Música e ciência sempre estiveram presentes na vida de Paulo Emílio Vanzolini. Foi com o dinheiro dos direitos autorais de composições como Ronda e Volta por cima – dois de seus maiores sucessos – que o professor e compositor comprou grande parte de sua biblioteca, formando o maior acervo em zoologia da América do Sul. “Isso é uma prova do quanto a

Foto crédito: Cecília Bastos

ciência deve à arte. De fato, foi uma época em que eu comprava meus livros sem me preocupar com o preço”, brincou Vanzolini, durante a solenidade em que formalizou a doação desse acervo para o Museu de Zoologia da USP, no dia 23 de abril, na Sala do Conselho Universitário.

Trata-se de um acervo com 25.445 itens, entre livros, separatas, periódicos, mapas e cartas geográficas, num valor estimado em mais de US$ 300 mil. “Com essa doação, ganham os estudantes e os pesquisadores

nacionais e internacionais”, comemorou a reitora da USP, Suely Vilela, que dirigiu a cerimônia. Vanzolini foi diretor do Museu de Zoologia por 31 anos, de 1962 a 1993.

Grande estudioso de répteis e anfíbios – cientificamente chamado de herpetólogo –, Vanzolini contou, na cerimônia, que, embora tenha feito doutorado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, sua melhor pós-graduação foi o trabalho desenvolvido no Museu de Zoologia da USP. “Foi no museu que coloquei em prática todo o conhecimento adquirido em anos de estudo.”

O atual diretor do Museu de Zoologia da USP, Sergio Vanin, destaca a importância do acervo doado por Vanzolini, formado ao longo de toda a carreira do professor. Segundo Vanin, Vanzolini conseguiu reunir praticamente toda a bibliografia existente em relação à fauna de répteis e anfíbios do Brasil e da América do Sul. “Essa bibliografia é básica e reúne todo o conhecimento que existe sobre esse grupo de animais, que serve de fundamento para novas pesquisas.” Vanin diz ainda que não é o valor monetário da biblioteca o que mais importa, mas sim o valor científico das obras, muitas delas raras e esgotadas.

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Vanzolini na cerimônia em que formalizou a doação de sua biblioteca para o Museu de Zoologia: "Uma prova de quanto a ciência deve à arte"

Obras raras – Com páginas amarelecidas e marcadas pelo tempo, os livros raros do acervo de Vanzolini enchem os olhos da bibliotecária-chefe do Museu de Zoologia, Teresa Beatriz Nunes Guimarães. Ela conta, por exemplo, que o Catalogue of the Batrachia Salientia S. Ecadata in the Collections of the Bristish Museum, de George Albert Boulenger, de 1882, é uma obra que faz toda a relação e descrição original dos bichos da região neotropical. “É um livro perenemente utilizado, porque as principais descrições dos répteis e anfíbios estão contidas em suas páginas.” Teresa diz ainda que a maior parte das obras raras são utilizadas pelos pesquisadores do mundo todo para verificar se o novo bicho coletado faz ou não parte das primeiras descrições, para poder ser validado como uma nova descoberta na zoologia.

O mesmo acontece com o livro de Francis Castelnau, Expedition dans les parties centrales de l’Amerique du Sud, de 1851, que traz a relação e os desenhos de cobras, lagartos, sapos e tartarugas. “É um volume que compreende toda a herpetologia, assim como também todas as classes de zoologia”, explica Dione Seripierre, bibliotecária do Museu de Zoologia.

Outro livro de grande destaque é Systema naturae per regna tria naturae, de 1758, escrito por Carolus Linnaeus, botânico, zoólogo e médico sueco, pai da taxonomia moderna. Nessa obra, Linnaeus determina o estabelecimento do sistema natural inteiro dos animais, das plantas e dos minerais. “Foi ele quem colocou uma ordem sistemática dentro de todo o universo da zoologia. É uma obra utilizada por todas as áreas da ciência”, analisa Dione. Em Amoenitates academicae, de 1749, o cientista sueco descreve bichos e plantas em gênero e número, desenhando e descrevendo um jardim de Paris, onde eram plantadas várias espécies de mudas.

Foto crédito: Cecília Bastos
O ex-libris de Vanzolini

Dione conta que obras dos séculos 18 e 19 são repletas de desenhos. Naquela época, os desenhos eram litogravuras feitas em pedras com cores aquareladas. “Os detalhes dos desenhos são primorosos para a ciência. No caso dos peixes apresenta-se a contagem das escamas, assim como das cobras. Embora os livros sejam antigos, a coloração das imagens continua em perfeito estado. Eles não perderam a cor”, ressalta.

A filha de Vanzolini, Maria Eugenia, também presente na cerimônia de doação das obras, contou, emocionada, que o desejo de seu pai sempre foi formar uma biblioteca para uso de todos os interessados. “Lembro que a vida inteira papai comprou livros e queria doá-los para o Museu de Zoologia. Meu pai é um ser humano generoso, empenhado e dedicado ao ensino e à pesquisa.”

 

A música e a zoologia como companheiras

A música é grande companheira de Vanzolini, mas a ciência está sempre presente no seu dia-a-dia. Sua carreira começou em 1947, quando se formou na Faculdade de Medicina da USP, partindo no ano seguinte para os Estados Unidos, para fazer doutorado na Universidade de Harvard, já na área de zoologia. Em 1951 defendeu sua livre-docência na USP. Foi diretor do Museu de Zoologia entre 1962 e 1993. Em 1997 recebeu os títulos de Professor Emérito do Instituto de Biociências da USP e de Pesquisador Emérito do CNPq.

Foi o maior incentivador da transferência do Museu de Zoologia da Secretaria de Agricultura e Comércio do Estado de São Paulo para a USP, em 1969. Foi também o responsável pela reestruturação das coleções, com amostras representativas das espécies, tem uma longa atividade de campo e criou a Expedição Permanente da Amazônia (EPA). Publicou seis livros e 145 trabalhos e orientou seis mestrados e 32 doutorados.

 

O acervo em números

Obras raras e especiais

93

Livros

1.938

Mapas e cartas geográficas

2.042

Separatas (artigos avulsos importantes do
mesmo assunto produzidos por vários
autores e publicados em revistas)

20.000

Total do acervo

25.445

 
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