Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba
(Iracema, José de Alencar)

O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito
(O Mar, de Dorival Caymmi)

Foto crédito: Álvaro Migoto


Vou andando feliz pelas ruas sem nome
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe, o Mar Oceano
(Obsessão do Mar Oceano, Mário Quintana) 

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma
(O Infante, Fernando Pessoa)

Como os poetas, pintores, compositores e escritores, eles contemplam o mar. E a vida. O sonho, porém, não está nos versos. Eles

buscam a realidade e conseguem encontrar paisagens inspiradoras. É essa beleza invisível que move o trabalho dos biólogos Alberto Lindner, Álvaro Migotto, Bruno Vellutini e Inácio da Silva Neto, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP. Como cientistas, eles mergulham no fundo do mar descobrindo  formas e cores jamais reproduzidas em telas ou poemas. Passam horas incontáveis observando microorganismos dos oceanos nos microscópios. E com sensibilidade de artistas fotografam todos os detalhes desse mundo invisível. São essas pesquisas e fotos que eles apresentam na mostra “Oceano: Vida Escondida”, na Estação Ciência da USP.

Os visitantes – cerca de mil pessoas, só no último fim de semana de março – ficam encantados diante da transparência da Vorticella oceanica, microorganismo muito comum em águas costeiras, que viaja “de carona” pelos oceanos presos na superfície de algas. A imagem foi reproduzida através de um microscópio eletrônico de varredura por Silva Neto, professor associado do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutorando pelo Cebimar. Interessante também a forma da larva da bolacha-do-mar durante o seu desenvolvimento. Ainda em formação, com apenas quatro braços, a larva já é capaz de se alimentar. A proeza da imagem é de Bruno Vellutini, mestrando do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP.

As cores das águas-vivas também impressionam. Amarela, azul, transparente com detalhes coloridos. Álvaro Migotto, atual diretor do Cebimar, apresenta na exposição diversos grupos, como as Aequoreas sp, que são, como ele descreve, bioluminescentes e emitem flashes de luz verde ao redor da margem onde se dispõem os tentáculos. Traz também os poliquetas, vermes comuns no ambiente marinho. Apesar de ter diversos tons de vermelho, eles passam despercebidos por serem pequenos e viverem escondidos.

Foto crédito: Alberto LindnerNas fotos de Alberto Lindner, doutor em Biologia pela Duke University, dos Estados Unidos, e pós-doutorando do Cebimar, o público mergulha nas ilhas Aleutas, no Alasca. E descobre uma vida infinitamente colorida. Apresenta uma floresta de corais, esponjas e outros organismos de águas profundas. Bonito ver os parentes dos corais e águas-vivas na paisagem do fundo oceânico, repleta de pequenos seres. O lírio do mar Florometra serratissima e o peixe Rockfish, entre colônias de pólipos e esponjas, encantam pela leveza. Para fotografar, Lindner, que pesquisa a evolução de corais, mergulhou em um submarino no Alasca. “É uma aventura poder se deparar com todo esse mundo”, conta Alberto. “Há cores que eu jamais tinha apreciado.”

Pequenos e belos seres – É essa aventura do mundo invisível que esses quatro fotógrafos procuram registrar. “Golfinhos, baleias, tubarões e tartarugas são os primeiros seres que vêm à cabeça quando pensamos na vida oceânica”, observam os pesquisadores. “Polvos, caranguejos e peixes multicoloridos, como aqueles que aparecem em documentários sobre recifes de corais, completam o conhecimento da maioria das pessoas sobre os organismos marinhos. Entretanto, a maior parte da vida marinha não é formada por animais de grande porte, mas por organismos invisíveis a olho nu.”

Apesar de pequenos, esses microscópicos organismos estão longe de serem qualificados como insignificantes, pois têm lugar de destaque na complexa rede de relações físicas, químicas e biológicas do planeta. “Um número gigantesco de pequenos seres uni ou multicelulares povoa cada centímetro quadrado da areia da praia e cada centímetro cúbico do mar” explicam os fotógrafos. “Quem já caminhou sobre a areia ou deu um mergulho no mar certamente fez contato com milhares desses organismos.”

Lindner, Migotto, Vellutini e Silva Neto dão uma aula sobre a vida no mar. Contam que as criaturas marinhas que vivem na coluna d’água e são incapazes de vencer as forças das correntes são chamadas de plâncton. “Os seres planctônicos fotossintetizantes constituem o fitoplâncton, enquanto os incapazes de realizar a fotossíntese compõem o zooplâncton. Eles são importantíssimos para as redes alimentares aquáticas.”

Ao se deparar com as formas diferentes do fitoplâncton, é bom observar com bastante atenção. Ele é o responsável pela liberação de grande parte do oxigênio atmosférico. E é também o alimento do zooplâncton, que, por sua vez, é o prato preferido das baleias. “Os pequenos seres do plâncton vivem em um mundo fisicamente diferente do que estamos acostumados”, explicam os pesquisadores. “Nesse meio, a força da viscosidade da água impera sobre os microscópicos corpos dos organismos planctônicos, que têm dificuldade para se deslocar. Para entender melhor esse fenômeno, imagine-se numa piscina de melado ou outro líquido muito viscoso, onde só é possível nadar ou mexer qualquer parte de seu corpo em câmera lenta. É nesse tipo de ambiente que os organismos planctônicos obtêm alimento e se reproduzem há milhões de anos.”

Rotina de estudo – Esses organismos que vivem livres na água do mar e têm menos de um centímetro são difíceis de observar sem a ajuda de um instrumento. Daí os pesquisadores realizarem a sua coleta por uma rede especial com malha bem fina. Ao ser puxada manualmente ou por um barco, a rede concentra esses seres num pote. No laboratório, esses organismos marinhos são mantidos em tanques ou aquários com água do mar para serem estudados e fotografados.

Foto crédito: Alberto LindnerEssa rotina de estudo, embora pareça complicada, é, segundo os pesquisadores, muito simples. “Após a coleta, os organismos obtidos passam por uma triagem, utilizando-se lupas que aumentam a imagem de duas a 40 vezes. Os organismos de interesse são então separados e analisados no microscópio, onde as imagens podem ser ampliadas até mil vezes.”

Outra técnica utilizada no estudo de organismos microscópicos é a microscopia eletrônica de varredura. As amostras passam por uma preparação especial, são recobertas por uma fina camada de ouro e observadas em um microscópio eletrônico. Em vez de luz, esse equipamento emite um feixe de elétrons sobre a amostra, formando imagens com grande profundidade de foco, o que dá uma idéia clara do aspecto tridimensional do organismo, diferente dos microscópios ópticos comuns. A técnica permite observar a superfície do corpo em alta resolução, revelando detalhes antes invisíveis na microscopia de luz convencional.”

Muitas imagens da mostra “Oceano: Vida Escondida” passaram por essa rotina cuidadosa. Além dessa exposição, o público encontra na Estação Ciência outras igualmente curiosas nas áreas de astronomia, meteorologia, física, geologia, geografia, história, biologia, informática, tecnologia e matemática. Para receber os visitantes, há uma equipe de estagiários que auxilia nos experimentos e esclarece dúvidas.

“Oceano: Vida Escondida” está em cartaz até 8 de maio, de terça a sexta-feira, das 8h às 18 h, sábados, domingos e feriados, das 9h às 18h, na Estação Ciência da USP (rua Guaicurus, 1.274/1.394, Lapa, São Paulo). A entrada custa R$ 2,00. Grátis no primeiro sábado e no terceiro domingo de cada mês. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3673-7022 e na página eletrônica www.eciencia.usp.br.

 
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