A verdade não é o tempo que passa. A verdade é o instante. Quem vê a mostra “Instalação: Linhagens Poéticas”, no espaço anexo do MAC USP, na Cidade Universitária, há de se lembrar dessa frase do cronista Rubem Braga. Como acontece há 19 anos, as exposições organizadas pelos alunos dos ateliês do professor Sylvio

Foto crédito: Cecília Bastos

Coutinho surpreendem pela estética, forma, luz, criatividade e, especialmente, pela inquietação. Uma inquietação de quem alia a experiência de uma vida à sabedoria da arte.

Os artistas, a maioria entre 60 e 85 anos, integram o programa Lazer com Arte para a Terceira Idade, um dos pioneiros no país. Também há a participação dos alunos do ateliê Poéticas Visuais em Interação (que exige experiência prévia em artes, independente de faixa etária, reunindo artistas, arte-terapeutas, estudantes e

interessados em geral).

Quem estiver pela Cidade Universitária – estudantes, professores, funcionários – encontra nessa exposição uma pausa para refletir sobre o país e sobre a beleza do instante da arte. Na verdade, a mostra, apesar da singeleza, é uma das mais curiosas de São Paulo. Interessante ver como esses “jovens” artistas da terceira idade equacionaram as suas obras, que tiveram como referência Carmela Gross, Amélia Toledo, Waltércio Caldas, Hélio Oiticica, Nelson Leiner, Cildo Meireiles, Tunga, Regina Teixeira, Vik Muniz e Jesus Rafael Soto, entre outros.

Porém, foram só uma referência. No espaço, as obras refletem o pensamento, a disciplina e o talento de artistas autônomos. Dialogam entre si e, ao mesmo tempo, debatem a realidade das crianças abandonadas nas ruas, dos trabalhadores, do alto índice de desemprego e do desgoverno no Congresso. Um debate que também conta com a participação do público. A instalação Xeque-mate social – representada por um tabuleiro de xadrez verde-amarelo – lembra: “Você faz parte”. E pergunta: “O que você pode fazer por uma nação melhor?”. Os visitantes anotam as suas opiniões no papel e as depositam em uma espécie de ovo, que fica no canto do tabuleiro. No término da exposição, essas opiniões serão enviadas para o Jornal da USP. “Nós estamos esperando que as pessoas se mobilizem”, observa Dirce Mattoso Guimarães, de 83 anos. “A nossa proposta é despertar e incitar a consciência social.” Essa obra também é assinada por Emília Mustrangi, Maria Aparecida Simões, Bela Camarinha Neves e Marcia Cárdenas Viveiros.


Crianças e adolescentes visitam a exposição de obras de artistas da terceira idade, no MAC: ocasião para refletir sobre o país e sobre a beleza do instante da arte

Consciência Social – No dia 25 de março, terça-feira, crianças e adolescentes da ONG Associação Cristã de Jovens e Moços visitaram a mostra. Todos ficaram atentos às explicações de Sylvio Coutinho: “Este trabalho é inspirado na obra de Tarsila do Amaral. Todos estes rostos representam a população brasileira”.

“E por que eles estão com esse nariz vermelho de palhaço?”, perguntou Flávia Soares, de 11 anos. “Vocês sabem me dizer  o porquê?”, questionou Coutinho. “É porque o governo faz  o povo de bobo, pensa que é palhaço”, protestou Flávia. “Está certa. No dia da inauguração da nossa mostra, a artista deste trabalho, Doroti Pascoeto Vieira, saiu distribuindo narizes de palhaço para todos”, lembrou o professor. “Até o garçom serviu as pessoas com esse nariz.”

O que mais impressionou as crianças foi a instalação de Nina Rostock, Toyoko Nakabayashi e Hatsue Alice Maruyama. Elas montaram, no chão, a imagem de um bebê desenhada com balas de goma, aquelas que são vendidas pelas crianças nos semáforos. A figura estava sobre plásticos pretos e azuis, que simulavam os rios poluídos da cidade, remetendo a fatos como os das crianças abandonadas pelas próprias mães nas latas de lixo, nos lagos e nas ruas.

“Nossa, isso é muito triste”, protestou Pamela Salgado, de 12 anos. “Eu acho que as crianças precisam de proteção, de assistência. Dá tristeza ver meninos pequenos pedindo esmolas nos faróis ou cheirando cola nas praças.” Ao ouvir Pamela, as crianças da ONG fizeram fila para deixar o seu protesto na urna para o Jornal da USP.

Outra instalação que provoca a tensão no público é Vibrações, de Irany Cecília Marcelino, Doroti Pascoeto, Paulo Daissuke Higo e Vanilda Marson Biondo. Inspirada no trabalho de Jesus Rafael Soto, também interage com o visitante, que pode entrar e circular pela obra. Os artistas colaram fita isolante nos painéis de plástico, criando linhas pretas, compondo um grafismo que propicia as vibrações, uma sensação de quem está pela cidade enfrentando o trânsito e a poluição.

Interessante também os painéis coloridos de plástico criados por Helena Alves Pereira Bassi, que permitem que o público forme várias imagens. No trabalho de Maria Aparecida Simões, a poética de um círculo que vai se formando desde que o olhar parta de um determinado ângulo. Enfim, a mostra propõe a reflexão e a percepção através de várias obras e maquetes.

A exposição “Instalação: Linhagens Poéticas” está em cartaz até 6 de abril no Anexo do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (rua da Reitoria, 109, Cidade Universitária, São Paulo), de terça a sexta-feira, das 10h às 18h, e aos sábados e domingos, das 10h às 16 horas. Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-3328

 
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