Nos últimos anos, a USP aumentou consideravelmente o número de seus doutorandos e pós-doutorandos, ampliou o volume de artigos publicados e citados em revistas de inserção internacional, intensificou os intercâmbios docentes e discentes e melhorou seus indicadores de inclusão social. Mas os desafios ainda são imensos para uma instituição que

Crédito foto: Jorge Maruta

pretende se tornar uma universidade de classe internacional, concluíram em uníssono cinco ex-reitores da USP e a reitora Suely Vilela, durante o encontro A USP e as Universidades de Pesquisa de Classe Mundial: Prioridades de Ação para a Próxima Década. Realizado no dia 20 de agosto no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o evento encerrou o Colóquio 2010-2020: um Período Promissor para o Brasil, realizado de 24 a 26 de junho em homenagem aos 60 anos de atuação profissional do professor José Goldemberg. Os ex-reitores presentes foram:

Goldemberg, Antônio Hélio Guerra Vieira, Flávio Fava de Moraes, Jacques Marcovitch e Adolpho José Melfi.

A exemplo dos projetos temáticos da Fapesp, cujos resultados ganharam projeção mundial – como o Projeto Genoma –, a reitora Suely Vilela destacou a idéia de estruturar e consolidar a formação de redes temáticas em áreas estratégicas, a fim de agilizar e otimizar pesquisas, conquistar resultados mais eficazes e inserir os pesquisadores da USP em projetos de impacto para o Brasil. Uma espécie de “força-tarefa”, com muitas cabeças pensando o mesmo tema. “A USP já está estruturando suas redes temáticas em áreas de grande importância e nas quais tem competência para dar uma contribuição efetiva tanto no cenário nacional como no internacional”, disse a reitora. As áreas são: mudanças climáticas, tecnologia da informação e comunicação, física de materiais, engenharia de materiais, bioenergia, nanotecnologia e nanociências, inovação aeroespacial, agronegócio e saúde animal, educação, economia, recursos naturais, violência, doenças do século 21, insumos para a saúde e biocomplexidade.

Constituir redes temáticas vai ao encontro de outro objetivo apontado pela reitora, o de agregar valor ao conhecimento produzido. Embora exista um avanço na quantidade e na qualidade da pesquisa produzida na Universidade, com seus grupos participando de forma significativa em projetos de impacto – no Biota, a USP tem 21 grupos, ou 49% do total de pesquisadores; nos Projetos Temáticos da Fapesp, tem 245 projetos, ou 21% do total; nos Institutos do Milênio, tem 11 projetos, ou 32% do total; o Cepid tem 50% dos projetos na USP –, ainda existe um descompasso entre o conhecimento produzido e o número de patentes registradas pela USP. “Esse descompasso é o grande desafio do país. A USP tem uma responsabilidade muito grande na produção científica, mas no número de patentes sua participação é ainda muito pequena. A USP tem que avançar na contribuição com a sociedade em agregar valor e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país”, disse Suely.

Crédito foto: Cecília Bastos
Pesquisa em destaque: redes temáticas investigarão temas como mudanças climáticas, nanotecnologia, bioenergia, agronegócio e inovação aeroespacial

Apesar desse descompasso, as perspectivas são boas, tanto pela projeção de aumento do número de pesquisadores de alto nível como pelas ações efetivadas pela Agência USP de Inovação e pelos incentivos proporcionados pela Lei de Inovação, afirmou. O número de pós-doutorandos passou de 24 em 2003 para 548 em 2007, os quais estão inseridos num universo de 1.987 pesquisadores cadastrados na Universidade. “A meta é que a USP tenha pelo menos um pós-doc em cada um de seus programas de pesquisa e as unidades deverão buscar essa meta”, afirmou.

Carreira docente – Segundo a reitora, “tem ganho boa adesão” uma nova proposta para a carreira docente dentro da USP. A idéia é criar três níveis intermediários entre o professor associado e o titular, os quais seriam o associado 1, 2  e 3. Além disso, foi estabelecida uma comissão específica para criar uma nova estrutura de carreira para os técnicos administrativos, com um modelo de gestão por competência, disse.

As propostas para a carreira docente e o corpo técnico integram o Planejamento Estratégico Institucional, elaborado por uma comissão de planejamento instituída em abril de 2007. Segundo a reitora, os resultados dos trabalhos da comissão serão apresentados no workshop Planejando o Futuro – USP 2034, a ser realizado em duas datas, nos meses de setembro e outubro. “Pretendemos deixar nossa contribuição na visão de futuro da USP. O colóquio 2010-2020 trará grande contribuição para esse planejamento”, disse.

De acordo com a reitora, as prioridades do planejamento estratégico incluem a gestão administrativa e financeira, a informatização da administração, introduzindo o conceito do e-administração, o aprimoramento dos sistemas de informatização, a descentralização administrativa e o investimento em recursos humanos.

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Suely Vilela: USP criará redes temáticas de pesquisa em áreas estratégicas

Empreendedorismo deve ser outra palavra de ordem numa instituição de ensino e pesquisa que deseja ser uma universidade de classe mundial, afirmou a reitora. “Empreendedores são profissionais comprometidos com o desenvolvimento do país, representam liderança profissional e intelectual, possuem papel destacado nos destinos do país e têm responsabilidade social. Esse profissional é que terá habilidade para gerenciar as novas relações de trabalho numa sociedade em transformação e a USP tem programas institucionais para formar esse profissional”, disse a reitora, destacando o Programa de Iniciação Científica, o Programa Ensinar com Pesquisa e o Programa Aprender com Extensão, além dos estágios curriculares, dos intercâmbios internacionais, dos estágios de dupla titulação e de cursos extracurriculares.

A reitora mostrou também que o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp) vem conseguindo frear a tendência de diminuição do ingresso de estudantes da rede pública de ensino, através da instituição dos bônus para o vestibular e do Programa de Avaliação Seriada da USP (Pasusp). “A perspectiva a médio prazo é de que 50% dos alunos da USP sejam originários da rede pública. Também pretendemos aumentar o número de estudantes e professores estrangeiros, fortalecendo a diversidade”, disse.

Com a adesão ao Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (Gespública), a USP, que prevê a implementação do modelo de excelência na gestão, tem perspectivas de mudança na cultura organizacional, contribuindo para a valorização da gestão universitária e para uma administração desburocratizada e descentralizada, a fim de que não haja prejuízo das atividades-fim da Universidade, afirmou Suely.

 

O futuro das ciências

Na opinião do professor José Goldemberg, reitor da USP de 1986 a 1990, ao contrário do que ocorreu na década de 1950, quando a física nuclear atraiu para a USP uma série de pessoas interessadas em ciência – o próprio Goldemberg, natural de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, ingressou no curso de Química da USP em 1946 e um ano mais tarde se transferiu para o de Física –, atualmente a Universidade não possui uma área de vanguarda em ciência básica tão atraente como naquela época. “Hoje, a área de vanguarda em física é estudar cosmologia. Mas nisso não estamos bem colocados porque o Brasil não possui grandes simuladores e só poderá entrar nesse campo se for pelo caminho de parcerias e cooperação”, afirmou, durante o encontro A USP e as Universidades de Pesquisa de Classe Mundial, no Instituto de Estudos Avançados (IEA).

Já na área de estados sólidos e materiais, o Brasil pode fazer e tem dado uma enorme contribuição, disse Goldemberg, lembrando o pioneirismo de Mário Schenberg, que iniciou na USP os estudos de um campo que hoje reúne um grande número de pesquisadores no Brasil. “A física do estado sólido continua sendo uma área extremamente atraente do ponto de vista de aplicações e também teórico. Li recentemente que estão desenvolvendo um tecido em que não gruda sujeira. É o mesmo fenômeno que ocorre na planta lótus e está ligado à tensão superficial, que é um tema da graduação em física”, exemplificou.

Crédito foto: Francisco Emolo
Goldemberg: ciência e mundo real

Goldemberg lembrou que “é preciso fazer um esforço para aproximar as ciências básicas do mundo real”, referindo-se à necessidade de aumentar os registros de patentes. “Na verdade, há mais transferência de conhecimento do que se pensa, que não segue a via do registro formal. Mas claramente esta é uma área que precisa ser desenvolvida. Nossos colegas na Universidade precisam se reciclar. Há uma tendência dentro dos departamentos de ciências básicas de olhar aplicações como um campo menos digno e menos justificado para pessoas que querem ser grandes cientistas. É possível fazer uma grande ciência trabalhando em aplicações”, disse.

A biotecnologia hoje é uma área de vanguarda e deve ser estimulada, mas acima de tudo é necessário saber como e por que utilizar os códigos genéticos, lembrou Goldemberg. Para o ex-reitor, a USP já é uma das melhores universidades do mundo e, embora seja expressiva a diferença numérica no ranking, provavelmente a diferença qualitativa entre as melhores colocadas seja mínima, avaliou.

Ao contrário do que ocorria no passado, há agora um número considerável de pesquisadores brasileiros e especialmente na USP que entendem a ciência como ela é feita hoje, disse. “São cientistas que se mantêm atualizados a partir da leitura de revistas científicas. Isso precisa ser aprofundado e só existe um caminho para isso, que é o mérito, que deve ser definido a partir de critérios objetivos.”

Cultura e financiamento – Atual diretor da Fundação Faculdade de Medicina da USP e reitor da USP entre 1993 e 1997, o professor Flávio Fava de Moraes destacou, no encontro A USP e as Universidades de Pesquisa de Classe Mundial, a estratégia de se constituir fundos que contribuam para o orçamento da USP, a exemplo do que ocorre nas grandes universidades estrangeiras. Essa medida, porém, “não está isenta de riscos e não há cultura para adotar essa estratégia”, lembrou.

Crédito foto: Francisco Emolo
Fava: atrair e reter talentos

Fava de Moraes disse que a Universidade precisa “aprender a capitalizar suas pesquisas com parcerias empresariais” e citou o exemplo dos royalties milionários pagos anualmente a uma universidade norte-americana pela patente da bebida isotônica Gatorade. Nesse caminho de capitalização, no entanto, a Universidade não deve esquecer seus valores e virtudes, ressaltou. Deve combater a má conduta, evitar e punir fraudes ligadas à invenção, falsificação e plágio, e fazer frente ao problema da privatização do saber, que é quando grandes marcas e empresas dominam e norteiam as pesquisas dentro de uma instituição de ensino e pesquisa.

Para o ex-reitor, a Universidade deve incrementar parcerias nacionais e internacionais em âmbito público e privado, precisa encontrar meios de atrair e reter talentos e deve melhorar o processo seletivo dos alunos, especialmente na pós-graduação, incluindo docentes e pessoal técnico-administrativo. Na área biomédica, Fava de Moraes lembrou que as prioridades de pesquisa devem focar câncer, saúde mental, geriatria, obesidade, saúde bucal, poluição, novos fármacos, transplantes, imagenologia (diagnóstico por imagem), clonagem e diferenciação de novos órgãos, além das enfermidades emergentes e das negligenciadas.

O modelo Humboldt – Também no encontro, o professor Antônio Hélio Guerra Vieira, reitor de 1982 a 1986, apontou o conflito existente entre o modelo Humboldt – que inspirou as universidades ocidentais a partir da fundação da Universidade Humboldt, de Berlim, na Alemanha, em 1810 – e as escolas técnicas estruturadas no passado.

Para Vieira, “a herança da tradição Humboldt é uma maldição na USP” porque o formato engessa a relação de pesquisadores da Universidade com as empresas. “Professor que não tem seu tempo dedicado integralmente à Universidade não pode ser relegado ao limbo, pois há muitos professores que em tempo parcial têm sido muito mais produtivos que outros que se dedicam exclusivamente. A relação dos pesquisadores com as empresas pode ser uma grande contribuição para o desenvolvimento do país”, defendeu. Além da relação com o setor produtivo, o professor acredita na interdisciplinaridade como ferramenta ao desenvolvimento que deve ser fomentada.

 

Rumo à internacionalização

Para o professor Adolpho José Melfi, reitor da USP de 2001 a 2005 – que também fez palestra durante o encontro A USP e as Universidades de Pesquisa de Classe Mundial, no IEA –, a internacionalização vai além de intercâmbios e convênios e deve ser entendida como um processo de introdução de uma dimensão internacional ou intercultural em todos os aspectos da educação e da cultura”, disse, citando os autores Jane Knigth e Hans De Wit.

Na visão de Melfi, os pontos fracos que a USP deve trabalhar para ser uma universidade de classe mundial devem focar os processos de transferência de tecnologia e de conhecimento para os setores privado e estatal, a promoção do empreendedorismo, a implantação de redes observacionais públicas nas áreas de geofísica, ciências atmosféricas e oceânicas, além da participação mais efetiva em projetos de envergadura internacional.

Melfi sugeriu que a USP enviasse responsáveis pela graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão para visitas ao exterior, a fim de verificar por que determinadas instituições são universidades de excelência no setor de ciências da Terra. Acredita também que a USP deve estimular e privilegiar a formação de grupos multidisciplinares e interdisciplinares para o desenvolvimento de pesquisas em áreas estratégicas, como Amazônia e gestão de recursos hídricos, por exemplo.

Iniciativa e militância – A capacidade de iniciativa nas ações que são próprias da Universidade é uma das premissas para que a USP possa chegar ao nível de universidade de classe mundial, disse o professor Jacques Marcovitch, reitor da USP de 1997 a 2001. “Temos na Universidade uma riqueza decorrente da pluralidade de pensamento e formação. As humanidades ajudaram a Universidade a enxergar esse fato. E, graças a alguns estudos e projeções, sabemos que nos próximos anos continuaremos vivendo em algumas ilhas de modernização, mas num mar de pobreza, apesar dos esforços que os governos irão fazer”, disse Marcovitch. “Por conta disso, a primeira recomendação é como reunir pessoas que trabalham com questões prospectivas para dar à USP a leitura de tendências absolutamente previsíveis hoje na área demográfica, da localização geográfica e suas conseqüências num mundo em transformação.”

Outra recomendação é criar no curto prazo um Fórum das Humanidades. “Temos, na USP, recortes geográficos e recortes de atividades. Mas não temos recortes por áreas. As humanidades se reuniriam para discutir as conexões que poderíamos construir entre as áreas de humanas, garantindo uma formação excelente sem ter que multiplicar o número de cursos. Trata-se de formar um poliglota cultural, sem perder a identidade de cada uma das disciplinas”, disse.

Quando a biblioteca Brasiliana USP estiver completamente concluída, a Universidade precisará ter a dimensão do papel dessa importante biblioteca para a instituição como um todo, disse. “Temos aqui a oportunidade de possuir um dos melhores centros, onde as pessoas se encontrem e se reúnam para refletir os grandes desafios da humanidade, a exemplo do que era o antigo formato da Biblioteca de Alexandria.” Marcovitch defendeu que a internacionalização não deve se restringir apenas ao corpo docente e discente, mas se estender também ao quadro técnico-administrativo. Lembrou que a tradução para o inglês do conteúdo da revista Estudos Avançados, do IEA, disponibilizado on-line é um exemplo de internacionalização.

 
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