Criar uma "Embrapa industrial", ou seja, um organismo que produza na indústria o mesmo patamar de pesquisa e desenvolvimento gerado no órgão de pesquisa agropecuária; avançar na coleta, sistematização e produção de informação ambiental através de um sistema informatizado padronizado; e implementar uma rede metrológica a partir do Inmetro para

Crédito foto: Cecília Bastos

viabilizar a padronização tecnológica, industrial e de serviços no país. Essas foram algumas idéias apresentadas durante o Colóquio “2010-2020: Um Período Promissor Para o Brasil?”, realizado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, de 24 a 26 de junho, em homenagem ao professor José Goldemberg. As exposições feitas no encontro deverão ser publicadas em forma de livro, com sugestões para o futuro do Brasil nas próximas décadas, segundo o professor Jacques Marcovitch, organizador do evento.

Marcovitch, organizador do evento: “país evoluirá de forma positiva”


O encontro reuniu representantes da academia, da iniciativa privada, do governo e de organizações não-governamentais para falar de temas cruciais ao desenvolvimento do país. Foi realizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sociedade Brasileira de Física (SBF) e por várias unidades da USP, como a FEA, o Instituto de Estudos Avançados (IEA), a Escola Politécnica, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e os Institutos de Eletrotécnica e Energia (IEE) e de Física.

Novo paradigma – “Goldemberg liderou o grande debate nacional que permitiu responder às questões energéticas a partir de um novo paradigma. Esse debate foi levado à Petrobras e este é um mérito direto de Goldemberg”, disse Ildo Sauer, do Instituto de Eletrotécnica e Energia, que coordenou o módulo Energia e Desenvolvimento Sustentável.

O professor Luiz Augusto Horta Nogueira, da Universidade de Itajubá, em Minas Gerais, sugeriu a implementação de um programa de etiquetagem veicular para sinalizar ao consumidor na hora da compra qual é o consumo do veículo. Lembrou o importante papel da co-geração energética nas indústrias de papel e celulose e de açúcar e álcool e incentivou a busca de “fontes insuspeitas”, a serem descobertas na indústria. 

“A melhor homenagem que posso fazer é apresentar alguns resultados do Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo e do Gás Natural (Conpet), do qual Goldemberg foi o formulador de algumas idéias”, disse Frederico Varejão Marinho, presidente do Conpet. Em dez anos, a eficiência dos fogões aumentou 50%, 60 modelos de aquecedores foram etiquetados e em 2009 espera-se a colocação dos primeiros selos nos veículos dentro do programa de eficiência veicular, disse. “Um dos principais desafios será a solução integrada para a mobilidade urbana e será preciso mobilizar a sociedade para o problema”, afirmou Marinho.


Participantes do colóquio: propostas para um futuro melhor

O professor da Escola Politécnica da USP Marco Antônio Saidel, que coordena o Programa de Uso Racional de Energia Elétrica da USP, incentivou o aprimoramento de indicadores para avaliar a eficiência energética e lembrou a necessidade de ampliar o alcance das regulamentações de mercado sobre o tema. Destacou a necessidade de formar recursos humanos para a área.

Para a professora Suani Teixeira Coelho, do Centro Nacional de Referência em Biomassa, ainda será um desafio nos próximos anos a competitividade econômica das energias fotovoltaica e eólica, assim como a expansão sustentável da agricultura e o aumento de palmáceas para produção de biodiesel. A bioeletricidade enfrenta questões de tarifa e interconexão da rede, lembrou.

No módulo Meio Ambiente e Desenvolvimento, o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Roberto Rodrigues mostrou dados da economia e da agricultura para argumentar que é infundada a polêmica em torno da produção de biocombustíveis versus alimentos.

Na conclusão da jornada, o professor Marcovitch afirmou que as análises “convergiram para a premissa de que até 2020 o país evoluirá de forma positiva, desde que permaneça nos marcos do sistema representativo e adote um modelo reformista, capaz de harmonizar distribuição de renda, crescimento econômico e inovação tecnológica”.

Para Celso Lafer, da Faculdade de Direito da USP, também presente no colóquio, “será pelo avanço do conhecimento e pelo continuado e dedicado empenho na capacitação científico-tecnológica que o Brasil poderá ter condições de lidar bem com a tradução de necessidades internas em possibilidades externas”.

 

“Geração de energia e ambiente andam juntos”

A seguir, declarações de José Goldemberg feitas durante o Colóquio “2010-2020: Um Período Promissor Para o Brasil?”, realizado na FEA.

Universidade

O bom da previsibilidade de recursos para as universidades é que isso permite passar o período de quatro anos de forma tranqüila e, principalmente, com liberdade de gestão. Quanto ao que foi chamado aqui de “ditadura das agências de fomento”, acho difícil conseguir organizar um sistema de baixo para cima com relativa organização. Isso por uma razão simples. O cientista gosta de satisfazer a própria curiosidade. Nessa questão, talvez um pouco de “ditadura”, no bom sentido, seja saudável. Sobre a integração de grupos e desburocratização, de fato existem inúmeros grupos muito bons de ambiente trabalhando na USP sem um interlace, e isso poderia ser melhorado.

Sobre o debate meritocracia versus isonomia, houve essa discussão há 20 anos. Curiosamente, as associações docentes e de funcionários defendiam uma chamada isonomia que acabou nos colocando num atoleiro. Não entenderam muito o que a meritocracia significava. Acho que o movimento em defesa da isonomia foi prejudicial e ajudou a burocratização. Uma tentativa de resolver uma parte desse problema foi a criação das fundações. Outra questão interessante é a dos departamentos, que constituem a estrutura da Universidade. Foram criados para quebrar o poder dos catedráticos da Faculdade de Medicina. Na época, correspondeu a uma democratização. Depois tentaram-se criar os centros departamentais e os núcleos. Alguns deram certo, como no caso da Unicamp. Acho que cada caso depende de carisma e liderança para as pessoas conseguirem mudar as coisas. Não há substituto para liderança e criatividade.

Quanto à relação universidade e empresa, não podemos imaginar que a universidade poderá prever os problemas do futuro. A universidade ensina os princípios básicos. Estes são duradouros, já as técnicas mudam com o tempo. A universidade não pode ficar a reboque da indústria, mas ensinar os princípios básicos para que ela funcione.

Energia

No fim da década de 1970 foi publicado na Suécia o livro Energy for a sustainable world, que assinei em co-autoria com Robert William, Thomas B. Johansson e Amulya K. N. Reddy, que alguns chamam de “os quatro mosqueteiros”. O livro precedeu o Relatório Brundtland e olhou o problema de energia e desenvolvimento da forma como apresentado aqui hoje. Ou seja, energia não é um fim em si mesma; você a quer para fazer coisas. Também chamou atenção para as enormes potencialidades das energias renováveis e da conservação de energia, num momento em que a energia era abundante e barata. Além disso, foi instrumental do Relatório Brundtland no capítulo de energia.

Sobre essas questões, os países em desenvolvimento têm a vantagem dos retardatários, que é se beneficiar das experiências dos outros que já passaram pelas mesmas etapas. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) avançaram bastante na questão da eficiência energética e recentemente o Congresso Nacional aprovou a lei que dá ao governo o instrumento para impor medidas de eficiência. Mas isso ainda é pouco e acho que tais medidas deveriam ser mandatórias. Atualmente são voluntárias. Não entendo essa timidez do governo nessa questão. Não se trata de simplesmente apagar luzes, mas de introduzir equipamentos mais eficientes, no uso doméstico principalmente.

Um exemplo magnífico de medidas mandatórias existe no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, e o resultado é que o consumo per capita de energia hoje se assemelha aos patamares de 1980. Isso é olhar para a frente. Acho positivas algumas iniciativas da prefeitura de São Paulo, entre elas, a de introduzir coletores solares em construções e incentivar a substituição de chuveiros, e se fala seriamente em fazer um código de obras mais exigente, o que também é muito importante.

O Brasil possui uma posição energética privilegiada. Mas acho que não deve baixar a guarda só porque descobriu novos campos de petróleo. Além disso, os leilões não levam em conta os custos ambientais e isso precisa ser considerado. Também é preciso considerar que as energias renováveis custam mais caro e é preciso paciência, porque em tecnologia há uma curva de aprendizado. Além disso, não é possível contar apenas com subsídios, é preciso haver uma combinação de leis. Como diz um candidato norte-americano: “We can do it”. Mas são necessárias medidas corajosas e espero que sejam introduzidas daqui para frente.

Tecnologia

Ocupei vários Ministérios e curiosamente nunca fui ministro de Energia. Estudei o plano 2020, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e acho que o estudo ainda é prisioneiro da idéia de que energia e PIB crescem juntos. Isso precisa ser desacoplado. O plano não melhorou o suficiente; precisa de mais estudos de sensibilidade. Deveria abrir mais o leque, pois assim daria para enxergar que é possível atender às necessidades da população brasileira. Conservação não é só apagar as luzes. É introduzir equipamentos mais modernos e isso se liga ao fato de que a racionalização do sistema energético ainda é muito fraca no Brasil. É preciso atenção para o fato de que o relatório é um plano indicativo, o que deve ser tratado com cuidado no que se refere às empreiteiras. Quando elas conseguem colocar algo no plano, dão os instrumentos para fazê-lo. Tornam realidade algo que é um aceno. Eficiência energética precisa ser entendida no sentido amplo do termo.

Acho incorreta a representatividade futura da biomassa na matriz energética. Ou seja, a geração de eletricidade a partir do bagaço de cana será quatro vezes maior do que o que está no relatório da EPE. Esse levantamento já existe para o estado de São Paulo. As usinas em funcionamento fornecem hoje 1 mil mWh de energia excedente; daqui a três anos serão 4 mil mWh e, em 2015, o correspondente a uma Itaipu. E é isso mesmo. As usinas queriam se livrar do bagaço de qualquer maneira e agora a caldeira mais eficiente é interessante para se livrar do bagaço e para gerar excedente de energia.

Quanto à questão do licenciamento ambiental, resumindo, ainda está tudo por fazer. Quando se planeja um sistema de geração, é preciso colocar o componente ambiental. Agora existe a licença prévia, mas isso não é nenhuma garantia. Precisa melhorar a integração entre planejamento e ambiente. Um bom inventário já incluiria as questões de impactos.

Ambiente

Em 1990, ocupando um cargo equivalente ao de ministro de Ciência e Tecnologia, reuni um conjunto de pesquisadores de universidades para refletir sobre o que a ciência podia fazer pelo Nordeste brasileiro. Depois de seis meses desse trabalho de consultas, a solução que se apresentou era a distribuição de milhares de cisternas pela região, que poderiam captar água e armazená-la, pois lá existem os problemas de chuvas em épocas “erradas” e de distribuição de água. A conclusão disso é que olho com muito ceticismo a idéia da força revolucionária da ciência. No caso da Amazônia, por exemplo, os laboratórios transformam as plantinhas em remédio porque investem milhões para desenvolver um medicamento que pode ser vendido em farmácia.

Acredito que a questão da agricultura familiar e o valor da terra para seus múltiplos usos precisa ser explorada a fundo. Nunca conheci nenhum prefeito que não quisesse derrubar a floresta. A valorização da floresta em pé é uma discussão que ainda está muito no começo. Remunerar pela floresta em pé me parece uma das discussões mais interessantes que já ouvi até agora e acho que é preciso dar um valor de mercado para isso, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Não concordo que a economia extrativista resolveria o problema e esta foi uma discussão azeda que tive com o ambientalista José Lutzenberger. O extrativismo vai até certo ponto. Uma solução também pode ser reflorestar para usar os recursos. A presença do poder público é absolutamente essencial para garantir a integridade da Amazônia, não com a força do Exército, mas sobretudo pelo império da lei. No estado de São Paulo há 100 mil policiais, sendo 2% polícia ambiental, os parques não têm cerca e ninguém os invade. Além disso, é preciso a regularização fundiária.

Vou fazer uma correção histórica do quanto o presidente Lula disse que o Brasil está derrubando floresta. Na verdade, o Brasil já derrubou suas florestas, da mesma forma que a Europa. Temos apenas 10% da mata atlântica. A Amazônia não vai mesmo permanecer intacta. Talvez o futuro da Amazônia seja se constituir num conjunto de mosaicos interessantes.

 
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