O modelo de cobertura jornalística para grandes eventos, como os Jogos Olímpicos, traduz uma possível pluralidade no conteúdo dos meios de comunicação de massa, justamente por possibilitar uma ampliação da atual agenda esportiva. As diversas modalidades, inclusive as desconhecidas, neste período, são massificadas na mesma proporção do apoio

destinado ao futebol e aos esportes de rentabilidade segura, como o automobilismo, o tênis e, atualmente, o voleibol, que são estimulados pelo patrocínio, organização e repercussão internacional. O conteúdo dos noticiários e das transmissões esportivas é pautado pela programação diversificada, que privilegia o deporto como um todo, trabalhando o jornalismo de interesse público, como reforça o professor José Coelho Sobrinho, em suas aulas no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

A continuidade desse trabalho – com pequenos ajustes, como a inclusão da educação física – é essencial para a valorização dos noticiários e transmissões especializadas, modificando o atual sistema, que estimula a padronização dos canais, semelhantes em formato e conteúdo. O quadrado “futebol / esportes midiáticos /

desporto em geral / atividades físicas e esportivas” permite o equilíbrio na cobertura jornalística, aumentando o interesse da população por causa do acompanhamento periódico da programação e dos cadernos esportivos.

A principal mudança é a aglutinação dos dois últimos setores, que integrariam a agenda esportiva pela transmissão seletiva de, pelo menos, uma modalidade e uma atividade por dia, escolhida conforme os critérios de seleção determinados pela linha editorial do jornal. A variação da pauta é uma alternativa contra o atual estágio de plágios e repetições observado no jornalismo esportivo brasileiro.

Futebol –Em 1981, o jornalista, professor e pesquisador Ouhydes João Augusto da Fonseca defendeu, na ECA, a tese de doutorado “O cartola e o jornalista: influência da política clubística no jornalismo esportivo em São Paulo”. O contexto estudado por Fonseca é ainda visível na cobertura nacional, com os assuntos relacionados aos clubes de futebol predominando nos cadernos de esportes. Uma dependência que domina a cultura jornalística, prejudicando a seleção das notícias. Conforme o planejamento, as demais modalidades são apenas complementares, escolhidas pela ordem de interesse e de valor. Além do futebol, as demais pautas se relacionam às competições midiáticas (transmitidas pelas emissoras), aos campeões (atletas/equipes com destaque, principalmente, no cenário internacional) e, por último, ao cotidiano (histórias motivadas pelas dificuldades/superação).

A “monocultura” do futebol é reproduzida na maioria dos jornais, independe da mídia. Porém, a fórmula está ficando desgastada e perigosa, com o público sendo obrigado a consumir as notícias de um único esporte, que são reprisadas, muitas vezes, durante vários dias.

A política do esporte também mascara os problemas do futebol. Dois terços do calendário são destinados ao campeonato brasileiro (séries A e B), privilegiando um grupo de apenas 40 clubes e pouco mais de mil jogadores, sendo o restante das agremiações fadado a campeonatos deficitários, como a série C e torneiros organizados pelas federações, como a Copa Federação Paulista de Futebol. Em 2009, a CBF pretende reorganizar a série C, possivelmente com 20 clubes, e criar a série D. A solução para este novo torneio é um campeonato integrado, com a fase de classificação organizada pelas federações e a fase final, com 32 clubes reagrupados no sistema “mata-mata”, financiada pela CBF. O sistema é um estímulo para os cartolas, jogadores e até para a mídia, pela regionalização da primeira fase e a nacionalização da segunda etapa, o que auxilia na busca de anunciantes e na sobrevivência de milhares de jogadores durante o ano todo.

Esportes midiáticos – Além do futebol, as pessoas acompanham, periodicamente, outras modalidades, como o automobilismo, o tênis e o voleibol, que se mantêm na mídia pelo patrocínio, pela organização e pela repercussão internacional. São espaços privilegiados pela concessão das grandes redes, como a Globo. É o noticiário da própria programação. Um quadro para ser expandido, porque o esporte é acessível, dinâmico, podendo ser adaptado conforme a situação física e financeira.

A preferência por um desporto depende do acesso e, por isso, o público conhece o automobilismo, mesmo sem poder praticar a modalidade, principalmente pelo alto custo. O quadro se repete durante os Jogos Olímpicos ou os Jogos Pan-Americanos. Muitas pessoas se aproximam de outras modalidades estimuladas pelas transmissões e pelo jornalismo, descobrindo que o esporte está próximo de sua vida, transformando o cidadão comum em um esportista ou, pelo menos, um torcedor, amante do esporte.

Durante as disputas, o cidadão vibra com a possibilidade de conquista de esportes tradicionais, como a vela, o voleibol, o judô e o hipismo, entre tantos outros (o basquete, o atletismo e a natação) que sempre trazem o orgulho de ser brasileiro, naquele misto de alegria e tristeza pela superação exemplificada no acompanhamento, pelo olhar à bandeira e pelo soletrar do Hino Nacional.

Ao massificar o esporte, o jornalismo tem a possibilidade de conduzir a pauta para além da ânsia pela busca de medalha, mostrando também o cotidiano dos atletas brasileiros, que lutam contra a falta de apoio, muitos deles com medo de o futuro ser igual ao passado, ou seja, alimentado apenas pela esperança. Neste período, o descaso para com o desporto precisa ser discutido, com a “superação” e a “vergonha” determinando a linha editorial dos jornais brasileiros (independente do veículo), sendo as vitórias exaltadas como bandeiras dos repórteres contra a ausência de uma política esportiva nacional.

O debate permite a cobrança da organização de torneios pelas entidades responsáveis, assim como determina uma abertura da programação das redes. Se as emissoras procuram entretenimento, as federações oferecem competições.

Desporto em geral –Durante os Jogos Olímpicos, os jornalistas brasileiros têm a oportunidade de discutir uma mudança no planejamento das futuras coberturas esportivas. Um debate que reavalie a grade de programação, principalmente das emissoras especializadas, bem como a pauta dos noticiários esportivos. O compromisso é de auxiliar o esporte brasileiro, desde o sustento dos atletas até a divulgação das competições.

O estímulo ocorre quando os atletas são mantidos nas manchetes dos principais jornais, tendo o mesmo tratamento dos jogadores de futebol que atuam nos clubes brasileiros e, ainda mais, na Europa. O requisito é que estejam atuando, com seus nomes sendo citados durante a cobertura das principais competições da modalidade, bem como em eventos de interesse midiático, principalmente pela televisão. Na cobertura diária, as diversas modalidades (olímpicas ou não) integrariam o espaço dos periódicos, diferente da prática atual, que relega os esportes considerados “amadores” – talvez pela falta de apoio – à transmissão de especiais ou breves relatos emitidos aleatoriamente pelos meios de comunicação de massa.

A ênfase da mídia aproxima o esporte da educação, da saúde e do emprego, bem como diversifica as transmissões e as notícias esportivas. O objetivo é ir além da possibilidade de conquistas de medalhas e da personificação momentânea dos esportistas, e que o esporte em geral integre os periódicos regularmente, mesmo após as disputas.

Atividades físicas e esportivas – A prática de atividades físicas e desportivas depende da divulgação dos seus benefícios, visando sempre à melhoria da qualidade de vida da população. Cabe ao jornalista, pelo menos, informar as praças disponíveis. Já a parceria com o profissional de educação física e/ou de esportes é fundamental para aproximar (e esclarecer) detalhes como o condicionamento e as regras, diminuindo a distância entre o torcedor e o cidadão que, pela informação, tem a opção de fazer exercícios, pelo menos, três vezes por semana, aumentando as chances de fugir do sedentarismo.

A cultura jornalística vai além da competição, quando os atletas de alta performance são exaltados como exemplos para esta nova sociedade brasileira, avessa ao fracasso e à estética da violência, mas apaixonada pelo esporte e pela educação física, com a educação sendo colocada em primeiro lugar na vida de um povo despojado, feliz e vitorioso. Da superação dos atletas e dos jornalistas depende o cidadão comum, que tem, nos heróis e nas notícias, a esperança de um Brasil melhor. 

Luciano Maluly é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

 
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