Cerca de 150 artistas de 11 companhias de países diversos estão presentes na 3ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, que acontece nesta semana no Centro Cultural São Paulo, organizada pela Cooperativa Paulista de Teatro. Entre eles encontram-se os veteranos de palco João das Neves, que trabalhou com o Teatro Opinião nas décadas de 60 e 70,

e o colombiano Santiago Garcia, que dirige o grupo La Candelária desde 1966. Ambos discutem amplamente o tema central desse encontro: Estética e Política na Prática Teatral. O objetivo é provocar reflexões sobre essa arte, abordando a relação entre o apuro estético e o teor político, já que “muitas vezes, o que vemos é um teatro politizado de baixa potência estética, como também avanços estéticos despolitizados”, diz Ney Piacentini, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro.

Ao longo de toda a semana se apresentam

Antígona (acima), com a Cia. Senhas de Teatro; o Grupo Bagaceira, de Fortaleza, encena O Realejo (abaixo); e Ensaio de Mulheres, com a Cia. Atores de Laura (mais abaixo)

companhias representantes de diferentes regiões da América hispânica, como o Teatro del Bardo, da Argentina; o chileno Teatro en el Blanco; Teatro la Candelária, da Colômbia; Teatro Malayerba, do Equador; e o mexicano Teatro la Rendija. Do Brasil participam os coletivos Grupo Bagaceira, de Fortaleza; o mineiro Ícaros do Vale; a Cia. Senhas de Teatro, de Curitiba; Oigalê, de Porto Alegre, e o carioca Atores de Laura. O grupo A Barraca, coletivo teatral mais importante de Portugal, vem como convidado especial para a mostra. Cada companhia reconstitui seus processos de criação.

Dando início ao circuito de espetáculos, o coletivo colombiano Teatro la Candelária, de Bogotá, leva aos palcos, na abertura, nesta segunda, às 20h, a peça El Paso, uma metáfora da realidade da Colômbia. O repertório do grupo é permeado por temas míticos e situações vividas pelos colombianos, o que garantiu grande repercussão nacional à companhia. O espetáculo é ambientado em um restaurante ermo, onde a rotina é marcada por monotonia e solidão. A chegada de dois homens armados e poderosos altera a situação, instalando um clima de medo e tensão no local. Na terça, às 21h, a Companhia Atores de Laura, fundada no Rio de Janeiro em 1993, apresenta seu trabalho mais recente: Ensaios de Mulheres, uma adaptação da comédia L’Orchestre, escrita por Jean Anouilh. Com um elenco composto exclusivamente por homens, o espetáculo mostra as cumplicidades, desavenças, amizades e traições de um grupo de mulheres que tocam numa decadente orquestra de café-concerto.

Direto de Porto Alegre, o grupo Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais resgata na quarta, às 12h, a cultura regional do Rio Grande do Sul. Utilizando-se do teatro como atitude política, instrumento de reflexão e promoção da cidadania e resistência cultural, a companhia traz a peça Miséria, Servidor de Dois Estancieiros. O espetáculo dá continuidade à saga do personagem Miséria, de Carlo Goldoni, que vaga pelos pampas após sua suposta morte. Ainda na quarta, às 21h, o mexicano Teatro la Rendija, de Mérida apresenta Los Errores del Subjuntivo, que combina teatro, dança, canto e vídeo, seguindo a proposta de romper barreiras entre a performance e as artes visuais. A história é passada em um trem, nos anos 30, em que passageiros narram suas vidas em tom de derrota e descrença.

Na quinta, às 18h, o Teatro en el Blanco, de Santiago (Chile), traz o espetáculo Neva, ambientado em São Pestersburgo, na Rússia. O coletivo busca devolver ao artista seu papel na sociedade, abordando temáticas políticas e sociais. A peça faz uma reflexão sobre a repressão, o teatro e as limitações diante da morte por meio da história de duas atrizes e um ator, que ensaiam diante do rio Neva enquanto tropas reprimem operários que se manifestam por melhores condições de vida. Ainda na quinta, às 21h, o Grupo Bagaceira, de Fortaleza, narra os conflitos que surgem em uma mulher, que se apaixona por um jovem estando prometida em casamento ao homem mais afortunado e poderoso da região. A peça O Realejo é ambientada em uma pequena cidade, onde um homem do realejo presencia essa história de amor permeada de aflição e desordem.

Na sexta, às 18h, apresenta-se o curitibano Cia. Senhas de Teatro, que valoriza a identidade brasileira desde 1999. O grupo apresenta Antígona – Reduzida e Ampliada, seu mais novo trabalho. Trata-se de uma releitura da tragédia de Sófocles, de 450 a.C. e dá voz às personagens Ismene, Eurídice e Antígona, mulheres que não entendem a guerra e não são ouvidas, propondo reflexões sobre os direitos da mulher e batalhas ao longo do tempo. Na seqüência, às 22h, a Cia. de Teatro Ícaros do Vale encena Maria Lira, baseada na vida da pesquisadora, cantora e artesã do Vale do Jequitinhonha, Maria Lira Marques. O grupo trabalha com teatro popular, com o objetivo de integrar a cultura e a realidade político-social da região em seus espetáculos.

O grupo argentino Teatro del Bardo traz sua proposta de atuação pedagógica no sábado, às 18h. Através da peça Amarillos Hijos discutem a mitologia grega e o papel da mulher, em uma livre adaptação de Electra, obra escrita por Eurípides, Sófocles e Ésquilo. No enredo, duas pessoas maquinam um assassinato, concordando em relação ao motivo e método, mas sem saber quem será a vítima. Também no sábado, às 21h, o grupo convidado A Barraca apresenta Felizmente Há Luar!, texto censurado pela ditadura de Salazar nos anos 60. A obra, crítica ao governo totalitário, tornou-se um clássico da literatura dramática portuguesa e contribuiu para inaugurar um teatro narrativo com influência de Bertolt Brecht.

No domingo, último dia da mostra, às 20h, o Teatro Malayerba, de Quito (Equador), encena Bicicleta Lerux, uma recriação do mito da Odisséia. O grupo foi fundado em 1980 com artistas de diferentes nacionalidades e é caracterizado pela criatividade e a exposição da diversidade cultural. A peça escolhida traz um Ulisses doméstico, que viaja apenas entre a sala, a cozinha e o banheiro, mas sonha com uma odisséia.

Além da série de espetáculos, fazem parte da agenda debates sobre o tema da mostra. Celso Frateschi, presidente da Funarte; Raul Branbilla, do Instituto Nacional de Teatro da Argentina; Gilsela Cerdeira, do Conselho de Artes Cênicas de Cuba, e representantes de vários países participam da discussão sobre Políticas Públicas para o Teatro em Países Latino-Americanos, nesta segunda, às 17h. A mesa-redonda “Relação entre Estética e Política na Prática Teatral”, na terça, também às 17h, conta com presença de João das Neves e Santiago Garcia. E fechando o ciclo, na quarta, às 18h, Marco Antônio Rodrigues, diretor do Folias D’Arte de São Paulo, e Aristides Vargas, do grupo Malayerba, debatem “A Relação Dialética entre Forma e Conteúdo no Teatro Latino-Americano”. 

A 3ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo acontece de segunda a domingo, no Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, Paraíso, tel. 3383-3402). Todas as atividades são gratuitas, e será editada uma publicação diária bilíngüe (português e espanhol) com críticas das peças, notas e informações sobre os eventos.

 
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