A velocidade crescente das transformações pelas quais a sociedade está passando exige uma reconfiguração constante das práticas de ensino na universidade. Essa é a opinião de especialistas envolvidos no aperfeiçoamento dos professores e na manutenção da qualidade da graduação na USP, como Maria Isabel de Almeida, professora da Faculdade

de Educação da USP e assessora da Pró-Reitoria de Graduação.

"Nosso ensino na USP é de grande qualidade e nossos professores são muito bem preparados. Mas as mudanças sociais cada vez mais rápidas exigem que a todo momento novas demandas sejam atendidas", acredita a professora Maria Isabel. Segundo ela, a excelência de ensino só pode ser mantida se a Universidade se preocupar com a melhor maneira de responder às novas exigências colocadas de maneira contínua.

"Um exemplo é o Inclusp (Programa de Inclusão Social da USP). A USP atendeu a uma demanda da sociedade e desenvolveu maneiras de fortalecer os alunos da rede pública no processo seletivo de ingresso", explica. "Os alunos que entram na Universidade por meio do Inclusp exigem novas respostas dos professores. Como eles devem reorganizar suas práticas dentro de

sala de aula para melhor lidar com esses novos estudantes?", questiona a professora Maria Isabel.

De acordo com o professor Antônio Joaquim Severino, também da Faculdade de Educação da USP, um dos problemas enfrentados no ensino superior é a continuidade de velhos modelos didáticos. "É preciso reformular a pedagogia brasileira, pois o modo como lidamos com o conhecimento é inadequado", afirma o professor. "A pedagogia atual, transmissiva, pretende repassar o conhecimento, apenas, e impede que o aluno participe da produção desse conhecimento", acredita.

Além disso, a ultra-especialização do ensino atual, na opinião de Severino, acentua a mera reprodução de conhecimento, em um descuido com a produção do conteúdo a ser estudado. "Não cabe à Universidade apenas sistematizar e transmitir conhecimento, mas criar", define. A prevalência de um padrão tradicional que ainda se baseia na lousa e no giz, por exemplo, impressiona Severino. "São ferramentas que não apresentaram evolução nem em si mesmas, muito menos nas possibilidades de ensino", diz.

Realidade brasileira – Muitas das dificuldades observadas no ensino superior, entretanto, fazem parte de um quadro geral da sociedade brasileira. "As universidades brasileiras enfrentam uma série de problemas estruturais e na preparação dos professores", explica Severino. "Na USP, temos de lidar com algumas dessas questões que transcendem nossos muros, como a falta de condições estruturais em algumas áreas e a pequena valorização e vinculação da pesquisa e do ensino na graduação", exemplifica. Outro grande problema, segundo o professor Severino, está na própria maneira como a sociedade encara o ensino. "Como é possível que um estudante trabalhe durante oito horas por dia e apenas à noite se dedique a seu aprendizado? Não deveria haver cursos noturnos, o ensino deveria ser integral", aponta.

As limitações na preparação dos docentes são outro fator que prejudica a relação professor-aluno e o processo didático. "Afora os professores que burlam suas atividades para tirar vantagens próprias, há os que, mesmo com boa vontade, não têm a experiência mínima necessária com pesquisa. Até os anos 1970, não havia uma preparação adequada e, obviamente, ninguém pode dar o que não tem", pondera.

Para a professora Maria Isabel, o modelo do mundo acadêmico atual é outra questão importante. "O formato do universo da academia de hoje faz com que outros aspectos da vida docente, como a pesquisa, sejam supervalorizados diante do ensino de graduação", argumenta. Ao privilegiar-se a pesquisa, de acordo com o professor Severino, vive-se o outro lado do problema. "Corre-se o risco de haver hipertrofia de pequenos grupos de pesquisadores e um descompasso ainda maior com a graduação", avalia.

Especificidades de área – O professor Severino acredita que o modelo transmissivo de pedagogia, um dos grandes problemas do ensino na graduação, está acima das diferenças entre os cursos e permeia quase todos eles. "Tirando as idiossincrasias de cada área, o processo pedagógico é comum a toda universidade e falta uma postura investigativa. O funcionamento de nossa epistemologia, da maneira como encaramos o processo do conhecimento, independe do objeto", afirma.

Segundo Severino, cursos de grande prestígio na USP, como o de medicina, são melhores também pela própria natureza de sua área de conhecimento. "A medicina exige uma postura de pesquisa contínua de quem está aprendendo." Além disso, de acordo com Severino, "os cursos de mais destaque são de dedicação integral, e por isso são elitizados". "Esses cursos já submeteram os estudantes a uma seleção dura, por meio do vestibular e também por isso levam vantagem." Isso não quer dizer que sejam perfeitos. "Há muito que mudar em diversas áreas, como aquelas que são demasiadamente técnicas e negligenciam uma leitura mais crítica dos conteúdos", completa.

Postura investigativa – A solução para uma grande parcela dos problemas com ensino na graduação passa, segundo o professor Severino, por uma integração maior entre pesquisa e prática docente em sala de aula. "Atualmente, o pesquisador é um subproduto do sistema de aprendizado, não regra. A iniciação científica, por exemplo, é uma exceção, mas seu modelo deveria ser o mais comum", acrescenta. O professor deixa claro que a idéia não é transformar a universidade em um grande instituto de pesquisa, mas alinhar de maneira contínua a prática de ensino ao conhecimento proporcionado pela pesquisa.

"A pedagogia que apenas transmite dados anteriores não é fecunda, pois não permite que o aluno participe da produção de seu objeto de conhecimento. Por isso é importante que, no processo de aprendizagem, se faça pesquisa", diz. "Pesquisar é conhecer o objeto pelas suas próprias fontes, não de segunda mão. A experiência empírica e a análise teórica possibilitam uma nova passagem pelo caminho que leva ao conhecimento. Nesse sentido, a pesquisa tem um sentido muito maior do que apenas o técnico", completa.

Segundo a professora Maria Isabel, o processo de integração do ensino de graduação com a pesquisa é fundamental. "Permite-se que o aluno entenda de outro modo seu processo formativo e o papel que ele desempenha nesse processo", explica. "O estudante se percebe como um sujeito ativo no aprendizado e deixa de ser apenas um mata-borrão, em uma reconfiguração de toda a dinâmica", acrescenta a professora. "Não se trata de inventar a lei da gravidade novamente, mas de como ele absorverá o conhecimento organizado", completa.

A vinculação do ensino com a pesquisa na graduação foi tema do Seminário de Pedagogia Universitária, organizado pela Pró-Reitoria de Graduação da USP e ocorrido no dia 18 passado (após o fechamento desta edição do Jornal da USP). Segundo Maria Isabel, haverá mais dois seminários no primeiro semestre, nos dias 29 de maio e 20 de junho, tratando de outros temas atuais relativos à didática na graduação universitária.

 
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