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Estudo de modelagem integrada do NEREUS completa dez anos

“Retornos Crescentes, Custos de Transporte e Crescimento Regional”, Eduardo Amaral Haddad (Professor Titular da FEA-USP)

Tese apresentada ao Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Livre-Docente em Economia, 2004

Aspectos gerais

A Tese “Retornos Crescentes, Custos de Transporte e Crescimento Regional”, que completou dez anos em 2014, reuniu experiências acumuladas pelo Professor Eduardo Haddad com a especificação, implementação e utilização de modelos interregionais de equilíbrio geral computável (IEGC) para a economia brasileira. De certa forma, o trabalho sintetizou conhecimentos adquiridos e renovados nos últimos anos, quando, após a defesa de sua Tese de Doutorado na Universidade de Illinois e o ano de Pós-Doutorado na Universidade de Oxford, Haddad regressou ao Brasil e assumiu o papel de liderança de um grupo de jovens pesquisadores interessados no desenvolvimento de capacitação analítica para a avaliação de novas iniciativas de política econômica no Brasil. O principal objetivo deste núcleo de pesquisadores era dar continuidade ao desenvolvimento e utilização de instrumentais analíticos, baseados em técnicas modernas de modelagem, para o estudo de fenômenos econômicos específicos, enfatizando-se o papel das interações espaciais e a distribuição da atividade e da renda no espaço econômico nacional.

O objeto principal desta Tese, aqui celebrada, se inseria em um esforço de pesquisa mais amplo, referente a um processo de revisão e revalidação dos métodos de análise regional e interregional. Esta vinha sendo a tônica dos últimos encontros da Regional Science Association International, nos Estados Unidos e na Europa. Com os novos desenvolvimentos teóricos associados à Nova Geografia Econômica (NGE), alguns dos métodos tradicionalmente utilizados em estudos regionais vinham sendo contestados sob a insinuação de apresentarem inconsistências teóricas em relação à descrição e à modelagem apropriada de fenômenos econômicos espaciais. Modelos IEGC não estariam livres desta crítica. O que se mostrou, ao longo deste trabalho, é que havia soluções metodológicas inovadoras que permitiam aproximar aspectos teóricos e aplicações empíricas para economias reais, utilizando a economia brasileira como estudo de caso.

Este trabalho representou o quinto grande estudo de fôlego de um conjunto que incluiu também quatro Teses de Doutorado, orientadas pelo Professor Eduardo Haddad e desenvolvidas nos estágios iniciais do NEREUS [Domingues (2002), Almeida (2003), Perobelli (2004), e Porsse (2005)]. Neste contexto, o processo de elaboração de “Retornos Crescentes, Custos de Transporte e Crescimento Regional” beneficiou-se muito da interação entre Haddad e seus pupilos, hoje colegas. Vale ressaltar que, desde a defesa desta Tese, três outras Teses de Doutorado mais recentes beneficiaram-se diretamente desta linha de pesquisa [Santos (2010), Ferraz (2010) e Faria (2012)].

Relevância e originalidade

O objetivo da Tese foi buscar soluções metodológicas inovadoras para lidar com retornos crescentes de escala e custos de transporte, principais pilares da NGE, em modelos espaciais de equilíbrio geral, aplicados para a economia brasileira. A metodologia proposta integrou um modelo IEGC a um modelo de transporte georreferenciado, alcançando satisfatoriamente o objetivo proposto. O sistema integrado de modelagem foi utilizado para ilustrar as potencialidades do método através de aplicações que permitiram dialogar com teóricos da NGE e formuladores de política envolvidos no processo de planejamento regional no Brasil.

A discussão acerca do estado da arte no desenvolvimento de modelos IEGC situou o modelo B-MARIA-27 – modelo interregional para a economia brasileira desenvolvido neste trabalho – em um contexto de pesquisa mais amplo, permitindo-se enfatizar os avanços metodológicos presentes em sua especificação. Dentre os principais avanços alcançados, cabe destacar a incorporação de retornos não-constantes nas funções de produção regionais e a modelagem explícita de custo de transporte.

No primeiro caso, uma abordagem paramétrica foi considerada, visando a introduzir parâmetros de economias de escala no grupo de equações relativas a demandas e preços de fatores primários, dentro de uma estrutura de produção aninhada. Estimativas econométricas foram ajustadas para as formas funcionais do modelo, permitindo analisar, de forma sistemática, as implicações da introdução de retornos não-constantes para o funcionamento do modelo. Os principais resultados sugeriram que, no sistema interregional brasileiro, caracterizado por uma relação centro-periferia, em que São Paulo se destaca como região central, caracterizada pela presença de economias de aglomeração no nível regional, a economia paulista (central) poderia se beneficiar de melhorias no sistema de transporte explorando economias de escala, o que confirmou as expectativas teóricas. Além disso, outro resultado interessante revelou que o papel de retornos crescentes parece ser mais relevante em condições de ofertas mais flexíveis, uma vez que sua contribuição para os resultados de longo prazo mostrou-se mais acentuada.

No caso da modelagem de custos de transporte, a estratégia adotada considerou os apelos teóricos mais sólidos e consistentes da inclusão de um setor de transporte regional no modelo IEGC, e um conjunto de informações mais detalhadas sobre a infraestrutura de transporte do sistema interregional brasileiro, explicitadas através de um modelo de transporte integrado ao modelo IEGC. A integração dos modelos representou uma abordagem unificada que permitiu analisar o papel da infraestrutura de transporte na alocação espacial dos recursos na economia brasileira. A modelagem explícita de custos de transporte, em um modelo IEGC integrado a um modelo de transporte georreferenciado, permitiu também avaliar, sob uma perspectiva macro espacial, os efeitos econômicos de projetos ou programas de transporte específicos. Esta possibilidade analítica proporcionou um instrumental extremamente poderoso para auxiliar o processo de definição de projetos prioritários – com ênfase na focalização espacial – que objetivem otimizar o valor dos benefícios do desenvolvimento econômico regional.

No processo de implementação do modelo, merece destaque o cuidado especial dado ao tratamento dos parâmetros-chave. Sempre que possível, estimativas econométricas consistentes com as formas funcionais do modelo foram efetuadas, proporcionando as estimativas pontuais necessárias para calibragem, bem como desvios-padrão para uso posterior em exercícios de análise de sensibilidade sistemática, tornando o modelo mais aderente à realidade brasileira.

Aplicações

As aplicações ilustrativas do modelo B-MARIA-27 exploraram suas potencialidades analíticas para lidar com questões relacionadas ao sistema de transporte e suas relações com o espaço econômico nacional. Inicialmente, as propriedades do modelo foram exploradas em um conjunto de simulações consistindo na redução generalizada dos custos de transporte entre e dentro das regiões brasileiras, considerando dois ambientes econômicos (fechamentos), refletindo o curto prazo e o longo prazo. A ideia foi avaliar os ganhos potenciais de eficiência sistêmica, associados a ganhos de qualidade da infraestrutura de apoio às atividades econômicas, notadamente da infraestrutura de transporte.

Os principais resultados apontaram para uma “armadilha espacial” polarizada pelo centro de gravidade da economia do País. Em outras palavras, a posição central do Estado de São Paulo e de seu entorno ainda exerceria forte influência sobre os processos espaciais da economia brasileira. No curto prazo, esta influência far-se-ia notar através do papel da economia paulista como ponto focal de convergência de acessibilidade que otimizaria, potencialmente, bem-estar e eficiência das economias periféricas. Ganhos de bem-estar regional, assim como ganhos de eficiência regional, estariam fortemente associados à melhor acessibilidade aos mercados do Sudeste, principalmente São Paulo; além disso, em termos de eficiência sistêmica, a redução dos custos de transação entre estados do Sudeste e do Sul, que apresentam a possibilidade de exploração de retornos crescentes de escala, mostraram-se como principal mecanismo para alavancar o crescimento nacional. No longo prazo, efeitos de re-localização associados à ampliação de mercados de regiões dinâmicas reforçariam a concentração das atividades econômicas.

Deve-se ressaltar que os resultados alcançados neste trabalho apresentavam as limitações estruturais inerentes a modelos EGC de maneira mais ampla, que merecem ser explicitadas. Tais modelos conseguem capturar apenas os efeitos associados à chamada “questão do efeito estático” de uma mudança de política; ou seja, dada a estrutura da economia em questão, análises de impacto podem ser feitas em um arcabouço de estática comparativa. Mudanças estruturais devem ser entendidas apenas como realocação de recursos no espaço econômico. A “questão da trajetória temporal dinâmica”, que envolve temas tais como tecnologia, aprendizado, externalidades e economia política, faz parte do núcleo conceitual de mudanças estruturais, mas não foi incorporada nos resultados da Tese. Até que ponto esta “armadilha espacial” da economia brasileira, revelada no estudo, refere-se a uma “armadilha estrutural” dos métodos empregados permanece ainda uma questão a ser perseguida.

“Reaching the planner”

Os resultados práticos deste trabalho, defendido como Tese de Livre-Docência em outubro de 2004, já se fazem perceber por meio da atuação de pesquisadores do NEREUS e da FIPE. Sua repercussão tem sido extremamente positiva. A metodologia desenvolvida tem sido colocada à prova, dentre outros, no âmbito do planejamento de transportes no Brasil. Dentre os planos, nacionais e estaduais, que se beneficiaram diretamente dos desenvolvimentos metodológicos deste trabalho, destacam-se o Plano Nacional de Logística e Transporte – PNLT (2006-2007 e suas revisões em 2009-2010 e 2011-2012), do Governo Federal; o Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional do Estado do Rio Grande do Sul (2005), denominado RumoS 2015; o Plano Estadual de Logística e Transporte de Minas Gerais – PELT Minas (2006-2007); e o Plano Estadual de Logística e Transportes do Estado do Pará – PELT Pará (2008-2010).

Considerando ainda o contexto das aplicações práticas dos resultados deste trabalho, foi feita uma reflexão sobre a experiência brasileira na utilização de modelos regionais e interregionais, focando a análise em estudos que apresentassem modelos construídos para territórios sub-nacionais no Brasil. Tal discussão revelou algumas características da experiência brasileira com modelos IEGC. Aparte o desenvolvimento de outras metodologias similares, a avaliação do estado das artes permitiu constatar que as aplicações para o caso brasileiro têm acompanhado a fronteira da agenda de pesquisas na área.

O crescente interesse no caso brasileiro deve-se muito à disponibilidade de dados para nossa economia, mas, principalmente, à redução do custo de entrada de novos pesquisadores no campo devido à ampla disseminação das informações técnicas dentro de uma rede internacional de pesquisadores especializados, originada na Austrália e nos Estados Unidos, e, mais especificamente, ao desenvolvimento de aplicativos computacionais em ambientes de trabalho amigáveis.

No processo mais recente de apropriação tecnológica, alguns aspectos merecem destaque. Em primeiro lugar, vale ressaltar que o País, hoje, já possui massa crítica satisfatória para o desenvolvimento de modelos IEGC. Pesquisadores brasileiros, com inserção internacional na área, estão empenhados na capacitação de outros pesquisadores e divulgação da técnica em vários níveis.

O domínio técnico encontra-se já bastante consolidado entre pesquisadores brasileiros. Entretanto, chegou o momento de atingir o próximo patamar. Com poucas exceções, as experiências até então implantadas possuíam um visível viés acadêmico, necessário, contudo, na fase inicial de apropriação tecnológica, quando os pesquisadores necessitam demonstrar domínio metodológico para a comunidade internacional. As primeiras aplicações relatadas referiam-se a estudos prospectivos de temas de interesse genérico para a compreensão de sistemas regionais integrados. Pouca ênfase, via de regra, era dada a problemas específicos da realidade nacional. Em outras palavras, neste primeiro momento, a utilização de dados brasileiros tinha como papel principal demonstrar o domínio de habilidades técnicas específicas, ao se aplicarem metodologias modernas para uma economia real. Esta intenção implícita fez-se notar no desenho das simulações implementadas, que apesar de relevantes para o caso brasileiro, representavam cenários genéricos de fatos econômicos, proporcionando ao pesquisador maior certeza acerca do bom funcionamento do modelo do que dos resultados relevantes para subsidiar decisões de política.

Neste sentido, a principal mensagem do trabalho, do ponto de vista metodológico, foi que o método precisava ainda ser colocado à prova. Em última instância, o que se procura ao desenvolver métodos de análise de impacto regional, como é o caso de modelos IEGC, é que esse instrumental seja útil para avaliação de políticas específicas. Mais importante, por exemplo, que conhecer o impacto de uma queda generalizada do custo de transporte, é conhecer o impacto potencial da duplicação de uma estrada que afeta o custo de transporte dentro do sistema, de maneira tal que se possa avaliar estas alterações considerando suas magnitudes (e sinais) específicas. Dentro do processo de planejamento, passar do geral para o específico traz informações adicionais ainda mais valiosas para os formuladores de planos de desenvolvimento regional, pois possibilita comparações entre conjuntos de políticas compatíveis. Neste contexto, este trabalho pioneiro representou uma mudança significativa na maneira como o instrumental analítico passou a ser utilizado dentro do processo de planejamento no Brasil.

No caso brasileiro, para que se atinjam níveis de excelência ainda mais elevados, abarcando públicos acadêmicos e práticos, sugeria-se, no trabalho, que o desenvolvimento de modelos IEGC deveria caminhar em direção a duas frentes. A primeira, com o objetivo de combater exaustivamente a “síndrome da caixa-preta”, ainda muito resistente nos vários meios, consistiria na busca por formas de disseminação mais ampla dos modelos implementados, seguindo de perto a experiência australiana (MONASH) e americana (GTAP). Esta estratégia permitiria que cada vez mais pesquisadores pudessem replicar simulações e utilizar modelos IEGC para vários fins. A segunda frente, sempre acompanhando os desenvolvimentos recentes da área, buscaria preencher uma lacuna ainda existente (apesar de algumas iniciativas incipientes): atingir os planejadores regionais propiciando-lhes um ferramental poderoso de análise para subsidiar políticas públicas de maneira mais sistemática.

Os avanços verificados na utilização deste ferramental merecem destaque, apresentando excelentes perspectivas de desenvolvimento metodológico, além de possuir um grande apelo prático para auxiliar o processo de planejamento espacial brasileiro. Modelos derivados a partir dos resultados desta Tese têm sido utilizados não apenas para subsidiar o planejamento de transporte do País e suas regiões, como salientado acima, mas também em outras áreas em que a dimensão espacial se torna preponderante para os fenômenos estudados. Casos recentes incluem, por exemplo, desde estudos para avaliação dos efeitos de mudanças climáticas no Brasil (ver www.economiadoclima.org.br) até estudo dos impactos socioeconômicos potenciais da realização dos Jogos Olímpicos na Cidade do Rio de Janeiro em 2016, cujos resultados subsidiaram a candidatura exitosa do País para sediar este evento esportivo. Vale também ressaltar que as aplicações do instrumental desenvolvido neste trabalho têm servido como referencial para o desenvolvimento de modelos IEGC implementados para outros países. Em 2007-2008, o Banco de la República da Colômbia serviu-se da experiência brasileira para desenvolver modelo derivado deste trabalho para auxiliar o desenho de políticas regionais no país. Mais recentemente, Áustria e Líbano também se serviram desta experiência.

Finalmente, também no âmbito acadêmico o trabalho tem sido referência para pesquisadores nacionais e internacionais (ver Haddad, 2009).

Referências

Almeida, E. S. (2003). “Um Modelo de Equilíbrio Geral Aplicado Espacial para Planejamento e Análise de Políticas de Transporte”. Tese de Doutorado, São Paulo, FEA/USP.

Domingues, E. P. (2002). “Dimensão Regional e Setorial da Integração Brasileira na Área de Livre Comércio das Américas”. Tese de Doutorado, São Paulo, FEA/USP.

Faria, W. R. (21012). “Modelagem e Avaliação de Fenômenos Relacionados ao Uso da Terra no Brasil”. Tese de Doutorado, São Paulo, FEA/USP.

Ferraz, Lucas P. C. (2010). “Essays on the General Equilibrium Effects of Barriers to Trade on Economic Growth, Foreign Trade and the Location of Economic Activity in Brazil”, Tese de Doutorado, Rio de Janeiro, EPGE-FGV.

Haddad, E. A. (2009). Interregional Computable General Equilibrium Models. In: M. Sonis and G. J. D. Hewings (Eds.) “Tool Kits in Regional Science: Theory, Models and Estimation”, Advances in Spatial Science, Springer-Verlag.

Perobelli, F. S. (2004). “Análise das Interações Econômicas entre os Estados Brasileiros”. Tese de Doutorado, São Paulo, FEA/USP.

Porsse, A. (2005). “Competição Tributária Regional, Externalidades Fiscais e Federalismo no Brasil: Uma Abordagem de Equilíbrio Geral Computável”, Tese de Doutorado, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Santos, G. (2010). “Política Energética e Desigualdades Regionais na Economia Brasileira”, Tese de Doutorado, São Paulo, FEA/USP.

 

 


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