Os primeiros imigrantes japoneses que aportaram em Santos para trabalhar de sol a sol nas lavouras de café não ousariam imaginar que um dia seus descendentes seriam reverenciados por um príncipe. Cem anos depois, com as bandeiras brasileira e japonesa nas mãos, os isseis, nisseis, sanseis e yonseis saudaram Naruhito, o primogênito do imperador Akihito e da

Crédito foto: Francisco Emolo

imperatriz Michiko.

Naruhito permaneceu no Brasil durante uma semana, participando das comemorações da imigração japonesa e, no dia 20 de junho, visitou a USP. Foi recepcionado em uma solenidade na Faculdade de Direito, no Largo São Francisco, e fez questão de conversar com um grupo de 40 estudantes de graduação. “Os descendentes de imigrantes representam 14% dos estudantes de graduação e 8% dos docentes da Universidade”, explicou a reitora Suely Vilela no seu discurso, proferido em inglês. Também lembrou a importância do intercâmbio

científico e cultural da USP com as universidades japonesas. “Há cerca de dez convênios em vigor, especialmente nas áreas de tecnologia e agricultura.”

Para surpresa de todos, Naruhito fez questão de falar em português. “Agradeço à USP por esta solenidade. Sinto-me honrado por estar acompanhando as festividades do centenário da imigração japonesa. A minha primeira visita ao Brasil foi em outubro de 1982”, lembrou. “O Brasil e o Japão têm um papel importante no cenário internacional. Por isso, desejo uma parceria cada vez maior e contínua entre os dois países. As universidades são uma fonte de prosperidade.”

Ao ser informado de sua agenda, Naruhito ficou satisfeito por saber que iria conversar com os estudantes. Foi um encontro de meia hora. Os alunos formaram um círculo e se apresentaram falando sobre seu curso, expectativas profissionais e planos para o futuro. Segundo o professor João Grandino Rodas, diretor da Faculdade de Direito, o encontro não foi apenas protocolar. “Ele trocou idéias com os alunos, perguntou sobre suas metas e dificuldades. Acredito que foi um grande estímulo para os estudantes.”


A visita do príncipe Naruhito a São Paulo estreitou ainda mais as relações entre Brasil e Japão e mostrou como a cultura nipônica está presente na nossa sociedade, desde lugares como a Liberdade (acima) até o culto idílico a locais como o emblemático Monte Fuji e a tradições milenares

Francisco Yamauti, aluno de Fisioterapia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, ficou satisfeito com a conversa. “Ele nos ouviu com bastante interesse. Fiquei surpreso porque sempre ouvi meus avós falarem da família imperial como se fossem deuses. Ele foi uma simpatia, quis saber sobre as nossas atividades e disciplinas.”

Naruhito Kotaishi Denka nasceu no dia 23 de fevereiro de 1960, no Palácio Togu, em Tóquio. Graduou-se como historiador, em 1982, na Universidade de Gakushuin, especializando-se em história medieval japonesa. De 1983 até 1985, estudou no Merton College, na Universidade de Oxford, Reino Unido. Em 1988, fez doutorado em Humanidades na Gakushuin e sempre faz questão, em suas viagens, de visitar as universidades e conversar com os jovens.

Naruhito casou-se em 1993 com Masako Owada, que, na época, tinha 29 anos e atuava como diplomata do Ministério de Relações Exteriores do Japão. Mas teve que abandonar a profissão porque a constituição japonesa não permite que membros da família imperial tenham um emprego. No entanto, Masako faz questão de cuidar ela mesma de sua filha, Aiko, hoje com 7 anos, e quebra os protocolos levando a princesinha para brincar com outras crianças nos parques ao redor do Palácio Togu, em Tóquio, onde moram.

Crédito foto: Cecília Bastos
Homenagens ao príncipe do Japão: amizade de cem anos entre o povo brasileiro e o povo japonês

A visita do príncipe, na opinião dos estudantes – muitos deles netos e bisnetos dos primeiros imigrantes –, marca um novo tempo. “Meu bisavô sempre lembrava que tinha sido preso na época da guerra por falar japonês”, contou Claudia Sakai, graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “E hoje o príncipe surpreende falando em português direitinho, pronunciando até as consoantes.”

Claudia veio saudar o príncipe junto com a avó Satiko, de 86 anos, que ainda se recorda do dia em que o imperador Hiroito, no dia 14 de agosto de 1945, declarou na rádio que o Japão tinha perdido a guerra. “Eu era menina e lembro a decepção de todos. Os japoneses, a maioria de lavradores, choravam. Mas a tristeza maior não foi pela derrota, mas por ouvir o imperador falando como um homem normal. E a sua declaração de que ele não era uma divindade. Só que hoje, vendo o príncipe tão próximo e tão humano, fiquei muito feliz.”

 

USP comemora a amizade de Brasil e Japão

A visita do príncipe Naruhito estendendo a mão e cumprimentando os brasileiros em português marca um novo tempo, estreitando ainda mais os laços de amizade entre o Brasil e o Japão. Na opinião do professor Sedi Hirano, presidente da Comissão do Centenário da Imigração Japonesa da USP, a história dos imigrantes japoneses permeia a história da USP. “Os japoneses priorizam muito a educação. A USP é uma mostra de sua integração no Brasil. Há professores e estudantes japoneses, nisseis, sanseis e yonseis em todas as unidades.”

Desde março, a USP vem promovendo palestras, simpósios, exposições e lançamento de livros para comemorar a chegada do navio Kasato Maru, em Santos, no dia 18 de junho de 1908. A programação continua no decorrer do segundo semestre.

Em agosto, será realizado o seminário internacional “Migrações e Identidade: conflito e novos horizontes”. A realização é da USP, em parceria com a Universidade de Osaka. A partir do tema, serão debatidas questões importantes sobre educação, família, sociedade e religião, tendo como fio condutor a questão da identidade. A comissão científica será presidida por Sedi Hirano e Maria Luiza Tucci Carneiro, com a participação de Junji Koisume e Mayumi Kudo, da Universidade de Osaka. Esse evento vai acontecer entre os dias 5 a 8, no Brasil, e de 24 a 28 em Osaka, no Japão.

Também em agosto, de 6 a 8, será realizado o Encontro Cultural Científico “A Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e os Cem Anos da Imigração Japonesa”. Durante o evento, serão criados um jardim de cerejeiras no campus da USP Leste e uma área para acolher uma muda da árvore jinkobiroba, sobrevivente da explosão da bomba atômica, em Hiroshima. Haverá seminários, exposições de arte, mostra de filmes e apresentação de música japonesa.

Em São Carlos, a Escola de Engenharia, sob a coordenação do professor Francisco Antonio Rocco Lahr, irá apresentar no dia 13 o seminário “Japoneses e seus Descendentes no Desenvolvimento da USP em São Carlos”. O evento será no auditório Jorge Caron e reunirá depoimentos de funcionários, professores e alunos sobre a cultura e educação japonesa. Também haverá um concerto de música e exposição de arte nipo-brasileira.

De 16 a 20 de agosto, haverá o Simpósio de Gastroenterologia, Dermatologia, Oftalmologia e Doenças Infecciosas/Medicina Tropical, com a participação de especialistas da USP e da Universidade de Keio. O evento será no Centro de Convenções Rebouças, sob a coordenação dos professores Yassuhiko Okay, Maria Aparecida Shinakai Yasuda e Clarice Tanaka.

Na Faculdade de Direito, no Largo São Francisco, será apresentado, entre os dias 16 a 20 de agosto, o Simpósio de Direito Comparado: Direito Brasileiro e Direito Japonês. A organização é da USP e Universidade de Keio. Na Casa de Cultura Japonesa da USP, entre os dias 14 a 16, haverá o Simpósio de Estudos Japoneses – Literatura, Cultura e Sociedade. A programação tem a participação do Centro de Estudos Japoneses e do International Research Center for Japanese Studies. 

Ainda em agosto, o Cinusp exibe nos dias 4 e 5 a mostra de cinema “Nikkeis no Brasil”, apresentando filmes de curta e longa-metragem, ficções, documentários, cinejornais e produções caseiras. No dia 5, a mostra “Centenário da Imigração Japonesa: Arte, Cultura e Linguagem” vai ser apresentada na Biblioteca Florestan Fernandes da FFLCH da USP.

Entre as exposições de arte, destaca-se a mostra “Os japoneses no acervo Deops: História e Memória de uma Comunidade de Imigrantes”, na Pinacoteca do Estado. Vai ser inaugurada no início do mês de agosto, sob a curadoria de Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy.

 

A história de todos

É uma história que bem reflete o desafio dos imigrantes japoneses no Brasil. Como todos os filhos dos imigrantes japoneses que foram para as lavouras de café, aquele menino aprendeu a puxar enxada logo cedo. A mãe, Shino Nakamura, era de Nagano e o pai, Yoshitaro Hirano, de Osaka. “Eu era o segundo de seis irmãos. Na tradição japonesa, dizem que o segundo é o mais teimoso.”

Crédito foto: Francisco Emolo
Sedi Hirano: vida de lutas e vitórias

Haja teimosia. O menino queria aprender tudo. Uma inquietação que herdou do pai, que tinha várias habilidades. Trabalhava no campo, executava serviços de pedreiro, marceneiro. “Era mesmo uma figura popular, um excelente goleiro. Mas vivia mudando de cidade. Um nômade.” 

Na escola, tinha algumas dificuldades de aprender o português. “A professora chamou os meus pais e disse que eu estava proibido de ir à escola de japonês, Nihon Gako, onde os filhos dos imigrantes estudavam e preservavam a cultura. Muitos nisseis acabaram deixando de falar o idioma pelo mesmo motivo.”

Até o dia em que a família se mudou para o Jardim América, em São Paulo, a convite de um intermediário da fazenda, para iniciar uma fabricação de bonecas. “Minha mãe ganhou dinheiro com a plantação de tomates e resolveu investir em um novo trabalho. Aí, o choque cultural foi grande. Nós éramos caipiras, com bicho-de-pé, que dormiam em colchão de capim e só conheciam casa de pau-a-pique. Os filhos do patrão nos discriminavam.”

A fábrica não deu certo. E a família se mudou para Itaquera, na zona leste. O menino passou a ser um dos melhores alunos do Grupo Escolar Álvares de Azevedo e do Ginásio Estadual de Poá. Com 13 anos, trabalhava de dia como office-boy e à noite na Escola Estadual Domingos Faustino Sarmiento. “Era uma escola muito politizada. Sarmiento foi um grande estadista argentino. Lá aprendi a refletir sobre a miséria, o subdesenvolvimento. Passei a ler todos os  livros de educadores, antropólogos, sociólogos que me caíam nas mãos. Era tão bom aluno que acabei sendo transferido para o colégio Presidente Roosevelt.”

Pouco tempo depois, o tal menino foi preso. Nome: Sedi Hirano, comunista, segundo as fichas do Deops. Em 1964, no auge do AI-5, o estudante recém-formado em Ciências Sociais na então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP foi chamado por Florestan Fernandes para ocupar a vaga do professor Fernando Henrique Cardoso, que seria deportado. “Eu senti a grande responsabilidade. Na época, contestei: mas por que eu? Havia muita gente melhor. Mas o Florestan argumentou que eu era a pessoa certa porque tinha determinação e nádegas de paquiderme.”

Sedi Hirano foi diretor da FFLCH, pró-reitor de Cultura e Extensão e é o atual presidente da Comissão do Centenário da Imigração Japonesa. Por quase cinco décadas dedicadas à cultura brasileira, vai receber, em agosto, um diploma de honra ao mérito do governo japonês. “É um prêmio que compartilho com os meus seis filhos, a minha esposa Toshimi e todos os descendentes de japoneses que integram a USP.”

 
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