Quanto vale a informação? A Engenharia de Biossistemas e a Ciência Econômica

Texto enviado pelo professor Dr. Rubens Nunes.

Pretendo discutir aqui como a informação contida nos sistemas produtivos pode ser utilizada em tecnologias capazes de aumentar a produtividade do trabalho, da terra e do capital. O argumento vale em geral, mas no caso da produção agropecuária, em que seres vivos fazem parte do sistema produtivo, a incorporação da informação nas tecnologias parece muito promissora.

As fontes do desenvolvimento econômico. Os economistas sempre se preocuparam com o desenvolvimento econômico e, por isso, propuseram explicações para o fato de as economias crescerem, se diversificarem e, às vezes, declinarem ao longo do tempo. Adam Smith, o pai da Economia, acreditava que o motor do desenvolvimento econômico era a indústria de transformação, pois era o local mais propício para a realização de ganhos de produtividade em consequência da intensificação da divisão do trabalho. Quanto mais especializado em uma tarefa o trabalhador, maior sua produtividade, e maior o excedente (a diferença entre o que o trabalhador produz e o que ele consome).

Subordinadas aos ciclos da natureza, as tarefas na agricultura e na pecuária sucedem-se no tempo, não comportando a especialização. Enquanto na fábrica etapas sucessivas do processo produtivo são realizadas simultaneamente por diferentes trabalhadores especializados, há na agricultura um tempo de plantar e outro de colher. A especialização do trabalho agrícola não faria sentido, pois as atividades específicas são realizadas em diferentes estações do ano.

O agronegócio: a agricultura no paradigma industrial. A partir da segunda metade do século XX, o pessimismo de Smith em relação ao crescimento da produtividade na agropecuária foi crescentemente desmentido: fertilizantes químicos produzidos pela indústria substituíram os fertilizantes orgânicos produzidos na fazenda; os animais de tração foram substituídos por tratores; o uso de espécies de animais e vegetais melhoradas geneticamente difundiu-se … Até as práticas de gestão do estabelecimento agropecuário modificaram-se, assim como as políticas agrícolas. Para capturar essa nova realidade, Davis e Goldberg criaram o conceito de agronegócio: a agropecuária exibia interdependências com a indústria, com o setor de serviços e com o poder público, de modo que não poderia ser apreendida como um sistema auto contido. Entre os atores do agronegócio estabelecem-se fluxos de produtos, moeda e, sobretudo, informação.

As transformações da agropecuária na segunda metade do século XX são conhecidas em seu conjunto como a Revolução Verde. A produção agropecuária de alimentos, fibras e combustíveis cresceu a taxas nunca antes registradas. Contudo, a população mundial também cresceu a taxas inusitadas. A gravidade do problema da fome foi reduzida, mas o problema (que não depende só da produção de alimentos) não foi solucionado. A Revolução Verde também está associada ao uso mais intensivo dos recursos naturais e a impactos ambientais significativos. Os limites do crescimento da produção agropecuária nos moldes da Revolução Verde são dados por restrições ambientais e pelos riscos crescentes da segurança do alimento produzido em sistemas altamente intensivos.

Uma nova fonte de crescimento para a agropecuária. Em relação à informação, a produção animal diferencia-se da indústria de transformação ou do setor de serviços. Os sistemas que incluem a produção animal são complexos, caracterizando-se por um número muito grande de variáveis potencialmente relevantes. Além do número estonteante, as variáveis do sistema relacionam-se entre si de modo complexo, com efeitos de retroalimentação, cumulatividade e dependência em relação à trajetória. O resultado é a eclosão recorrente de fenômenos imprevisíveis. Novas vulnerabilidades associadas à redução da variabilidade genética das espécies, ao aparecimento de novos patógenos, à disseminação de bactérias resistentes a antibióticos e aos problemas decorrentes de segurança do alimento são apenas alguns exemplos das consequências não intencionais da “industrialização” da agropecuária.

Comparado à quantidade de informação contida nos sistemas de produção de seres vivos, as tecnologias adotadas massiçamente utilizam pouca informação, e ainda assim são, em uma perspectiva histórica, eficazes e eficientes, apesar de, vez por outra, eclodirem problemas relacionados às seguranças alimentar e do alimento, bem como ao meio ambiente. A incorporação de mais informação às tecnologias de produção animal e vegetal pode contribuir para a melhora do desempenho da agropecuária (aumento da produtividade e redução dos riscos)?

A resposta, para um economista, é: depende do balanço entre os custos de obter e processar a informação e o benefício gerado pelo uso da informação. O desafio que se apresenta ao engenheiro de biossistemas é identificar as informações cujo monitoramento e controle tem potencial para aumentar a produtividade e/ou reduzir riscos da produção agropecuária, e, em seguida, desenvolver técnicas para a utilização produtiva da informação. As tecnologias da informação tem reduzido intensa e continuamente o custo de coletar, armazenar e processar a informação, o que cria oportunidades para usos economicamente viáveis da informação até o momento subutilizada na produção agropecuária.

As variações de cor de uma folha de milho, por exemplo, muitas vezes imperceptíveis pelo olho humano, podem dar, se devidamente processadas, informação sobre a absorção de nutrientes pela planta. Um biossistema poderia utilizar essa informação, entre muitas outras, para corrigir eventuais carências e, assim, elevar a produtividade da cultura. Do ponto de vista econômico, o único requisito é que o valor do produto adicional obtido com tal tecnologia tem que exceder o custo total do uso da nova técnica. O desafio do engenheiro de biossistemas não se resume a, por exemplo, criar instrumentos para detectar precocemente frangos doentes em um aviário ou a interpretar as carências nutricionais do gado a partir de sinais exteriores, mas fazer tudo isso com viabilidade econômica.

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O professor Dr. Rubens Nunes possui uma formação diferenciada, com ênfase na área de Economia (lattes). Atualmente é professor doutor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, campus de Pirassununga. Seus trabalhos possuem destaque em organização industrial, atuando principalmente na cadeia do agronegócio, competitividade, defesa da concorrência, varejo de alimentos e supermercados.

Contato: rnunes@usp.br 

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