Um túnel circular de 27 quilômetros de perímetro, com ímãs supercondutores e diversas estruturas aceleradoras que impulsionam a energia das partículas ao longo desse grande anel. Assim pode ser definido o Large Hadron Collider (LHC), o maior e mais poderoso acelerador de partículas já construído para estudar o comportamento das menores partículas do

Universo. Dentro do acelerador, dois feixes de partículas viajarão em sentidos contrários numa velocidade próxima à da luz e colidirão num estado de alta densidade de energia. Em escala subatômica (menor que o átomo), serão recriadas explosões que tentarão imitar o Big-Bang, a grande explosão que teria dado origem ao Universo. Com isso, os cientistas buscam conhecer em detalhes as condições primordiais que formaram a matéria, quando tudo era apenas um plasma de quarks-glúons (QGP, na sigla em inglês).

Entre seus objetivos principais, os pesquisadores ligados ao LHC pretendem

O Alice, detector que observará quarks e glúons: estado da matéria com alta densidade de energia

descobrir experimentalmente uma partícula que só foi prevista teoricamente, a qual seria responsável pela criação da massa no Universo, o que torna a vida possível. Trata-se do bóson de Higgs, assim batizado em homenagem ao físico escocês Peter Higgs, que teorizou sua existência.

Em entrevista recente ao jornal Folha de S. Paulo, Higgs, de 78 anos, disse acreditar que o LHC conseguirá efetivamente observar os traços do bóson de Higgs. Caso isso ocorra, então será confirmada a teoria do modelo padrão, que descreve as forças fundamentais forte, fraca e eletromagnética da física, assim como as partículas fundamentais que formam a matéria.

Construído a cem metros da superfície, na fronteira entre Áustria e Suíça, o acelerador é um projeto da Organização Européia de Pesquisa Nuclear (Cern). Atualmente em fase de testes, o instrumento deverá entrar em operação no próximo mês de julho. Os fenômenos serão observados por milhares de pesquisadores em diversos países. Isso será possível graças a uma tecnologia de rede de dados desenvolvida especialmente para processar os fenômenos observados nos detectores colocados estrategicamente nos pontos de colisão dos feixes de partículas. Essa densa rede de alta velocidade é chamada Grid e fará o compartilhamento dos recursos de processamento e armazenamento de dados ao redor do planeta.


Colisão de partículas: o Big-bang reconstituído em laboratório

A todo vapor, as partículas de prótons darão 11.245 voltas por segundo em torno do anel do LHC, a uma velocidade de 99,99% a da luz. A previsão é de que ocorram 600 mil colisões por segundo, mas apenas os eventos mais “promissores” serão registrados. Mesmo com essa pré-seleção, os eventos produzirão um volume de dados de cerca de 160 gigabites por segundo, de acordo com o professor Marcelo Gameiro Munhoz, do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da USP e um dos integrantes da rede de colaboradores que observarão os fenômenos.

“O LHC vai ajudar os cientistas a responder a questões ainda não resolvidas. Mas talvez o maior atrativo de participar de um projeto dessa dimensão seja a possibilidade de observar fenômenos novos, que poderão revolucionar a física dos próximos séculos”, diz o professor Alexandre Suaide, também do Instituto de Física da USP e que, assim como Munhoz, observará o comportamento de quarks e glúons.

Experimentos – Cada ponto de colisão, onde foram colocados os detectores, está associado a um experimento, que observará um tipo de fenômeno. Em dois importantes experimentos, chamados Atlas e Alice, o Instituto de Física da USP está presente através de dois grupos de pesquisadores. Os outros quatro experimentos do LHC são o CMS, LHCb, o Totem e o LHCf.

“O Atlas é um dos maiores e mais complexos instrumentos concebidos para o estudo da matéria. O programa de física que pode ser conduzido por esse experimento é bastante extenso, envolvendo tópicos que vão desde a busca do mecanismo responsável pela massa das partículas, via bóson de Higgs, até o estudo das propriedades da matéria, recriada como existia nos primórdios da criação do Universo, obtida colidindo íons de chumbo a altíssimas energias”, afirma o professor Marco Leite, do Laboratório de Instrumentação e Partículas do Instituto de Física da USP. No mesmo grupo de Leite estão os professores Olácio Dietzsch e Márcia Takaqui, além de técnicos e estudantes de doutorado e iniciação científica.


Suaide, Munhoz e Toledo: à procura das mais elementares partículas

Em linhas gerais, o Atlas e o CMS foram concebidos para comprovar a existência do bóson de Higgs e buscar evidências da existência de dimensões extras, além das três conhecidas no Universo, bem como a formação da matéria escura.

O Alice e também o LHCb visam prioritariamente a estudar a fase da matéria chamada plasma de quark-glúon. “É o estado da matéria com alta densidade de energia, onde seus constituintes estarão desconfinados. Pelo que se sabe, essas são as partículas primordiais da matéria e se formaram na origem do Universo, após o Big-bang”, diz o professor Alejandro Szanto de Toledo, diretor do Instituto de Física da USP e coordenador dos pesquisadores do instituto que colaboram com o Alice, entre os quais os professores Suaide e Munhoz. Os outros dois experimentos, Totem e LHCf, são menores em tamanho e desenhados para observar partículas que apenas resvalam umas nas outras em vez de se chocarem, entre as quais prótons e íons pesados.

Dimensões – O LHC também pode ser chamado de o maior refrigerador do mundo, já que todos os seus 9.300 ímãs condutores precisam ser mantidos a uma temperatura superalta, de 273,1 oC negativos. Além disso, os pontos de colisão irão gerar temperaturas 100 mil vezes mais altas que as do interior do Sol. “Qualquer material em que passa uma corrente elétrica esquenta. Nesse caso, o campo magnético condutor precisa ser intenso e por isso requer baixíssimas temperaturas”, diz o professor Munhoz.

Além de muito frio, o ambiente do LHC é bastante rarefeito, com uma pressão atmosférica 10 vezes menor que a da Lua. A condição de ultravácuo evita o atrito com o ar, o que é importante para que os feixes de partículas viagem em alta velocidade.

Só os dois maiores experimentos – o Atlas e o CMS – reúnem, juntos, quase 4 mil cientistas, dezenas deles pertencentes a diversas instituições brasileiras. O detector do Atlas possui 45 metros de altura, algo como um prédio de cinco andares.

Houve especulações sobre as microexplosões darem origem a micro- buracos negros, que cresceriam e fugiriam de controle, conta o professor Suaide. “Mas isso é um exagero coletivo. A física envolvida é extremamente complexa e talvez as expressões utilizadas para explicar o projeto tenham gerado figuras de linguagem que causaram confusão na opinião pública”, explica. É preciso considerar que a quantidade de energia produzida nas explosões pode ser muito grande, porém em escala subatômica. “Isso quer dizer que, no nosso dia-a-dia, corresponde à energia liberada numa marretada. É algo insignificante”, compara Toledo.

Os dois grupos de pesquisadores do Instituto de Física já haviam participado de experiências semelhantes em outro acelerador, o Rhic, que passará a ser o segundo maior acelerador de partículas após a entrada em operação do LHC. O Rhic pertence ao Laboratório Nacional de Brookhaven, dos Estados Unidos.

 
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