O uso de novas tecnologias na promoção do desenvolvimento social e econômico estabelece um claro diferencial entre as nações desenvolvidas e aquelas em desenvolvimento. Na medida em que está provocando uma revolução em todas as atividades humanas, a web, assim como a própria internet, é uma dessas tecnologias que vieram para ficar.


A função primordial de uma universidade é formar recursos humanos altamente qualificados. Fazê-lo com qualidade exige que o docente esteja engajado na produção de conhecimento novo. Por isso, o modelo das universidades públicas paulistas pressupõe um regime de trabalho que ofereça condições para os docentes realizarem pesquisas. Por meio delas expandimos as fronteiras do conhecimento e enriquecemos a cultura científica e tecnológica do país.

Tendo em vista a reconhecida relevância dessas novas tecnologias no processo ensino-aprendizagem, não deveria a universidade, como principal instrumento da sociedade na área educacional de nível superior, se engajar no uso de forma irrestrita, mas responsável, de uma nova

prática de ensino?

Neste artigo, defendemos a idéia de que a USP deve explorar todo o potencial propiciado pelas novas tecnologias, quer seja em experiências de cunho educacional, quer seja no oferecimento de cursos a distância. Isso, no entanto, deve ser feito de maneira cuidadosa e criteriosa, de forma a assegurar a mesma qualidade do ensino presencial por ela oferecido. 

Sendo a universidade o espaço da criatividade e da inovação, ela se aprimora a cada dia levando a cabo experiências de natureza educacional, utilizando as novas tecnologias da informação e da comunicação. Considerando-se sua abrangência, pois envolve cerca de 1.800 cursos, o Open Courseware do Massachusetts Institute of Technology (MIT) é um exemplo de experiência bem-sucedida. A Universidade Harvard ministra cursos a distância que valem créditos na sua grade curricular. Muitas universidades, entre elas algumas de grande prestígio, oferecem cursos de graduação, mestrado e doutorado a distância. As mais cautelosas ministram, numa primeira etapa, apenas cursos de extensão. Outras, em número maior a cada dia, oferecem cursos de graduação. A Universidade Stanford está ministrando o seu primeiro curso a distância neste ano.

Pesquisar, planejar e exercer novas formas de ensino é uma das principais atribuições da universidade. Nosso modelo, baseado em cursos presenciais, usando lousa, giz e apagador, tem sobrevivido bastante bem ao longo dos últimos séculos. Porém, temos hoje perspectivas de introduzir significativas mudanças na nossa forma de ensinar e, indo mais além, de educar. Urge agora encontrar mecanismos institucionais visando à incorporação das novas tecnologias, tanto no apoio ao ensino presencial quanto na ampliação de cursos de extensão e de graduação.

As novas tecnologias reduzirão o custo do ensino de qualidade. A relevância desse aspecto pode ser entendida a partir de um dado bastante significativo. Na graduação, para cada 20 estudantes que concluem o ensino médio, apenas um pode ser atendido pelas instituições públicas de ensino superior do estado de São Paulo. Ou seja, elas atendem a apenas 5% da demanda. Considerando-se que o nosso estado investe 10% da sua receita líquida na educação superior, e admitindo-se o atual modelo, seria necessário que ele destinasse duas vezes mais do que o seu próprio orçamento para atender apenas às necessidades do ensino superior. Assim, se quisermos atender à demanda crescente pelo ensino de qualidade, o ensino a distância pode ser uma alternativa viável. Portanto, a questão do uso das novas tecnologias não é se devemos utilizá-las para ampliar a oferta de cursos, mas como fazê-lo, e em que ritmo.

O uso das novas tecnologias no ensino pode representar uma quebra de paradigmas. Trata-se de uma forma de democratização do ensino e uma alternativa de inclusão social para aqueles que, por conta da sua condição social ou localização geográfica, não têm acesso ao ensino presencial. Pode a universidade pública se furtar ao uso, à pesquisa e à disseminação de um instrumento tão promissor?

O senso de responsabilidade exigido da USP impõe, por outro lado, muita cautela para que não se comprometa a qualidade do ensino. Ninguém, ao que se saiba, está defendendo a substituição do ensino presencial. A proposta em discussão mantém o ensino presencial e, ao mesmo tempo, amplia a oferta de cursos de claro interesse social através do ensino a distância. Essa cautela se justifica, uma vez que temos um longo caminho pela frente e estamos ainda no estágio inicial, em relação ao uso educacional de algumas dessas novas ferramentas. Ademais, novos modelos educacionais devem ser sugeridos, analisados e avaliados.

Ampliar para quê? Uma nova perspectiva de ampliação de cursos se abre quando analisamos o problema do ensino de Ciências e Matemática no Brasil. É sabido que avaliações recentes colocam o ensino ministrado no Brasil sobre esses tópicos entre os piores do mundo. Acreditamos que os baixos salários dos professores e as deficiências de infra-estrutura respondem por uma parcela da culpa por essa situação. Sabe-se, no entanto, que outro fator também contribui, significativamente, para essa situação. Trata-se da qualificação dos docentes. Na maioria das vezes, aqueles que ensinam – e muitas vezes aqueles que ensinam os professores – não dominam os conteúdos.

A situação na área de Física é dramática. De acordo com o documento “Física para o Brasil – Pensando o futuro”, publicado pela Sociedade Brasileira de Física em 2006, todas as instituições de ensino superior do Brasil, reunidas, formaram 305 licenciados em Física no ano de 2002. Entretanto, esse mesmo documento aponta para a necessidade de 55.000 professores de Física nos próximos dez anos. Assim, é fácil perceber que produzimos cerca de dez vezes menos professores do que o necessário.

O ensino a distância deve ser continuamente questionado e criticado. Qualquer crítica qualificada deve ser, no entanto, embasada em dados. Assim, devemos nos preocupar primeiramente com os métodos científicos de avaliação de cursos a distância, que nos permitam aquilatar a eficácia dessa forma de ensinar. Uma das formas de avaliação, a nosso ver, é a comparação de seus resultados com os do ensino presencial.

Tendo em vista a necessidade de formação de professores na educação básica, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) iniciou um curso a distância na área de Física. Embora incipiente o curso, os alunos têm apresentado o mesmo desempenho e a mesma taxa de evasão dos cursos presenciais. A experiência da UFRJ demonstra que uma universidade de prestígio pode oferecer um ensino a distância mantendo o mesmo nível do ensino presencial.

É nosso entendimento que a USP deve participar de experiências educacionais na modalidade a distância, especialmente no âmbito dos cursos de extensão e cursos de licenciatura, nos diversos ramos das Ciências, da Matemática e da Pedagogia. Essa idéia, por outro lado, não é nova. De fato, a USP já oferece cerca de 70 cursos de extensão e a primeira proposta de um curso de licenciatura a distância na USP foi formulada ainda no ano de 2003. Pensava-se num curso de graduação em Ciências. Essa proposta, como se vê, surgiu bem antes do Programa Universidade Virtual do Estado de são Paulo (Univesp). No momento, ela tramita pelas comissões do Conselho Universitário. A outra proposta concreta é bastante recente. Trata-se de um curso de Licenciatura em Biologia.

A questão central que se coloca nessa discussão é, em nossa opinião, se a USP quer ou não lançar mão das novas tecnologias da informação e da comunicação para resgatar uma enorme dívida social. É sempre possível lançar a culpa nos diversos governos, que, de fato, merecem críticas por não terem equacionado o problema até hoje. No entanto, agora a Universidade está sendo chamada para resolver um problema cuja solução está, claramente, a seu alcance. Deve ela lavar as mãos, como Pilatos, ou contribuir de forma significativa para a melhoria do ensino das várias ciências no Brasil?

Gil da Costa Marques é professor do Instituto de Física da USP e diretor da Coordenadoria de Tecnologia da Informação (CTI) da USP.

 

Convite aos docentes

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