A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) é uma instância fundamental para efetivar os avanços já alcançados por outros organismos de integração regional, como o Mercosul e a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul Americana). Ao contrário do que afirmam os críticos, a criação da Unasul foi uma vitória da diplomacia

brasileira e das democracias sul-americanas frente ao contexto geopolítico e econômico global. Essas são opiniões de especialistas ouvidos pelo Jornal da USP sobre o tratado assinado pelos representantes dos 12 países da América do Sul em Brasília, no dia 23 de maio.

“Naturalmente, há dificuldades e nenhum processo de criação de um organismo começa e evolui sem tropeços, dificuldades e divergências. É só ver a história da União Européia, que começou com o Tratado de Paris, em 1951, a partir da criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), depois evoluiu para Comunidade Econômica Européia (CEE), com o Tratado de Roma, em 25 de março de 1957, para, finalmente, se constituir em União Européia, em 1993. E até hoje há enormes discrepâncias entre os países, não apenas econômicas, pois nem todos aderiram ao euro, mas também políticas”, afirma o cientista político Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, da Universidade Federal de Brasília (UnB).

Segundo o pesquisador do Grupo de Análise

da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP Alberto Pfeifer, os mercados dos Estados Unidos, China e Rússia estão muito presentes no mundo e nesse sentido a Unasul representa uma rede de defesa para os interesses regionais. “Do ponto de vista das relações internacionais do Brasil, a Unasul representa uma ‘amarração’ formal entre as nações sul-americanas e impõe dificuldades para os países que queiram ter uma atitude isolacionista. Isso porque ela estabelece a coordenação de agendas temáticas comuns em segurança, ambiente, energia e infra-estrutura. Fala-se até em moeda única. A diplomacia brasileira deu um passo ao demarcar uma região. Sem a Unasul haveria uma liberdade de arranjos que poderia resultar em alianças não muito interessantes para o Brasil. Portanto, sua criação faz muito sentido do ponto de vista de ideais a serem perseguidos”, diz Pfeifer.

A Comunidade Andina de Nações, a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) são alguns exemplos de organismos criados com a proposta de integrar e desenvolver o comércio entre seus signatários. Mais um organismo e, portanto, mais uma sigla, pode confundir a opinião pública, além de dar a impressão de um excesso de retórica sobre a integração. Essa foi uma das críticas recebidas pela nova instituição.

“De fato, há um excesso de retórica sobre integração por parte de alguns governantes. Quanto ao excesso de siglas, isso não é uma característica apenas do bloco sul-americano. O que importa é que o Mercosul é uma realidade institucional e econômica, possui um conjunto de regras que funcionam para governos e empresas. Hoje o grande motor do Mercosul são as empresas. Não tenho dúvidas de que a Unasul complementa o Mercosul e a IIRSA e não acho exagero dizer que no futuro poderá substituir o próprio Mercosul. Um dia, a Unasul será a nossa União Européia”, diz o geógrafo Wanderley Messias da Costa, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenador de Comunicação Social da Universidade.

Objetivos – Se integrar os países é também um dos focos da Unasul, surge a pergunta: não seria possível acomodar os 12 países da América do Sul em organismos já existentes, como o próprio Mercosul? Segundo o professor Moniz Bandeira, nem todos os países da América do Sul podem ser sócios plenos do Mercosul, porque alguns países, como Chile, Peru e Colômbia, têm tarifas muito baixas ou tratados de livre comércio com os Estados Unidos.

“A Unasul, por outro lado, constitui um quadro institucional mais amplo. Visa a promover a integração em outras áreas além da econômica e comercial, como em infra-estrutura, energia, cultura, educação, ciência e tecnologia. Visa a constituir também um organismo político para negociação com as grandes potências ou blocos econômicos e políticos, tais como os Estados Unidos, China, Índia e União Européia. Sem dúvida, a Unasul é um importante marco político e um grande feito da diplomacia brasileira”, afirma Moniz Bandeira.

Em declarações ao jornal uruguaio La Republica, o cientista político disse não acreditar que as tensões entre Colômbia e Venezuela venham a prejudicar o surgimento da Unasul. Ao contrário, as diferenças podem e devem até ser resolvidas dentro do organismo internacional recém-criado. Na mesma entrevista, o professor disse que não é possível comparar organismos como Mercosul, Aladi e Comunidade Andina porque se trata de projetos muito distintos.

Ainda de acordo com o cientista político da  UnB, o organismo “passa a ter uma personalidade jurídica na forma de uma organização internacional, com um Conselho de Chefes de Estado e de Governo, um Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de Delegados. É um avanço no sentido de coordenação de políticas. E dentro desse marco institucional deverá se concretizar o projeto do Banco do Sul e de um gasoduto partindo da Venezuela, passando pelo Brasil, até a Argentina”, disse ao jornal uruguaio. “Não podemos desmerecer o Mercosul, embora ele tenha decepcionado mais recentemente. Porém, basta ver os dados do comércio entre seus membros, que mostram um aumento de 500% nos últimos anos. Não se pode confundir os dois organismos e julgá-los como se fossem a mesma coisa. O Mercosul e a Unasul nasceram com missões e uma abrangência geográfica bastante distinta. A Unasul vem preencher a necessidade de se construir mecanismos de governabilidade compartilhada.”

Para Wanderley Messias da Costa, “a diplomacia sul-americana sabe que nenhum dos países da região é capaz de enfrentar as grandes potências sozinhas. Se a União Européia se constituiu ao longo de 50 anos a partir de seis países destroçados pela guerra, por que nós não podemos? A atual direção do Itamaraty percebeu dois aspectos fundamentais da política externa e está dando passos fundamentais nessa direção: a integração da América do Sul e a aproximação com a África, que é o novo cenário em termos de mercado e comércio”.

A idéia inicial da Unasul nasceu oficialmente em 2004, numa reunião regional em Cuzco, no Peru. O nome da instituição seria Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações), mas foi modificado no ano passado, durante a Primeira Reunião Energética da América do Sul. Seus principais objetivos são a coordenação política, econômica e social da região. Os países do grupo possuem juntos 360 milhões de habitantes, e um PIB de US$ 2,5 trilhões em 2006, segundo dados da Cepal (Comissão Econômica da América Latina e Caribe). O PIB do Brasil em 2007 foi de US$ 1,3 trilhão, segundo a mesma comissão. Entre seus maiores desafios está a constituição de um Conselho de Defesa e outro de Energia. “Hoje pode até ser um absurdo pensarmos numa moeda comum ou mesmo num Conselho de Defesa ou num Conselho de Energia, que são alguns dos objetivos da Unasul. Porém, esse será um primeiro foro de diálogo para tornar factíveis tais metas. O caminho e o adensamento desses objetivos serão descobertos com o caminhar”, diz Pfeifer.

IIRSA – Segundo Costa, um dos organismos de integração regional de que quase não se ouve falar, mas que possui grande importância estratégica para os países sul-americanos é a IIRSA. Criada em 2000, em Brasília, com assinatura dos 12 países sul-americanos, a entidade está “a todo vapor” na sua meta de integrar a infra-estrutura de transportes, energia e comunicações entre os signatários, diz o professor. “A IIRSA é um projeto efetivo de integração física, possui em andamento mais de 72 obras importantes de circulação entre os países, incluindo rodovias, ferrovias, hidrovias, aerovias e dutovias. E o principal investidor da IIRSA é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”, diz.

Costa cita como exemplos dos projetos concretizados ou em andamento da IIRSA uma rodovia de 1.800 quilômetros ligando Manaus (AM) a Caracas (Venezuela). Outra rodovia sai da cidade de Assis (AC), chegando ao porto de Ilo, no Peru. Ou, ainda, a extensão da ferrovia que sai de Bauru (SP) e passa por Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), para chegar até a capital boliviana, La Paz. Cita também pontes entre Brasil e Argentina e um novo túnel ligando Mendoza (Argentina) até Santiago (Chile), entre outros exemplo.

Na visão de Costa, outra integração importante em curso entre os países sul-americanos é a energética. Segundo o professor, o gasoduto Bolívia-Brasil chegará até o Rio Grande do Sul. Estão em construção um gasoduto e um oleoduto entre Argentina e Chile. Há projetos de três refinarias construídas em conjunto por Venezuela e Brasil. Além disso, está sendo concluída uma rede de distribuição de eletricidade entre Brasil e Argentina e outra entre Venezuela e Roraima. “A Unasul apenas concretiza todos esses projetos de integração. É um espaço institucional para juntar todas essas peças. Vem garantir que a integração não fique restrita ao aspecto comercial e econômico e forma uma instituição mais plural, capaz de reunir mais países da região”, afirma Costa.

 
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