O pequeno bauruense Gabriel Marar é uma criança como qualquer outra. Aos 8 anos, apaixonado por futebol, sua brincadeira preferida, costuma chamar a atenção entre os colegas de escola pela simpatia e o sorriso sempre aberto. Mas nem sempre foi assim. Após ser acometido por uma pneumonia durante o parto, Gabriel perdeu a audição e ficou

Crédito foto: Arquivo Cedau Hrac

ausente do mundo dos sons durante os quatro primeiros anos de vida. “Ele freqüentava a escola, mas enfrentava as dificuldades da deficiência, não escutava e ficava sem ação, não acompanhava os demais alunos”, recorda o advogado e publicitário Antonio Carlos Marar, pai de Gabriel.

A vida do garoto começou a mudar em 2004, quando foi selecionado pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, em Bauru, o popular Centrinho, para a cirurgia de implante coclear, prótese de alta tecnologia também conhecida como “ouvido biônico”. Após a seleção, mesmo antes da cirurgia, Gabriel, sua família e seus professores passaram a receber suporte do Centro Educacional do Deficiente Auditivo (Cedau), unidade do hospital especializada no acompanhamento pedagógico a crianças com deficiência auditiva.

“Costumo dizer que a vida do Gabriel é dividida em antes e depois do implante coclear e do contato com o Cedau”, afirma Marar. “Ele atingiu um desenvolvimento que repercutiu muito em sua vida, mas tudo depende bastante do empenho da família em abraçar a causa”, completa o pai. Hoje,

Gabriel freqüenta diariamente as atividades da unidade do Centrinho pela manhã e, no período da tarde, tem um acompanhamento escolar considerado normal. Como ele, outras 30 crianças, em média, são beneficiadas dia após dia pela abordagem especializada do Cedau, trabalho modelo iniciado em 1990 nas dependências do hospital.

Para difundir essa experiência acumulada em quase duas décadas, cinco profissionais da unidade acabam de lançar o livro Manual de orientação para professores de crianças com deficiência auditiva – abordagem aurioral (Editora Santos, 73 páginas). Além das lições tiradas do contato diário com as crianças e seus familiares, o livro reúne o conhecimento trocado com professores durante 14 anos de cursos de capacitação. Desde 1994, o Cedau leva às salas de aula as experiências necessárias para que educadores da rede pública e privada entendam melhor o universo das crianças com deficiência auditiva. Até o final de 2007, as equipes do Centrinho capacitaram 979 professores.

“O livro nasceu de nossa experiência prática diária, da visita às escolas e dos cursos de capacitação”, explica a pedagoga Maria José Monteiro Benjamin Buffa, uma das autoras do manual. “Por mais que seja função dos pais a orientação dos professores, o manual chega para somar e trazer orientações básicas sobre a deficiência auditiva e as condutas que podem auxiliar tanto a família quanto a escola no dia-a-dia”, completa a pedagoga Kátia Fugiwara de Oliveira, também autora da obra.

Crédito foto: Arquivo Cedau Hrac
Atendimento a crianças no Centrinho: manual é resultado de 14 anos de experiência de equipe multidisciplinar do hospital

O manual é estruturado em capítulos que abordam desde as informações básicas sobre as deficiências até as condutas de comunicação, os recursos e os dispositivos usados na reabilitação. “Para as pessoas que não convivem com a deficiência auditiva, por exemplo, o implante coclear ainda é um mito”, exemplifica Kátia Fugiwara.

Confiança – A idéia de escrever um manual para professores não é recente. A proposta surgiu do contato direto com educadores que tiveram a experiência da deficiência dentro da sala de aula. É o caso da professora bauruense Eliana Benetti Sanches, com duas décadas de dedicação ao magistério. Há quatro anos ela teve sua primeira experiência envolvendo um aluno com deficiência auditiva.

“Confesso que foi um grande desafio, pois, apesar de tanto tempo lecionando, não tinha a mínima noção de como trabalhar com essa deficiência. Acredito que a principal dificuldade foi fazer com que o aluno adquirisse confiança em mim e em si mesmo para superar os obstáculos”, afirma a professora. Eliana Benetti freqüentou o curso de capacitação do Cedau e trocou experiências com a equipe multidisciplinar da instituição. “Ao fim, muitas dúvidas foram esclarecidas. Também houve o acompanhamento da fonoaudióloga na escola, assistindo nossas aulas e orientando sobre a melhor maneira de trabalhar”, conta.

Para auxiliar na fixação das dicas e orientações, surgiu, em 1996, a necessidade de um primeiro manual, de estrutura simples e distribuição restrita aos professores que freqüentavam o curso de capacitação mensalmente. “Os professores participavam de nossas atividades, mas sentiam a necessidade de um material de orientação. Quando criamos o primeiro manual, houve um sentimento de segurança e apoio”, relata a pedagoga Andréia Gandolfi Berro.

“Felizmente, como o processo de inclusão social não pára de crescer, nossa equipe resolveu que aquele simples material deveria ganhar nova proporção. É por isso que chamamos essa publicação atual de segunda edição”, explica a pedagoga Maria José Buffa, que também responde pela coordenação do Cedau.

Crédito foto: Arquivo Cedau Hrac

A publicação tem o objetivo de difundir no Brasil as informações apresentadas aos professores da região de Bauru nos cursos e na convivência diária com as profissionais do Centrinho. “Há casos de professores que não sabem sequer onde devem sentar as crianças com deficiência auditiva. Já encontramos crianças isoladas no fundo das salas de aula, totalmente excluídas”, alerta Maria José.

Além dos educadores, os familiares também podem ser beneficiados com o material. “A maioria dos pais de crianças com deficiência auditiva não possui o suporte de uma instituição como o Cedau. O livro pode ser muito útil para eles repassarem as informações aos professores”, sugere a pedagoga Kátia Fugiwara.

Dados da Sociedade Brasileira de Otologia indicam que, de cada mil crianças nascidas no país, de três a cinco já nascem com deficiência auditiva. Segundo o censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 6 milhões de pessoas sofrem com esse tipo de deficiência no Brasil. O censo escolar de 2003 mostra que há apenas 56 mil surdos matriculados em instituições de ensino básico do país. Apenas 3% deles concluem o ensino médio.

Inclusão e oralidade – O Manual de orientação para professores de crianças com deficiência auditiva – Abordagem aurioral reúne a experiência de quatro pedagogas especializadas em deficiência auditiva e de uma fonoaudióloga especializada em educação especial, todas da equipe interdisciplinar do Cedau. As informações contidas no livro partem da abordagem aurioral, ou seja, são baseadas no incentivo da oralidade das crianças com deficiência auditiva. “Adaptamos essa abordagem para o caso dos professores em sala de aula”, ressalta a fonoaudióloga Joseli Soares Brazorotto.

A participação da fonoaudióloga no livro não se resume a contribuições técnicas, como informações sobre equipamentos. “A fonoaudiologia não atua somente nas áreas clínica e terapêutica, mas também na área educacional”, afirma Joseli. “Percebi a importância da visita às escolas. Quando vamos ao contexto escolar, percebemos que os professores ainda não estão instrumentalizados para lidar com as crianças com deficiência auditiva”, complementa a fonoaudióloga.

Para a equipe envolvida na autoria do livro, é perceptível a evolução dos professores quando se estabelece um vínculo com a causa da deficiência auditiva. “A maior parte das crianças são consideradas como idênticas às outras, apesar da deficiência. Porém, cada uma delas é única e, quando não são respeitadas as diferenças, os dois lados perdem”, diz Joseli. “É por isso que quando falamos em inclusão defendemos a diferença, respeitando a potencialidade de cada criança”, finaliza a pedagoga Maria José.

Manual de orientação para professores de crianças com deficiência auditiva – Abordagem aurioral, de Andréa Gandolfi Berro, Joseli Soares Brazorotto, Kátia Fugiwara de Oliveira, Luciane Aparecida Fiori de Godoy e Maria José Monteiro Benjamin Buffa, Editora Santos, R$ 25,00. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail marketing@funcraf.org.br e nas páginas eletrônicas www.editorasantos.com.br e www.booktoy.com.br.

 
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