Duas novas audiências públicas para ouvir a comunidade uspiana sobre a reforma do Estatuto da Universidade foram realizadas na semana passada: na terça-feira, dia 5, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), na Cidade Universitária, e na quarta-feira, dia 6, reunindo as Faculdades de Medicina, de Saúde Pública e de

Direito e a Escola de Enfermagem, no auditório da Faculdade de Saúde Pública. Cinco outras reuniões já haviam ocorrido nos campi do interior no primeiro semestre. O objetivo das audiências é ouvir sugestões e opiniões sobre o projeto de reforma, que vem sendo sistematizado por uma comissão especial formada no Conselho Universitário.

De acordo com o presidente da comissão, João Grandino Rodas, diretor da Faculdade de Direito, a proposta deve ser levada entre setembro e outubro à reitora Suely Vilela, a quem cabe apresentá-la ao Conselho. Rodas salientou que a expectativa é que as alterações no Estatuto sejam aprovadas ainda neste ano, embora reconheça que haverá dificuldades, pois são necessários 76 votos entre os 114 integrantes do Conselho.

“Pelo menos em certos tópicos queremos buscar o consenso onde ele possa existir, para aprovar alguma coisa, deixando para o momento seguinte outros itens que precisem de maior discussão ou em que o consenso ainda não existe”, afirmou.

Uma primeira comissão foi constituída no início de 2006 e começou a receber as propostas. O atual grupo, formado por nove docentes, quatro alunos e dois funcionários, foi eleito pelo Conselho Universitário em março deste ano e passou a sistematizar as mais de 200 contribuições recebidas. Os estudantes começaram a participar em junho e os representantes dos funcionários não foram indicados, pois o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) discorda da condução do processo.

Na audiência realizada na FEA, o professor Glaucius Oliva explicou que a ampla maioria das sugestões está relacionada a um número limitado de temas. Para Oliva, as manifestações recebidas da comunidade demonstram que são “esparsos os pontos fortes de mutação”. A comissão optou por concentrar as propostas de alteração em três áreas: descentralização e desburocratização, carreira docente e eleição reitoral (leia o texto abaixo).

Concursos – A maioria dos professores, estudantes e funcionários que se manifestaram no debate da FEA reconheceu o trabalho da comissão, mas apontou temas em que a discussão precisa ser aprofundada. Para o professor Moacyr Aizenstein, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), “as propostas ainda são um pouco tímidas” em relação às mudanças da estrutura de poder na Universidade, que “tem um modelo bastante centralizador e de representatividade limitada”. Um exemplo é o grande número de professores titulares no Conselho Universitário, vários deles “membros natos que muitas vezes representam seus próprios interesses”. Para o docente, é necessário incluir nas instâncias administrativas os professores doutores, “que são os que arejam e ventilam”. “A democratização começa nos conselhos departamentais. Precisamos discutir a base da Universidade, e a partir daí vamos mudar as questões políticas”, defendeu.

Crédito foto: Francisco Emolo
O debate na FEA: professores, funcionários e alunos trocam idéias

Silvio Melhado, docente da Escola Politécnica e representante dos professores associados no Conselho, pediu mudanças nos concursos para professor titular – os quais, afirmou, vêm sendo “pervertidos” por um “trabalho de bastidores” e “uma política um pouco complicada”. A credibilidade dos concursos, na sua opinião, “está sendo jogada no chão por conta dessas suspeições”. Já Hamilton Luiz Corrêa, docente da FEA, disse que não se pode querer tratar todas as unidades da USP da mesma forma. “Os perfis são totalmente diferentes e hoje se quer padronizar”, salientou. Corrêa também registrou que os professores que se dedicam prioritariamente ao ensino estão com dificuldades porque não conseguem publicar e acabam tendo problemas na carreira.

Equilíbrio – Antônio Guimarães, pós-doutorando no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), reivindicou clareza sobre a figura da categoria no Estatuto. “Em alguns momentos, o pós-doc é tratado como aluno, em outros como funcionário e em outros como coisa nenhuma”, disse. A criação de definições mais claras permitiria que os pós-doc fossem incluídos nas comissões formais da Universidade. Maria Carlotto, da Associação dos Pós-Graduandos da USP da Capital (APG-Capital), ressaltou que o intuito de aumentar a eficiência administrativa é bem-vindo porque é fundamental para a realização de pesquisa de excelência. “Deve existir equilíbrio entre eficiência e pluralidade democrática”, defendeu, sugerindo que os departamentos tenham autonomia para formar seus conselhos.

Os alunos de graduação também manifestaram suas preocupações, entre elas a de que a ênfase exagerada na pesquisa está diminuindo a qualidade do trabalho no ensino. Um representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) leu um manifesto que questiona a representatividade dos três segmentos no Conselho Universitário. O texto, assinado pelo DCE e pela APG-Capital, diz que são inadequadas “tanto a composição quanto a forma como foi elaborada a comissão especial para estudar a reforma estatutária da Universidade de São Paulo, dado que esta reproduz as disparidades presentes nas atuais estruturas de poder”. As entidades pedem “a extinção imediata da comissão” e defendem que “o único espaço adequado para esse fim é uma Estatuinte soberana, formada democraticamente pelos três segmentos que compõem a nossa Universidade”. O manifesto foi entregue ao professor Rodas.

Crédito foto: Francisco Emolo
Grandino Rodas: consenso possível

Mérito – Geraldo José da Cunha, funcionário do Centro de Computação Eletrônica (CCE) e membro do Conselho Diretor de Base do Sintusp, afirmou que é necessário estabelecer diretrizes para a carreira dos servidores técnico-administrativos no Estatuto. “Os funcionários estão totalmente excluídos”, disse. “O estigma é de que o funcionário não pensa na Universidade, mas ele pensa sim.” Cunha lamentou ainda que a ascensão na carreira hoje “não leve em conta a experiência, mas o papel”.

O diretor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Marcos Felipe Silva de Sá, membro da comissão especial, ponderou que é preciso haver um equilíbrio maior de forças no Conselho Universitário, “mas sem demonizar os professores titulares”. “O titular não caiu no Conselho de pára-quedas: passou por concursos, chegou à direção de unidade e é provável que tenha mérito para ter assento. Os alunos, doutores e servidores não gostam mais da USP do que os titulares”, afirmou. Silva de Sá apontou ainda que, se há suspeição sobre alguns concursos para professor titular, isso não significa que eles sejam a maioria. “A Universidade não apóia acertos ou conchavos. Se eventualmente acontecem, precisam ser apurados e condenados”, defendeu.

As próximas audiências públicas para discussão da reforma estatutária estão marcadas para esta quinta-feira (14) na Escola de Engenharia de Lorena, às 14h, e na sexta (15) na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no campus da USP Leste, às 10h. A comissão recebe sugestões e comentários pelo e-mail estatuto@usp.br.

 

Menos burocracia e nova carreira docente

A seguir, os três eixos de reforma do Estatuto propostos pela comissão especial.

I. Descentralização, desburocratização, estrutura organizacional e colegiados: uma das idéias é que sejam criadas sub-reitorias ou escritórios regionais que possuam seções dos órgãos centrais. Essas instâncias teriam poderes para decidir sobre questões até certo grau de complexidade, deixando para as alçadas superiores os temas maiores. Seriam três sub-reitorias: uma para a capital, incluindo a USP Leste e a Escola de Engenharia de Lorena – por serem as unidades mais novas –, uma para Ribeirão Preto e uma denominada Central Paulista (Piracicaba, São Carlos, Bauru e Pirassununga). Os conselhos departamentais teriam de 15 a 20 membros, enquanto as congregações teriam de 20 a 40. Os órgãos devem garantir maior participação de estudantes e funcionários.

II. Carreira docente: a comissão propõe os níveis de professor doutor, professor associado 1, 2 e 3 e professor titular. O professor doutor passaria a associado 1 com a livre-docência. A progressão para associado 2 e 3 seria por tempo e mérito, a partir da titulação e de avaliação da Comissão de Atividades Acadêmicas. Todos os associados poderiam a qualquer tempo fazer concurso para titular. O associado 2 poderia assumir o cargo de chefe de departamento e o associado 3, de diretor de unidade. Os níveis de mestre 1 e mestre 2 se destinariam a algumas carreiras e situações específicas.

III. Eleição: o reitor seria eleito em chapa com o vice-reitor, com votação em turno único. O colégio eleitoral seria formado pela superposição do Conselho Universitário e congregações das unidades, e deveria ter maior participação de estudantes e funcionários.

 
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