A 20ª Bienal Internacional do Livro, ocorrida entre os dias 14 e 24 de agosto, reuniu, no Anhembi, em São Paulo, cerca de 800 mil pessoas. Jovens, crianças e adultos tiveram a oportunidade de conhecer mais de 900 selos editoriais, sendo 4.100 lançamentos e 210 mil títulos expostos. Com um investimento de R$ 21 milhões, a Bienal deste ano

Crédito foto: Cecília Bastos

comemorou os 200 anos da indústria do livro no país, que foi introduzida com a chegada de D. João VI e a família real portuguesa em 1808. Repleto de estandes com livros de todos os gêneros – do romance à auto-ajuda, do científico ao esoterismo –, o espaço contou também com convidados nacionais e internacionais, que se apresentaram em vários eventos promovidos pela Bienal, como o Salão de Idéias, o Espaço Literário, o Espaço Universitário e o Fala, Professor!

Segundo o organizador do Espaço Universitário, o historiador e editor Jaime Pinsky, um dos eventos de grande interesse do público jovem foi a discussão sobre “Ser

Jornalista Hoje – Os Requisitos para um Profissional em um Mundo em Rápida Transformação”. Os jornalistas convidados – Vicente Adorno, da TV Cultura, João Batista Natali Jr., da Folha de S. Paulo, e Leandro Fortes, de Carta Capital – abordaram um tema que vem sendo discutido na mídia diária e deixado muito estudante de jornalismo preocupado com sua carreira profissional: a obrigatoriedade do diploma para a função de jornalista, que está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal. Mesmo sendo um espaço pago para participar, o público compareceu em peso. “Na discussão sobre o diploma para jornalistas, contamos com cerca de cem pessoas, tendo até gente sentada no chão, tamanho o interesse pelo assunto”, disse Pinsky.

Fala Professor!, uma atração tradicional na Bienal, apresentou um ciclo de palestras dedicadas ao processo de educação continuada dos professores de ensino fundamental e médio, e teve como objetivo levar especialistas para atualizar o professor em técnicas, métodos e filosofia do ensino. Neste ano, contou com o destaque da professora e pesquisadora Josette Jolibert, especializada em Didática da Língua Materna, com destaque para o campo da aprendizagem da leitura e produção de textos e a formação de professores. Com um trabalho de socioconstrutivismo no Chile, reconhecido pela Unesco, Josette incentiva crianças a aprender a ler e escrever com mais qualidade. Já quanto aos professores, ela estimula a explorar técnicas de escrita para entender o que estão escrevendo. “A grande vantagem da especialista é trabalhar o construtivismo de forma acessível”, reflete Pinsky.

Crédito foto: Cecília BastosLiteratura brasileira – Outro destaque do evento foi o Espaço Literário. A partir de cinco temas – centenário de Machado de Assis, 200 anos de vinda da Corte Portuguesa ao Brasil, acordo ortográfico dos países de língua portuguesa, centenário da imigração japonesa e 70 anos de publicação do livro Vidas Secas –, a literatura brasileira foi apresentada pela voz de 20 pesquisadores, professores e escritores.

Organizado pelo crítico literário Manoel da Costa Pinto e pelo jornalista Alexandre Agabiti Fernandez, com duas sessões diárias, mediadas por eles, o espaço contou também com o doutor em Lingüística pela USP José Luiz Fiorin, que falou sobre o acordo ortográfico, o professor de Literatura da USP, músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik, que abordou seu mais recente livro, Veneno remédio – O futebol como metáfora, e o jornalista e escritor Humberto Werneck, que deu detalhes sobre seu recém-lançado O santo sujo – A biografia do poeta boêmio Jayme Ovalle, entre outros.

Questionado sobre o papel de uma Bienal em um país de poucos leitores, Costa Pinto ressaltou que as editoras estão cumprindo sua função de levar até o público, que não freqüenta livrarias, um contato mais próximo com os livros e que não é papel delas promover a continuidade da leitura, pois este é um trabalho do poder público. “É claro que o mercado editorial tem o seu interesse em aumentar o número de leitores, mas não tem a função de implantar políticas públicas para que o brasileiro passe a se interessar mais por leitura.”

 

A descoberta da biblioteca

Uma pesquisa intitulada “Retratos da leitura no Brasil”, lançada em livro na 20ª Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, mostrou que três em cada quatro brasileiros não freqüentam bibliotecas e que os leitores, quando freqüentam, o fazem basicamente durante a vida escolar. “Seu uso diminuiu de 62% para menos de 20% na fase adulta, demonstrando que o público não é cativado para descobrir a biblioteca”, explica Zoara Failla, coordenadora do Projeto Biblioteca Viva. Preocupada com esse baixo índice, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) criou, durante a feira, um espaço de aprendizado lúdico e educativo para o público de 7 a 14 anos, denominado Biblioteca Viva.

O espaço contou com um acervo voltado ao público infanto-juvenil de autores e editoras diversas, doado por editores para formar a biblioteca. Com atividades desenvolvidas por atores, pedagogos, bibliotecários e outros profissionais da área, as crianças puderam conhecer a história da comunicação, desde as origens – através da encenação de um teatro todo ambientado na época do “homem das cavernas” – até a concepção de uma biblioteca virtual.

Os alunos do 4º e do 5º ano da Escola Adventista de Americanópolis, no Jabaquara, em São Paulo, percorreram um “túnel do tempo”. Os atores interagiam com as crianças mostrando desde pinturas rupestres até o aparecimento do papiro, da linguagem escrita e da imprensa, levando as crianças a entenderem a importância de uma biblioteca. Depois da dramatização, as crianças eram guiadas para a sala de livros, onde aprendiam a identificar os gêneros. Continuando o passeio, eram convidadas a serem autoras dos seus próprios livros, deslocando-se a uma sala climatizada para escrever e catalogar livros numa biblioteca virtual. I. L.

 

Religião versus religiosidade

“O fim da fé: crise das religiões e do mundo moderno” foi o tema de uma das palestras dadas no Espaço Universitário, na 20ª Bienal Internacional do Livro, no Anhembi, em São Paulo. Discutido pelo filósofo da PUC-SP Mario Sergio Cortella e pelo rabino Nilton Bonder, da Congregação Judaica do Brasil, sob a mediação da jornalista Mona Dorf, o evento reuniu um grande público. Para Cortella, as religiões estão sofrendo uma série de mudanças, mas a religiosidade persiste nos indivíduos, que ele chama de “religiosidade self-service”, ressaltando que a religião “que vale” é a que promove a vida em abundância.

Bonder disse que estamos vivendo em um mundo contrário à concepção de abundância, que só fala em escassez de água e escassez de alimentos, por exemplo. “As religiões estão em crise porque não falam da abundância e nem em desenvolver entre as pessoas uma fraternidade mais ampla.” E acrescentou: “Apesar da nossa consciência, não somos o centro do Universo. Fazemos parte de um grande projeto, mas temos dificuldade em entender como tudo isso se encaixa”.

Cortella terminou sua exposição afirmando que hoje só vamos atrás do que é imediato e nos esquecemos de cultivar o perene. “Estamos vivendo um momento muito difícil para as religiões porque há aquelas que afirmam estar conversando com Deus. A intimidade gerou a facilidade de enganar”, observa. I. L.

 

Entre pequenos grandes leitores

– Mas você é mesmo escritor?

– Sou sim.

– E é muito difícil ser escritor?

– Não, é fácil.

– Como assim?

– É só você olhar em volta. Sentar e escrever. Escrever e escrever, sem pensar em ficar famoso. É só escrever.

– Li o seu  livro O Menino que vendia palavras. Gostei. Esse menino é você?

– Foi um episódio da minha infância. Meu pai me ensinou a ler dicionários. Lia as palavras diferentes e anotava. Quando a professora dava trabalhos de sinônimos, os meninos me pediam ajuda. Então eu trocava as palavras por bolinhas, pipas, carretéis de linha, bolinhas de gude...

– Como é escrever livros para crianças?

– Tenho escrito livros infanto-juvenis, sim, mas na verdade não sei se posso dizer que são livros para crianças ou adolescentes. Acho que livros são para todos. São, na verdade, memórias de infância.

Crédito foto: Cecília Bastos
Crianças e adolescentes na Bienal: esforço para criar novos leitores

Foi uma conversa descontraída entre Ignácio de Loyola Brandão e as crianças que se movimentavam pelos corredores da 20ª Bienal Internacional do Livro, no Anhembi, em São Paulo, na tarde do dia 18, segunda-feira. O escritor bem que gostaria de sentar ali entre o colorido dos livros infantis, vendidos a partir de R$ 1,00, e continuar trocando idéias com aqueles pequenos grandes leitores. “Fico lembrando a minha infância. Naquela época, os escritores eram inacessíveis. Ficavam enclausurados. Lembro que, certa vez, eu me retirei para o litoral para escrever. Fiquei por ali olhando o mar e não consegui redigir uma única linha. Gosto dessa idéia de estar entre os leitores.”

Momentos depois, Loyola continuou relembrando suas histórias de infância no sarau do Prêmio Jabuti, que comemorou 50 anos do troféu reunindo, no decorrer da Bienal, os escritores ganhadores. Loyola ganhou o prêmio com O homem que odiava a segunda-feira. Ele falou sobre o início da carreira em Araraquara, onde nasceu, em 31 de julho de 1936, e do próximo livro, que vai trazer suas lembranças de menino. “Nesse livro eu lavo a minha culpa. Quando era moleque, surrupiava as bolinhas de gude que o meu avô, o marceneiro José Maria, guardava em uma caixa. Nunca entendi por que minha avó, Bianca, dizia que lá estava o seu tesouro. Mas, de bolinha em bolinha, eu fui perdendo esse tesouro. Até o dia em que ele foi pegar a caixa e ficou perplexo. Ficou doente. Só depois fiquei sabendo que aquelas bolinhas eram os olhos dos cavalos de um carrossel que meu avô tinha esculpido ainda jovem. O carrossel foi incendiado e aquelas bolinhas foram o que restaram. Com esse livro, vai meu pedido de desculpas. Literatura é assim, um momento de catarse, de terapia.”

Escritores do futuro – A previsão dos organizadores da Bienal era que 90 mil crianças e jovens integrassem os eventos. Foram agendadas 874 escolas da capital e do interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Cerca de 40 mil desses alunos são de escolas públicas e a sua visitação foi através de passaporte especial cedido pelo governo do estado e pela Prefeitura de São Paulo. 

Crédito foto: Cecília Bastos“Por trás de cada livro tem uma criança. E dentro de cada criança há um escritor”, incentivava a contadora de histórias Yvy de Lima, no estande da Editora FTD, enquanto apontava para os livros infantis. “O importante agora é ler sem parar. Ler é o primeiro passo.” Yvy atua no grupo Ópera Cômica, um dos diversos que estiveram na Bienal contando histórias e orientando as crianças. “Fico impressionada de ver como todos prestam atenção e se interessam pelos livros.”

O incentivo à leitura entre as crianças e adolescentes foi uma das metas da 20ª Bienal do Livro. Daí a oferta de livros a preços surpreendentes. Por R$ 5,00, o visitante pôde comprar livros de R$ 20,00 e até mais caros. As escolas contaram com visitas orientadas nos estandes por monitores. Outra ação inédita foi a instalação de um espaço de 2 mil metros quadrados chamado Ler é Minha Praia, para onde os alunos eram conduzidos após passar pelo pavilhão. Essa área concentrou dois palcos, arena, oficina e a Biblioteca Viva, que contou a história da escrita.

O escritor gaúcho Charles Kiefer, que vem se dedicando ao público infanto-juvenil, acompanhou satisfeito a movimentação, incentivando o leitor e, quem sabe, os futuros escritores. “Seria importante a realização de mais eventos como a Bienal do Livro. É um investimento que deve ser contabilizado de um outro jeito. O importante não é o que se gastou, mas os leitores que conseguimos incentivar.”

Kiefer já recebeu uma série de premiações no Brasil e exterior. Ganhou o Jabuti por O pêndulo do relógio, Um outro olhar e Antologia pessoal. A novela para adolescentes Caminhando na chuva, sua estréia na ficção em 1982, vendeu 100 mil exemplares. E também confirma que por trás de cada livro há uma criança. “Meus livros infantis foram inspirados nas minhas filhas. Certa vez, li um texto para a minha filha mais velha, que me criticou dizendo que aquela história não tinha graça porque não tem tigre nem onça ou cachorro. Aí fui adaptando tudo ao gosto dela. Sempre dá certo.”

Para Kiefer, a conversa com os leitores é essencial no cotidiano do escritor. “Eu recebo muitos e-mails por dia. Procuro responder porque é sempre uma troca boa. Muita gente me pergunta: ‘Será que a internet vai acabar com a leitura do livro impresso?’. Não acredito nisso.” Um debate que Loyola também pontua: “Lembro que, quando apareceu a televisão, muita gente disse que aquilo ia acabar com o cinema e o teatro. Acho que não existe isso, uma coisa não invalida a outra. Só sei que o ruim vai embora e o que é bom está aí para acrescentar”. LEILA KIYOMURA

 
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