Para se sentir um pouco como o próprio capitão James Tiberius Kirk na sala de comando do USS Enterprise, da antológica série “Jornada nas Estrelas”, não é preciso ir audaciosamente aonde nenhum homem jamais esteve. A experiência pode ser vivida na zona sul de São Paulo, numa instalação de um jogo colaborativo que simula uma viagem ao

Crédito foto: Cecília Bastos

espaço. É a Nave Mário Schenberg – parceria do Parque de Ciência e Tecnologia (Cientec) com o Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica, ambos da USP –, que cria um ambiente destinado a ensinar e ao mesmo tempo divertir estudantes do ensino fundamental.

“A idéia da nave evoluiu no tempo. Precisávamos de um ambiente de aprendizado diferente, com utilização de tecnologia de ponta, imersão e interatividade”, conta Marta Mantovani, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da

USP e diretora do Cientec. A professora visitou centros no exterior, nos quais a realidade virtual com projeções em três dimensões era o maior atrativo. “Tínhamos a escolha de adquirir algo já pronto ou acreditar em nossa capacidade de desenvolver algo no Brasil. Optei pela segunda alternativa e demos um voto de confiança ao LSI da Poli”, diz. O resultado comprova o acerto da escolha.

Foram cerca de dois anos de trabalho para concluir o projeto, desde o planejamento até os primeiros testes, em janeiro passado, e a abertura oficial para as visitas, em julho. A equipe do Núcleo de Aprendizagem, Trabalho e Entretenimento do LSI, responsável pela Nave, envolveu-se inclusive na definição de qual prédio do parque seria utilizado para a instalação. Foi escolhido o prédio 19, que comportava reformas como a quebra de uma laje para criar um pé direito amplo e valorizar toda a cenografia. Em cada aventura, podem participar até 22 crianças, cuja viagem começa ainda do lado de fora do prédio. Ali, os monitores do Cientec “criam o clima” e dão as primeiras informações sobre o que vai acontecer lá dentro. “Essa garotada não pegou a grande época dos filmes de ficção científica como Alien, Guerra nas Estrelas ou Jornada nas Estrelas”, diz Diego Prado Barroso, aluno do Instituto de Física da USP e monitor no Cientec. “Tentamos resgatar um pouco disso com a nave.”

É Diego quem pergunta: “O que é ficção científica?” No meio do grupo dos alunos do 7º e do 8º ano da Escola Época Positivo de Serrana – município próximo a Ribeirão Preto –, que participou da viagem numa recente tarde de sexta-feira, vem a resposta: “É um filme de ciências mentiroso”, arrisca depois de alguma hesitação Alexandre Paolino, de 12 anos (candidatos a desenvolver tese podem por favor começar a pensar num projeto de mestrado ou doutorado). A porta do prédio se abre e os estudantes conhecem o piso inferior – onde a recepção é feita numa espécie de hangar. Ali, com uma iluminação que lembra um espaço para balada, os jovens assistem a um vídeo que apresenta o projeto e a missão que devem cumprir.

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Um ambiente de aprendizado diferente, com utilização de tecnologia de ponta, imersão e interatividade: assim é a Nave Mário Schenberg

O vídeo também dá informações sobre Mário Schenberg (1914–1990), grande físico brasileiro homenageado no nome da nave. Schenberg lecionou na USP, onde na década de 1950 dirigiu o Departamento de Física da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), e foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em 1969. O vídeo informa os estudantes que, quando jovem, o cientista “foi considerado por Einstein um dos dez físicos mais importantes do mundo”. Terminada a apresentação, é hora de subir a escada para o piso superior e entrar na nave. O silêncio cede lugar ao zunzunzum que prenuncia a expectativa da aventura.

Meteoritos – Uma porta se abre lentamente e os alunos se distribuem pelas seis estações da nave: comando, radar, rota, manutenção, velocidade e energia. Os olhos se movimentam por todo o espaço, e parece que faltam mãos para apertar em todos os botões disponíveis. Cada estação tem um monitor de computador com tela touch screen e os bancos em que os jovens se acomodam. Ali, cada equipe terá que cumprir sua parte na missão, e o desempenho de cada grupo vai influenciar o resultado final. À frente, um telão mostra o passo a passo da viagem. “O jogo foca muito na colaboração. Outros modelos são mais contemplativos, mas esse é mais interativo”, explica Irene Karaguilla Ficheman, gerente do Núcleo de Aprendizagem, Trabalho e Entretenimento do LSI. A decolagem, mostrada no telão, começa com a nave rodeada pelo verde do Parque Cientec; a cortina de fumaça e o skyline da cidade vão ficando cada vez mais longe, até a chegada ao espaço. As crianças entram tanto no espírito da viagem que, numa das primeiras visitas, conta Irene, uma delas pediu para parar a decolagem: queria descer porque estava com medo de não voltar e não ver mais a mãe.

Crédito foto: Cecília BastosNo telão também são mostrados vídeos como o do astronauta Marcos Pontes, que explica o que é gravidade. Os episódios da viagem espacial começam então a ocupar as diversas equipes, que precisam resolver as situações que surgem para o sucesso da missão. “O que se aproximar, a gente pega”, diz um dos alunos na estação radar. Os olhos se esticam e parece que querem dar palpite na estação alheia. Energia, rota e velocidade deixam a nave bem abastecida e no rumo certo. É então que vem o alerta de que uma chuva de meteoritos se aproxima – sim, o jogo é educativo, mas qual é a graça, especialmente para os garotos, de fazer uma viagem numa espécie de videogame gigante se não há nada em que atirar ou destruir? Pressionando freneticamente as telas dos monitores, as equipes tentam atingir o maior número possível de meteoritos. Aí, inevitavelmente, os grupos competem entre si, mas o resultado final, como sempre, depende da ação coletiva.

Salvamento – A nave, porém, é atingida, e é hora de a estação manutenção providenciar o reparo. A equipe dá os comandos corretos e o telão mostra um braço mecânico consertando a fuselagem do lado de fora. Palmas e comemoração: mais uma etapa cumprida. O objetivo maior da missão, contudo, só então é anunciado no telão por um conselheiro do Comando de Salvamento e Paz da Galáxia: o povo de Tectractys está ameaçado pela explosão de seu sol e há pouco tempo para salvá-lo. Para isso, é preciso montar, novamente em equipe, um módulo de resgate.

São três as possibilidades, dependendo do desempenho dos grupos: toda a população é salva; apenas parte dela é resgatada ou nenhum dos Tectractys escapa. Na época da concepção do projeto, chegou-se a discutir se a tripulação da nave também poderia sofrer, digamos, danos colaterais (coisas simples como explodir junto com o sol, por exemplo) e nunca mais voltar à Terra. Prevaleceu a idéia de que os jovens sempre voltariam, resgatando ou não o povo ameaçado.

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Para elaborar o projeto da nave, a professora Maria Mantovani, do IAG, visitou centros do exterior, onde notou que a realidade virtual com projeções em três dimensões era o maior atrativo. “Tínhamos a escolha de adquirir algo já pronto ou acreditar em nossa capacidade de desenvolver algo no Brasil. Optei pela segunda alternativa”

“E agora, vai ter que atirar também?”, pergunta outro aluno, enquanto o módulo de resgate é lançado para o planeta Tectractys. Olhos fixos no telão, todos acompanham a explosão do sol e esperam para saber se conseguiram salvar os habitantes. O sistema de som anuncia que somente parte da população foi salva. Entretanto, o conselheiro do Comando de Salvamento e Paz da Galáxia reaparece no telão para dizer que, de volta para casa, a missão mais importante é ajudar a conservar a vida no planeta Terra.

Cerca de 30 minutos depois da decolagem, a nave pousa no verde do Parque Cientec ao som das palmas dos viajantes. “É um projeto muito interessante e bem atrativo para os alunos”, diz a professora de Ciências Laura do Bem, que acompanhou a turma de Serrana na viagem. Para o estudante Alexandre Paolino – aquele do “filme de ciências mentiroso” –, foi “muito legal”. Ao lado desses jovens aventureiros, cabe a todos os habitantes deste maltratado planeta aprender que a seqüência da vida nele, para a atual e as futuras gerações, depende dos comandos corretos que dermos nas ações nossas de cada dia.

O Parque de Ciência e Tecnologia da USP fica na avenida Miguel Stéfano, 4.200, Água Funda, São Paulo (SP). Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 5077-6312 ou na página eletrônica www.parquecientec.usp.br.

 

Trabalho multidisciplinar

A Nave Mário Schenberg é resultado do trabalho de um grande grupo de colaboradores. Foram mais de 30 pessoas envolvidas, com a coordenação do Núcleo de Aprendizagem, Trabalho e Entretenimento do LSI, a cargo da docente da Escola Politécnica Roseli de Deus Lopes. Engenheiros, artistas plásticos, músicos e outros profissionais, além de alunos bolsistas de diversos cursos, foram contratados para áreas como desenvolvimento de softwares, roteiro e narração. A arquiteta Maria Alice Gonzales, do LSI, trabalhou na direção de arte, cenografia e interfaces. Já o professor Walmir Cardoso, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, foi o consultor para a área de astronomia, enquanto Elizabeth Camargo, mestranda da Faculdade de Educação da USP, e Pedro Paulo Salles, professor do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, criaram a trilha sonora.

“A nave foi um projeto muito especial, entre vários que constavam e alguns que ainda constam de nosso planejamento para realização no parque”, diz a diretora do Cientec, Marta Mantovani. Além de verbas da USP para a reforma das instalações, o projeto teve apoio da Fundação Vitae, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O custo total ficou em cerca de R$ 1 milhão.

“Cada vez mais temos que investir em sistemas com essas características, com abordagens que envolvam os estudantes”, considera a professora Roseli de Deus Lopes, que também dirige a Estação Ciência da USP, no bairro da Lapa. “Não é fazer o sistema interativo por si só, mas também permitir que as crianças conheçam mais os cientistas brasileiros como Mário Schenberg, além de abrir oportunidades para que elas ampliem seus horizontes, procurando novas informações a partir da experiência que tiveram naqueles trinta minutos.” O LSI já tem “na manga”, revela a docente, outros projetos na mesma linha que dependem de patrocínio para sair do papel – ou, no caso, da memória dos computadores.

Visitas – O Parque Cientec, vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, fica na região Sul de São Paulo, nas proximidades do Jardim Zoológico. Foi criado em 2001, numa área que abrigou por sete décadas o Instituto Astronômico e Geofísico (IAG). É uma reserva de mata atlântica de 543 hectares inserida na mancha urbana paulistana e representa mais de 10% do total de áreas verdes da cidade.

O parque tem atrações internas e externas – exposição de matemática, espaço de geofísica, gruta digital, observações na Luneta Zeiss, Alameda do Sistema Solar e trilha ecológica, entre outras – que oferecem atividades de cultura e lazer de qualidade.

Visitas para grupos devem ser agendadas por telefone. Para escolas públicas são gratuitas, para escolas particulares cobra-se taxa de R$ 2,00 por criança. Adultos pagam R$ 4,00, e visitantes acima de 60 anos não pagam.

 
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