Como explicar o que é a Engenharia de Biossistemas:

Uma das grandes missões que os estudantes e futuros bacharéis do curso de Engenharia de Biossistemas enfentram é: explicar o que é o curso, o que o tal profissional faz e qual o mercado de atuação para os formados nessa graduação.

A Engenharia de Biossistemas é um curso fundado no Brasil no ano de 2009, pela Universidade de São Paulo, e portanto grande parte da população brasileira desconhece o curso e inclusive o profissional Engenheiro de Biossistemas, então qual é a melhor forma para explicar para essas pessoas sobre o curso e a importância desse engenheiro para a sociedade?

A fim de instruí-los sobre como abordar tal explicação, eu, Marcelo Saade Amato, descreverei as minhas experiências ao explicar o que é a Engenharia de Biossistemas para diferentes públicos, e dessa forma espero poder contribuir com o grande número de alunos do curso, que tem essa mesma tarefa diariamente.

Universidade de São Paulo

 O que se aprende no curso:

Vamos começar fragmentando o nome. “Engenharia”: significa que assim como todos os demais cursos que recebem tal título, os 3 (três) primeiros anos são muito semelhantes aos demais cursos de Engenharia. Portanto existe uma carga tradicional de Cálculo, Física, Termodinâmica, Programação de computadores, Mecânica, Fenômenos de Transporte, entre outros. Muitas pessoas, que não conhecem o curso, tentam desvalorizá-lo perguntando: “Mas vocês tem Cálculo III e Eletromagnetismo?” (referindo-se à parte de Matemática e Física do curso). Nesse caso é preciso responder “Sim, temos até Cálculo IV, seguido de Cálculo Numérico. Na parte de física temos além de Eletromagnetismo, Física quântica e Mecânica quântica”.

E qual o significado de “Biossistemas”? A resposta é simples: o nome Biossistemas veio do termo em inglês Biosystems, também chamado de Biological systems e Biological Engineering. Desta forma o curso trata de sistemas biológicos com uma abordagem de engenharia. Por sistemas biológicos, pode-se entender: desde o nível molecular até o nível de ecossistemas, com enfoque ao conhecimento necessário para desenvolvimento científico e desenvolvimento/aperfeiçoamento e implementação de tecnologias que favoreçam a produtividade sustentada de sistemas biológicos. O conhecimento em biossistemas vem através de disciplinas como Bioquímica, Biologia Celular e Molecular, Ecologia, Biologia Comparativa, Zootecnia, Grandes Cultivos, Cultivos Protegidos, Agricultura e Zootecnia de Precisão, Agrometeorologia, Máquinas para Produção Agropecuária, Modelagem e Simulação de Sistemas Biológicos, entre outras disciplinas. A grade do curso é bastante completa e com diversos pré requisitos para garantir a qualidade do profissional a ser formado.

Particularmente, eu tinha certa dificuldade em definir o curso de Engenharia de Biossistemas para leigos até o terceiro ano, principalmente pelo fato de as disciplinas  cursadas durante os primeiros anos serem muito semelhantes às demais Engenharias, exceto pela forte base em biologia e química. A partir do início do quarto ano é possível entender como todas as matérias até então estudadas se relacionam, através de disciplinas como Controle, Automação, Mecatrônica, Robótica, entre outras, permitindo que todos os sistemas biológicos até então estudados possam ser otimizados, através do estudo de sensores, diferentes meios para o processamento de dados, terminando com a geração de uma resposta personalizada para o biossistema, incluindo o sistema de feedback.

Geralmente eu apresento o curso falando “É um curso da Universidade de São Paulo que tem todas as disciplinas convencionais das demais engenharias, e com fortes bases em química e biologia. O foco é capacitar os alunos a trabalharem com sistemas biológicos, sob o aspecto da engenharia, desde a atuação em centros de pesquisa científica, indo até o mercado de produção vegetal e animal e abrangendo também a geração de energia distribuída e administração do próprio empreendimento”.

Grande parte das pessoas, ainda após a explicação, não entende como é possível que um curso possa ser tão abrangente e mesmo assim ensinar conceitos com profundidade. Caso essa seja a situação basta apresentar a realidade “o curso tem duração de 5 anos, em período integral, isso é: 8 horas de aula por dia. A Universidade de São Paulo caprichou nesse curso”. Por experiência própria, e que pode ser confirmada através de outros intercambistas, os alunos norte americanos não acreditam que possamos fazer mais de 30 créditos por semestre (lá os cursos denominados full time tem em média 15 créditos por semestre) com duração de 4 anos. Quanto aos alunos alemães, tive a felicidade de descobrir que em 5 anos, os alunos se formam com bacharel e mestrado em Engenharia. Esses argumentos são excelentes para mostrar aos desinformados como a Engenharia de Biossistemas, oferecida pela Universidade de São Paulo, é um curso digno de todos os créditos possíveis.

O que o profissional faz:

Atuações da Engenharia de Biossistemas: aplicações da Engenharia a diversos sistemas biológicos.
Atuações da Engenharia de Biossistemas: aplicações da Engenharia a diversos sistemas biológicos.

Após explicar sobre o funcionamento do curso, as pessoas, em geral, se interessam pelo mesmo e perguntam por profissionais já atuantes no mercado. A resposta para essa pergunta é simples, pois se o curso tem duração de 5 anos e foi introduzido no Brasil em 2009, a primeira turma, formada pela Universidade de São Paulo, atuará no mercado de trabalho apenas a partir do início de 2014. Porém esse fato não significa que não exista demanda por tal profissional, pois o Brasil carece de Engenheiros e, principalmente, possui vocação para a produção de bens de origem biológica, sendo apontado por fontes internacionais como sendo o celeiro do mundo, a partir de 2020.

Muitas pessoas acreditam que existem apenas três profissões centrais ‘notáveis’: o Médico, o Advogado e o Engenheiro Civil. Em alguns casos é complicado convencer que os 7 bilhões de habitantes do mundo precisam se alimentar e se vestir (com roupas de algodão, por exemplo) e que quem trabalha para abastecer todo esse mercado não são tais profissionais, nem os fazendeiros que trabalham apenas com enxadas.

O Engenheiro de Biossistemas trabalha promovendo soluções de engenharia, principalmente instrumentação, automação e precisão,  para sistemas que envolvam fatores biológicos, tais como as etapas da cadeia de produção vegetal e animal, energia, biocombustíveis e gestão de resíduos na agroindústria, além de serviços de consultoria, administração de projetos em diversas áreas, análise de políticas, entre outros. Apesar de atualmente outros profissionais desenvolverem estas funções, a tendência mundial é que a Engenharia de Biossistemas suceda os demais cursos que abordam Engenharia juntamente com a Biologia, promovendo uma formação mais abrangente e permitindo que os bacharéis tenham uma visão completa de diferentes biossistemas e suas integrações. Observando essa tendência, algumas universidades americanas já incorporaram o termo Biological no nome dos antigos departamentos de Agricultura e Meio Ambiente, cita-se: University of Illinois, Purdue University, Texas A&M, University of Florida, Penn State University, North Carolina State University, entre muitas outras universidades.

O curso, na Universidade de São Paulo, é ministrado por docentes Doutorados em diversas áreas, existindo professores matemáticos, físicos, químicos, veterinários, zootecnistas, economistas, além de engenheiros agrícolas, civis, elétricos, de materiais, de alimentos entre outros. A possibilidade de estudar com docentes de diferentes campos permite a aquisição de uma bagagem teórica excepcional e bastante variada. Durante as aulas os professores mencionam frentes em que o profissional Engenheiro de Biossistemas pode atuar, dentro da área em que eles se especializaram, e é muito satisfatório ver como a grade curricular nos torna profissionais altamente flexíveis, porém altamente especializados em áreas tão promissoras. Uma expressão utilizada para descrever as capacidades do Engenheiro de Biossistemas é: profissional de fronteira – onde devido a abrangência de conhecimentos adquiridos, muitas vezes as áreas dominadas exclusivamente apenas por outras graduações são estudadas a fundo por essa nova Engenharia, com a finalidade de garantir o desenvolvimento e integração de tecnologias atuais com outras que apenas os Engenheiros de Biossistemas estão capacitados a desenvolver.

Importância da Engenharia de Biossistemas: desenvolvimento de projetos que considerem fatores biológicos.

Qual o mercado de atuação:

Uma das perguntas mais incríveis após toda essa explicação detalhada é: “Mas vai ter mercado para você trabalhar quando você se formar?”. Em geral essa pergunta me causa um grande desconforto, pois provavelmente indica que eu não soube explicar as capacidades do profissional.

Para responder essa pergunta da maneira mais completa possível é preciso analisar o mercado de trabalho no futuro. Vamos analisar o meu caso, 2015. Particularmente eu não sei informar precisamente se o mercado imobiliário estará aquecido, ou se a economia estará crescendo, ou se o setor automotivo estará em alta. Felizmente estas perguntas não são essenciais para me esclarecer sobre o mercado de atuação do Engenheiro de Biossistemas. As perguntas que me interessam são: as pessoas irão continuar a se alimentar, se vestir, utilizar energia elétrica e a andar de carro? Haverá preocupação com a questão produção versus preservação ambiental?

A expectativa geral da população é que no futuro o consumo de bens de origem animal e vegetal aumente (indicando que a população possui maior renda e melhores hábitos alimentares), assim como ocorra a valorização de produtos de origem sustentável, como os biocombustíveis. Esse cenário é ideal para o Engenheiro de Biossistemas. Caso tal expectativa não se realize, isto é, caso o consumo de alimentos se reduza, ainda assim o Engenheiro de Biossistemas será demandado devido ao seu potencial de maximizar a produção de produtos de origem biológica, reduzindo os custos e perdas para a produção destes. Esta análise simples permite afirmar que o mercado de trabalho é muito estável para tal profissional, pois está atrelado ao conceito básico de sobrevivência do ser humano.

Uma explicação muito boa sobre o Engenheiro de Biossistemas pode ser encontrada no catálogo de cursos da University of California, segue um trecho traduzido:

“A engenharia de biossistemas é uma graduação em engenharia que usa a biologia como sua principal base científica. Nesta nova era da biologia e biotecnologia, engenheiros precisam trabalhar lado a lado com cientistas da vida para trazer os avanços dos laboratórios para produtos comerciais. Indústrias em produção vegetal e animal, bioenergia, bioprocessamento, biotecnologia, processamento de alimentos, aquacultura, agricultura e produção de florestas precisam de engenheiros com fortes treinamentos em biologia. A respeito dos recursos ambientais, a preservação destes cria diversas oportunidades de engenharia conforme a sociedade esforça-se para manter o equilíbrio da biosfera”. 

Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – USP/FZEA.

Quem garante que o curso vai dar certo:

Caso o fato de o curso já existir em outros países do mundo há muito tempo não seja suficiente para convencer as pessoas de que o curso será um sucesso também no Brasil, existem também outros fatores que demonstram o potencial do curso, por exemplo: em 2013 completou-se 4 (quatro) anos que a Universidade de São Paulo continua investindo no curso de Engenharia de Biossistemas, contratando novos professores exclusivamente para o curso, investindo na construção dos prédios administrativos e laboratórios, aprovando o novo Departamento de Engenharia de Biossistemas, entre outros.

O curso de graduação ainda não possui registro no CREA, órgão regulamentador, porém membros da Universidade de São Paulo já estão organizando todos os documentos a serem apresentados para a oficialização da profissão. É importante ressaltar que as empresas não contratam funcionários apenas pelo grau de instrução, mas sim pela capacidade de desenvolver tarefas, produtos e atividades com qualidade. Alunos recém formados, com 5 anos de estudos, em período integral, com fortes bases em engenharia, química e biologia e que estudaram na Universidade de São Paulo tem uma grande expectativa de produtividade por parte das empresas.

Alguns dos alunos do curso de Bacharel em Engenharia de Biossistemas da Universidade de São Paulo  participam ou já participaram de intercâmbios, trocando experiências com pessoas de outros países e apresentando o curso para outras instituições ao redor do mundo. O curso já enviou alunos para Universidades dos Estados Unidos da América, Itália, Portugal, Alemanha, entre outros. Grande parte dos alunos do curso também esta envolvida com pesquisas científicas patrocinadas por grandes empresas de fomento, como o CNPQ e FAPESP. Outra parte dos estudantes também trabalha na Empresa Junior do curso, que presta consultoria e promove eventos de capacitação profissional na área. Também existem alunos que trabalham em laboratórios dentro da faculdade, assim como outras associações estudantis que agregam qualificações aos futuros profissionais.

É interessante ressaltar histórias de cursos como o de Tecnologia da Informação, que eram pouco divulgados quando lançados, e atualmente oferecem diversas oportunidades de emprego. O mesmo caso é esperado para a Engenharia de Biossistemas, afinal, você consegue contar quantos dos produtos ao seu redor não possuem nenhuma relação com sistemas biológicos e que portanto podem ter seu processo de produção otimizado por Engenheiros de Biossistemas ?

Leia também: Afinal de contas, qual o salário médio do Engenheiro de Biossistemas ?