Os precários resultados sistematicamente divulgados acerca do desempenho dos alunos da escola básica  brasileira evidenciam uma situação de tal gravidade que exige de todos os agentes e instâncias responsáveis pela educação um exame rigoroso de suas causas, de modo a identificar o que deve ser resolvido em nível das macro-políticas e o que pode

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ser tratado em cada espaço de governabilidade.  Para esse exame, a análise radical e a crítica consistente são instrumentos  indispensáveis para a busca de um diagnóstico preciso.

É, pois, com constrangimento e inquietação que recebemos as declarações da secretária de Estado da Educação de São Paulo, professora Maria Helena Guimarães de Castro  (revista Veja, de 13 de fevereiro de 2008, e jornal Folha de S. Paulo, de 25 de fevereiro de  2008), propondo de forma

leviana o fechamento de todos os cursos de formação de professores/pedagogia, especificando os das Faculdades de Educação da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp). Afirmar medida tão radical com tão poucos elementos produz um desserviço só comparável com uma política de terra arrasada, incompreensível e inadmissível no atual momento brasileiro.

Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores hoje enfrentam no ensino dos alunos das escolas de educação básica é de uma ligeireza inaceitável por parte de uma secretária de estado, que deveria minimamente considerar o cenário socioeconômico e cultural brasileiro/paulista e as mudanças ocorridas na contemporaneidade, assim como as especificidades presentes em organizações complexas como são os nossos sistemas de ensino. Mesmo a um leitor desavisado, salta aos olhos a desproporção entre os problemas enfrentados pelo ensino e as causas supostas pela secretária. 

É preciso lembrar que os governos (federal, estaduais e municipais), apesar de respeitáveis esforços localizados, não têm possibilitado uma transformação radical que a realidade demanda, o que é claramente identificado pela baixa proporção da educação no Produto Interno Bruto (PIB). De maneira oposta, a concentração de mais aportes  financeiros, mesmo por tempo determinado, foi o caminho trilhado por muitos  países que mudaram a qualidade de sua educação.

Em segundo lugar, e a despeito do não-crescimento da educação no PIB,  ocorreu nesses últimos anos um movimento positivo de aumento do acesso e tempo de permanência de grande parte das crianças na escola. Esse fenômeno trouxe como conseqüência uma mudança benfazeja no perfil médio do aluno da escola pública, incorporando praticamente todo o leque de diferenciação da população brasileira. Tal diferenciação, todavia, apresentou-se para uma grande parte dos professores como uma dificuldade a mais no ensino, como também ocorreu em países com um sistema público consolidado, como a França e a Inglaterra, com a entrada dos imigrantes.

Terceiro, e paralelamente à mudança no perfil médio do alunado, as mudanças da contemporaneidade trouxeram novas demandas para o ensino, uma vez que não é trivial articular em cada escola as transformações globais com aquelas que se traduzem em âmbitos singulares.  Essas mudanças de ordem socioeconômica e cultural são suficientes para indicar que na profissionalização docente, como em qualquer outra, o diploma não é suficiente para assegurar  a adequada inserção de um profissional no trabalho. Mais propriamente fala-se em trajetória de formação, articulando-se a formação inicial e a continuada. O próprio modelo de formação continuada precisa ser repensado, pois o geralmente adotado, sob responsabilidade inclusive da Secretaria da Educação, não tem tomado a escola real e os problemas concretos do ensino como referências centrais.

Não considerando essas questões, assusta a forma como uma secretária de estado desagrega espaços, instituições e pessoas e se coloca numa posição bélica contra todos os cursos de pedagogia e, imaginamos, contra todas as licenciaturas, dado que os problemas ocorrem em toda a educação básica. O que é mais constrangedor, a secretária se refere especificamente a duas universidades brasileiras reconhecidas entre as melhores em nível internacional. Ao nivelar  todas as instituições formadoras, colabora, ainda, para elevar muitas entidades que de fato não merecem o adjetivo de formadoras.

No caso da Faculdade de Educação da USP, a contribuição que tem prestado à educação paulista pode ser comprovada pelo volume e pela qualidade da pesquisa que realiza, pelas produções qualificadas (783 no último triênio), em grande parte publicadas em periódicos internacionais; pela qualidade dos profissionais que forma, reconhecidamente competentes, críticos, muitos deles assumindo posições de liderança em diferentes instituições; e pelos cursos de formação continuada que oferece a professores da educação básica, sempre concorridos.

Supor que um curso de formação profissional em nível superior, como sugere a secretária, deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário e fatal para o enfrentamento competente da problemática educacional brasileira atual e futura. O trabalho numa realidade complexa está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalização, seja na formação inicial, seja na continuada. A prática, no curso de pedagogia, é principalmente viabilizada pelos estágios, que na Faculdade de Educação da USP correspondem a 20% do currículo.

Tendo como missão formar pedagogos e professores competentes, críticos e socialmente responsáveis visando à melhoria da escolarização das nossas crianças e jovens, os profissionais da Faculdade de Educação da USP se propõem à interlocução sistemática e crítica com os diferentes atores que conduzem a  educação brasileira.

Sonia Penin é diretora da Faculdade de Educação da USP

 

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