Enquanto vários países na Europa pensam em soluções para aprimorar a educação de suas crianças de 0 a 6 anos de idade, no Brasil, e mais especificamente em São Paulo, ainda se encontram problemas sérios de infra-estrutura e inadequação ambiental, com altos níveis de ruído, que prejudicam o aprendizado da criança numa das fases mais

Foto crédito: Marcia de Castro

importantes da sua formação.

Para pensar os problemas da educação infantil, a professora Tizuko Morchida Kishimoto, da Faculdade de Educação da USP, realizou um estudo de caso no Centro de Educação Infantil Suzana Campos Tauil, em São Paulo, a fim de traçar propostas para políticas públicas que visem a melhorar as condições em que se encontram as creches paulistas. Em parceria com o Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética (Labaut) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, coordenado pela professora Marcia Allucci, e com o médico otorrinolaringologista Daniel Okada, a pesquisa foi realizada durante os anos de 2004 e 2006, traçando diagnósticos de acústica, iluminação, temperatura ambiental, audiometria e desenvolvimento educacional.

Conforto ambiental – Na creche Suzana Campos Tauil, localizada na rua Loefgreen, no bairro paulistano da Saúde, de classe

Pesquisa verificou acústica, iluminação e temperatura, revelando condições ruins nas creches da cidade

média, existem várias inadequações na construção, que atualmente abriga 120 crianças. Dentre elas, a falta de conforto ambiental. A creche não apresenta uma boa acústica, boa iluminação nem boa temperatura. Todos os índices medidos pela equipe da FAU se apresentaram acima do limite que define um ambiente confortável. Tizuko lembra que do ponto de vista de qualidade os índices da creche apontam para a total falta de qualidade, além do excesso de crianças no local de aprendizado.

Segundo Tizuko, o prédio tem o pé-direito alto, o que mantém o ambiente bem ventilado, mas na época do frio fica muito difícil aquecer os bebês, as crianças e os adultos que lá se encontram, sem contar a falta de luz natural, provocada pela sombra dos prédios altos que se localizam no entorno. Essa sombra obriga a creche a utilizar a energia elétrica durante todo o período em que se encontra em funcionamento.

Mas os problemas mais recorrentes ficam por conta do barulho, que –  devido ao pé-direito alto, falta de isolamento acústico nos ambientes, muros com espaços vazados para a rua com grande movimento, materiais frios no piso e na parede – faz com que as vozes de crianças e adultos, móveis arrastados, choros, ruídos de brinquedos, barulhos de ferramentas utilizadas em pequenos consertos, além do som de rádio, acabem por aumentar o ruído e agravar a situação de desconforto ambiental dentro da creche.

Enquanto o volume de ruído aceitável pela medicina do trabalho varia entre 50 e 55 decibéis, no dormitório das crianças foram registrados 65 decibéis, e em outros espaços chegou-se a 85. “A longo prazo”, explica Tizuko, “esse barulho pode levar as crianças à surdez, além de não possibilitar condições de aprendizagem, pois a criança não consegue codificar o que se fala”.

Foto crédito: Francisco Emolo
Tizuko: qualidade inclui vários itens

Uma das partes do estudo ficou por conta da filmagem dos bebês no ambiente de repouso. Foram analisados 198 fragmentos de filmagem, com dois minutos cada. Verificou-se que 75% das crianças não tinham envolvimento nenhum com as brincadeiras e propostas de aprendizado. “Não conseguimos transcrever nenhuma fala de criança nem de adulto, tamanho o nível de ruído no ambiente. Também vimos bebês se assustando a todo instante, enquanto dormiam, com os ruídos produzidos no ambiente”, explica Tizuko.

Quando o médico otorrinolaringologista fez a medição audiométrica nos adultos, constatou-se que nove deles estavam surdos. No entanto, para o médico afirmar que essa surdez não foi adquirida por outros fatores de saúde – como tabagismo e diabetes –, e sim pelo nível de ruído da creche, explica Tizuko, precisaria ser feito um estudo mais detalhado. “Mas esses nove adultos com problemas de surdez, representando 30% da população trabalhadora da creche, já levantam um diagnóstico seriíssimo, em que os profissionais da educação pública brasileira precisam prestar atenção.”

Tizuko explica que estudos comprovam que, para uma criança aprender e se desenvolver com qualidade, tornando-se um adulto capacitado, precisa encontrar um ambiente tranqüilo e sem estresse. “Uma creche que deixa seus adultos e crianças estressados devido ao alto índice de ruído é muito preocupante. O ato de aprender a falar da criança fica prejudicado. Como ela vai decodificar as palavras se não ouve direito?”, questiona.

Educador e crianças – A coordenadora ressalta que o estudo não quer apenas apontar problemas, mas quer, sim, mostrar o quanto é imprescindível cuidar da parte física das construções, assim como da quantidade de crianças por sala com um adulto. “Uma boa qualidade de educação se faz pensando nesses detalhes, preocupando-se com a qualidade de formação e saúde do educador, assim como das crianças.”

Foto crédito: Marcia de Castro
Problemas: construções inadequadas e acústica ruim prejudicam ensino

Tizuko propõe, com sua pesquisa, que a política pública de educação pense em diminuir o número de crianças por ambiente, aumente o número de adultos para trabalhar com elas e que estes possam se dividir no vários ambientes da creche. “A concentração de muitas crianças em poucos ambientes, com uma estrutura arquitetônica com pouca adequação, provoca danos sérios na formação da criança.”

Pensar a qualidade e o conforto de um ambiente envolve diferentes variáveis, diz a professora. Uma boa qualidade escolar não depende somente da interação entre as pessoas, do trabalho junto aos pais e do projeto pedagógico. Ela está intrinsecamente ligada também ao mobiliário, aos materiais, à acústica, à temperatura e ao grau de iluminação, insiste Tizuko.

A professora enfatiza que cuidar da formação dos pequenos é desenvolver adultos com grande potencialidade. No entanto, no caso do Brasil, no momento em que as crianças constroem sinapses, elaborando sua base de desenvolvimento, elas encontram um dos piores momentos para aprender. “Estamos jogando fora a potencialidade de uma geração. Essa perda é irrecuperável. Quando se cria um indivíduo com uma base alargada de aprendizado, a potencialidade é maior.”

Tizuko lembra ainda que estudos de neurociências valorizam a educação das crianças pequenas porque comprovaram que educação de qualidade se consegue logo no início da vida dos indivíduos. A professora enfatiza que no Brasil a preocupação está demonstrada só na legislação, mas do ponto de vista de políticas públicas em educação não existe nenhuma ação em prol dessas melhorias.

Para ela, a política pública educacional não dá a devida atenção para a importância de se construir espaços de aprendizado infantil que tenham qualidade e conforto, tanto para quem aprende quanto para quem ensina. “A preocupação é com a quantidade de alunos por ambiente de aprendizado. É uma política cega, que segue um padrão e se preocupa em lotar os ambientes de crianças. Os valores estão todos invertidos”, afirma.

 
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