As mudanças na utilização do solo e suas consequências na agropecuária brasileira

Keylla Guiguer – Bolsista do Programa Aprender com Cultura e Extensão (2013/14). Orientada pelo Prof. Dr. Fabrício Rossi.

Artigo publicado na revista Nature Climate Change analisa mudanças no padrão brasileiro de uso do solo nos últimos 20 anos e ressalta "comoditização" da agricultura (foto:Margi Moss/Projeto Brasil das Águas)
Artigo publicado na revista Nature Climate Change analisa mudanças no padrão brasileiro de uso do solo nos últimos 20 anos e ressalta “comoditização” da agricultura (foto:Margi Moss/Projeto Brasil das Águas)

A agropecuária brasileira vem sofrendo profundas mudanças nas últimas 2 décadas, principalmente em sua relação com o solo, consequência das novas políticas ambientais e da “comoditização” da produção rural brasileira. Estamos mais sustentáveis, produtivos, porém as terras continuam na mão de poucos e os pequenos agricultores têm trocado o campo pela cidade.

Todos estes dados foram mostrados no artigo “Pervasive transition of the Brazilian land-use system” de David Montenegro Lapola, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro e autor principal do artigo que foi destaque na capa da edição de janeiro da revista Nature climate change. O artigo também teve a participação de outros 15 pesquisadores, todos eles brasileiros. As conclusões foram frutos da análise de mais de cem estudos publicados nos últimos 20 anos.

A boa notícia é que segundo os autores, ocorreu nos últimos 10 anos uma dissociação entre expansão agrícola e desmatamento no país, a questão desmatamento é associada ao efeito-estufa que resultou em queda nas emissões totais de gases. Esse fenômeno, segundo os autores, pode ser atribuído tanto a políticas públicas dedicadas à conservação da mata como à “profissionalização” do setor agropecuário, cada vez mais voltado ao mercado externo.

O fato de que a agropecuária brasileira está se tornando cada vez mais intensiva (em insumos e maquinário) e voltada para o mercado internacional parece estar atuando para reduzir a correlação entre a expansão espacial da agropecuária e o desmatamento.

A intensificação porém não resulta apenas da livre operação das forças de mercado, isto é, apenas da expansão da demanda internacional por commodities agrícolas, carne e soja, especialmente. Resulta também da política pública brasileira, especificamente, a criação de áreas protegidas, o monitoramento e punição do desmatamento ilegal, inclusive com restrições à tomada de crédito. Nos últimos dez anos, não só as barreiras legais ao desmatamento foram ampliadas, mas também o aparato institucional necessário para fazer com que as leis ambientais sejam cumpridas.

“Os dados mostram, em 1995, um pico de expansão na agricultura coincidindo com um pico de desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Isso volta a ocorrer entre os anos de 2004 e 2005, quando também houve pico de crescimento do rebanho bovino do Brasil. Após esse período, porém, a expansão agropecuária se desacoplou do desmatamento, que vem caindo em todos os biomas brasileiros”, disse Lapola à Agência FAPESP.

 “As culturas que mais cresceram são as voltadas ao mercado externo, como soja, milho, cana-de-açúcar e carne. É o que chamamos no artigo de “comoditização” da agropecuária brasileira. De olho no mercado estrangeiro, o setor passou a se preocupar mais com os passivos ambientais incorporados em seus produtos. O mercado europeu, principalmente, é muito exigente em relação a essas questões”, avaliou David Montenegro Lapola, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro e autor principal do artigo.

Os avanços das culturas de soja e cana sobre áreas antes usadas como pastagens têm mudado o padrão de uso do solo e surtem efeito positivo no clima local. Em regiões de Cerrado no norte de São Paulo, por exemplo, foi registrada uma redução na temperatura de 0,9° C.“A maior cobertura vegetal aumenta a evapotranspiração, libera mais água para a atmosfera e acaba resfriando o clima localmente. Mas a temperatura ainda não voltou ao que era antes de ocorrer o desmatamento para dar lugar ao pasto. Nessa época, o aquecimento local foi de 1,6° C”, disse Lapola.

A notícia ruim fica por conta do aumento do exôdo rural nas últimas décadas como efeito da “comoditização” e intensificação da agropecuária brasileira.

A intensificação e a orientação exportadora se consubstanciam em um modelo produtivo de larga escala, ou seja, latifúndios monocultores, cujo estabelecimento resulta no êxodo rural de pequenos e médios produtores.

Um dos impactos é a redução do número de minifúndios (i.e., estabelecimentos agropecuários de pequeno porte) em um número absoluto de 470.000. Esta magnitude é relevante tanto por conta do número de pequenos produtores cujas condições de vida foram potencialmente modificadas como pelo fato de que tais produtores são responsáveis por proporção dominante da produção das cultu ras que constituem os itens básicos da dieta brasileira (arroz, feijão, milho, mandioca).

Em locais onde a produção de commodities predomina, onde atualmente apenas 15% da população brasileira vive na zona rural. “Essa migração causou mudança desordenada de uso do solo nas cidades. O resultado foi o aumento no número de favelas e outros tipos de moradias precárias”, afirmou Lapola.

Novo paradigma

No artigo, os autores defendem o estabelecimento no Brasil de um sistema inovador de uso do solo apropriado para regiões tropicais. “O país pode se tornar a maior extensão de florestas protegidas e, ao mesmo tempo, ser uma peça-chave na produção agrícola mundial”, defendeu Lapola.

Entre as recomendações para que esse ideal seja alcançado os pesquisadores destacam a adoção de práticas de manejo já há muito tempo recomendadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como o plantio na palha, além do fortalecimento do Código Florestal (que estabelece limites de uso da propriedade) e a adoção de medidas complementares para assegurar que a legislação ambiental seja cumprida.

Os autores também apontam a necessidade de políticas públicas – entre elas a reforma agrária – que favoreçam um modelo de agricultura mais eficiente e sustentável. “Até mesmo alguns grandes proprietários não têm, atualmente, segurança sobre a posse da terra. Por esse motivo, muitas vezes, colocam meia dúzia de cabeças de gado no terreno apenas para mostrar que está ocupado. Mas, se pretendemos de fato fechar as fronteiras do desmatamento, precisamos aumentar a produtividade nas áreas já disponíveis para a agropecuária”, concluiu Lapola.

A pergunta a ser respondida é: Será que é possível orientar a produção agropecuária brasileira de maneira produtiva, sustentável e ao mesmo tempo mais inclusiva?

Referências:

http://agencia.fapesp.br/18569#.UvDWomMyXx0.facebook

http://www.nature.com/nclimate/journal/v4/n1/full/nclimate2056.html

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