanto mais homogênea é a produção em uma certa região da ilha, podemos dizer que sua tecnologia é mais avançada.”

Conjugando-se a técnica com o trabalho dos arqueólogos na região, Munita diz ser possível identificar inclusive os deslocamentos populacionais e a organização social no interior desses povos. “Quanto maior a profundidade em que a cerâmica é encontrada, mais antiga ela deve ser. Logo, se em uma região ela é encontrada em grandes profundidades e em áreas próximas está mais superficial, podemos presumir em que direção essa população se deslocou. Esses dados podem também ser confirmados pela datação das peças”, afirma. “Já a organização social, nós a estudamos com base em objetos que marcam uma certa hierarquia, como os objetos funerários.”

De acordo com o pesquisador, o estudo confirma que os marajoaras alcançaram um surpreendente avanço tecnológico considerando-se o período em que viveram e as condições precárias de subsistência que a ilha oferecia à época. “Em 1974, um estudo da Organização dos Estados Americanos (OEA) revelou que o solo daquela região é um dos piores na América do Sul para a agricultura. Por isso é surpreendente que tenham se desenvolvido tanto. E isso justifica o interesse legítimo em buscar mais informações sobre esses povos”, diz o pesquisador.

Para Munita, o trabalho em conjunto com os professores Eduardo Neves e Cristina Demartini (ambos do MAE), demonstra as vantagens de trabalhar com pesquisadores de diversas áreas. “É importante que as ciências exatas também tenham ferramentas importantes para a solução de questões arqueológicas”, ressalta o pesquisador.

Desde 2007,  Munita ministra no MAE a disciplina de pós-graduação Introdução à Arqueometria. “O objetivo é mostrar essas ferramentas para os pesquisadores que trabalham em arqueologia e, assim, intensificar a colaboração entre as diferentes áreas do conhecimento”, finaliza.

 
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