Artigo | edição 5 | Maio-Agosto de 2009
Negro, publicidade e o ideal de branqueamento da sociedade brasileira
 
Carlos Augusto de Miranda e Martins |
 
O Brasil imaginado

Stuart Hall, em seu livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, afirma que “as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”. Nesse sentido, as nações seriam mais do que entes políticos, seriam um sistema de representação cultural (HALL, 2005, p.48).

Dessa forma, argumenta o autor, a cultura nacional pode ser vista como “um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2005, p.50). Tais sentidos estariam “contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas”. A identidade nacional seria, portanto, uma “comunidade imaginada” (HALL, 2005, p.51).

Podemos dizer que o Brasil, enquanto nação, começou a ser “imaginado” na década de 1820, com o advento da Independência. Naquele momento, as elites nacionais careceriam de uma “autoctonia”, ou seja, algo que as diferenciasse do elemento colonizador. Em outras palavras, a sociedade colonial teve que reinventar a sua identidade no momento em que rompeu com a colonização européia (SODRÉ, 1999, p.77).

Vale ressaltar que esse rompimento não significou a desagregação das culturas européia e “colonial”. Na verdade, ocorreu aqui o que Hall chama de transculturação: “grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante” (HALL, 2006, p.31).

Isso significa que os ideais de progresso e civilização positivistas que reinavam no Velho Mundo tiveram papel fundamental na construção de uma cultura nacional brasileira. E nesse “ambiente de importação de idéias”, afirma Muniz Sodré, “as teorias raciais transformavam-se em ferramentas para a invenção de uma identidade nacional” (SODRÉ, 1999, p.85).

O negro era o símbolo maior do atraso e degradação do país. E o racismo científico servia de caução para a imagem de ser bestial e degenerado que já havia sido construída e que estava presente no imaginário nacional. Mais do que um problema social, o negro era uma ameaça ao Brasil que nascia. Não haveria de prosperar e se tornar “civilizada” uma nação constituída majoritariamente por “elementos de cor”.

Se a heterogenia era um dos impeditivos ao progresso, necessitava-se, pois, compor uma nação homogênea e alinhada aos padrões civilizados. É dentro desse cenário que intelectuais e parlamentares vão desenvolver seus projetos políticos de nação.

Ao longo do século XIX, foram pensadas diferentes soluções para o “problema negro”. Enquanto emancipacionistas e abolicionistas pregavam a integração do negro na sociedade, defendendo sua regeneração através da educação (e coação) para o trabalho livre, os imigrantistas, mais afeitos ao racismo científico, acreditavam que somente a vinda de trabalhadores europeus seria suficiente para reabilitar o povo brasileiro. Os africanos e seus descendentes seriam “incapazes de interiorizar sentimentos civilizados sem que antes as virtudes étnicas dos trabalhadores brancos os impregnassem, quer por seu exemplo moralizador, quer pelos cruzamentos inter-raciais” (AZEVEDO, 2004, p.53).

Reduzindo o negro meramente a mão-de-obra, ou branqueando o “povo” através da imigração européia, interessava às elites nacionais naquele momento realizar um projeto de Brasil alinhado com os padrões de civilidade vindos da Europa. Conforme nos diz Sodré: “Era preciso ter um perfil identitário com alguma valorização frente à Europa e, ao mesmo tempo, manter nos lugares dominados os negros e índios, esses que efetivamente constituíam as possibilidades concretas de povo” (SODRÉ, 1999, p.80).

O discurso racial dos grupos políticos brasileiros ressoava na produção cultural da época. Enquanto a literatura ficcional negava a existência do negro “quer social, quer esteticamente” (MOURA, 1988, p.26), na incipiente imprensa brasileira, único meio eficiente de “comunicação de massa”, a imagem dos “elementos de cor” era constantemente associada às idéias de violência, dependência, barbarismo e exotismo. A violência do negro era matéria recorrente dos jornais, tanto é que “expressões como ‘páginas negras’, ‘negro crime’ eram comumente utilizadas para caracterizar atos violentos” (SCHWARCZ, 2001, p.122). No outro lado da moeda estava o escravo fiel e amigo, dependente dos brancos e “naturalmente” incapaz de sobreviver sem a tutela de seu senhor. Além disso, temos o negro imoral, o bêbado, o vadio, o “bruxeiro” e o insubordinado, entre outros.

É evidente que existe como predicado comum a todas essas imagens uma insistente caracterização do negro como ser inferior e incompatível com a “civilização”, o que permitiu a performatização de imagens subalternizadas e negativas da parcela negra da população.

O conceito de performatividade pode ser definido como “proposições que não se limitam a descrever um estado de coisas, mas que fazem com que alguma coisa aconteça”. São expressões que ao serem pronunciadas fazem com que algo se torne efetivo ou se realize, por exemplo: “Eu vos declaro marido e mulher” ou “Declaro inaugurado este monumento” (SILVA, 2000, p.92-93).

Devemos lembrar que expressões inicialmente descritivas podem funcionar como proposições performativas, uma vez que a repetição constante da idéia pode acabar por produzir o fato descrito.

    Em geral, ao dizer algo sobre certas características identitárias de algum grupo cultural, achamos que estamos simplesmente descrevendo uma situação existente, um “fato” do mundo social. O que esquecemos é que aquilo que dizemos faz parte de uma rede mais ampla de atos lingüísticos que, em seu conjunto, contribui para definir ou reforçar a identidade que supostamente apenas estamos descrevendo (SILVA, 2000, p.93).

É nesse sentido que se pode dizer que a direção única das representações sobre o negro dada pela imprensa e pela literatura oitocentistas operavam, de certo modo, como comprovação e justificativa para os discursos dos grupos políticos nacionais. Se as imagens de violento, assassino e degenerado serviam bem ao discurso imigrantista – que apontava a necessidade de “embranquecimento” da população como única solução redentora para o “povo” brasileiro – a imagem de servo bom e amigo, mas dependente, avalizava a possibilidade de integração e a necessidade de tutela dos negros defendida pelos abolicionistas.


Permanências e alterações

Fato é que, ao valorizar a cultura e o biótipo europeu ao mesmo tempo em que escamoteava e estigmatizava os componentes negros da sociedade, o Brasil acabou por criar um registro branco de si mesmo, estabelecendo um modelo de representação no qual os brancos passaram a concentrar todas as características positivas possíveis, enquanto o negro tornava-se a negação de tudo isso. E esse registro tornou-se um instrumento de dominação que atravessou o século e chegou, remodelado, aos dias de hoje:

    O aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista gerou um pensamento racista que perdura até hoje. Como a estrutura da sociedade brasileira, na passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, permaneceu basicamente a mesma, os mecanismos de dominação inclusive ideológicos foram mantidos e aperfeiçoados (MOURA, 1988, p.23).

Isso significa, portanto, que a perpetuação de imagens negativas do negro durante o século XX contribuiu para a manutenção de uma hierarquização social não mais garantida pela escravidão, e sim por fatores econômicos.

O novo século assiste ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, que por nascerem já orientados pelos padrões eurocêntricos forjados no século XIX, acabaram por substituir os antigos instrumentos de performatização das representações sobre o negro, tornando-se, então, mecanismos atualizados de dominação.

Isso implicou também na atualização das representações. As imagens do escravo bom e fiel, do negro violento e degenerado e mesmo o exótico-bestial tão presentes na produção cultural oitocentista aparecem na mídia reelaboradas e transformadas, por exemplo, no trabalhador braçal, no criminoso, no sambista.

    A mídia não somente atualiza a distância que separava, na escravidão, a elite do povo, mas nega, com seu exclusivismo, as identidades culturais afro-brasileira e indígena, as quais não têm acesso, em pé de igualdade, às programações televisiva e radiofônica (D´ADESKY, 2001, p. 93-94).

Assim, poderíamos entender que as imagens e estereótipos negativos através dos quais os negros são apresentados na mídia hoje são frutos daquilo que Sodré chama de traço, ou seja, um “signo presente de um passado ausente” (SODRÉ, 1999, p.118).

O traço seria “um conector histórico, uma espécie de fio intergeracional que preserva os valores éticos de um passado pronto a ser narrado” (SODRÉ, 1999, p.118). Como argumenta o autor, as elites brasileiras vêm há tempos narrando uma história sobre o país cuja continuidade dá-se através de traços de uma mesma forma social; em outras palavras, “reinterpretam-se determinados traços (documentos, textos, idéias, atitudes) como uma ligação ética entre passado e presente” (SODRÉ, 1999, p.119).

O Brasil de hoje seria, portanto, “imaginado” a partir de releituras de nosso passado colonial. O registro branco forjado no século XIX é atualizado pela mídia no século XX de modo a perpetuar uma imagem eurocêntrica do país e uma identidade nacional que valoriza o componente branco da sociedade. Como afirma Joel Zito Araújo:

    Na história das nossas mídias audiovisuais, o desejo de branqueamento da nação, ideário que já estava consolidado desde o século XIX, acabou por se tornar um peso imagético, uma meta racial que nunca provocou rebeldias. Ao contrário, tornou-se convenção e naturalizou-se como estética audiovisual de todas as mídias, incluindo-se aí especialmente a TV, o cinema e a publicidade (ARAÚJO, 2006, p.73).

De fato, as diversas pesquisas acadêmicas voltadas ao estudo da participação do negro nos meios de comunicação sempre foram uníssonas em apontar que, de um modo geral, o negro pouco aparece na mídia, e nas raras vezes em que aparece está quase sempre representado sob estereótipos pejorativos.

No entanto, recentemente, alguns trabalhos têm procurado demonstrar certa transformação nas condições de invisibilidade e estereotipação do negro na mídia. Podemos citar, como exemplo, o artigo O apelo da cor percepções dos consumidores sobre as imagens da diferença racial na propaganda brasileira, texto no qual a autora Ilana Strozenberg afirma:

    Em toda a história da propaganda no Brasil até meados da década de 1980 do século passado, negros e mestiços só apareciam nos anúncios desempenhando papéis subalternos (...)Hoje, já não é isso que se vê. Modelos negros e mestiços são utilizados para nos vender, a todos, os mais diferentes produtos e serviços: de moda e acessórios esportivos a cartões de crédito e eletrodomésticos; sendo que a diferença de cor aparece, agora, como uma característica positiva (STROZENBERG, 2005, p.200-201).

Realmente, é inegável que nos últimos anos venha ocorrendo um aumento na participação de negros nos anúncios publicitários. Seja por pressão do movimento negro ou pautada no politicamente correto, fato é que “a propaganda abriu-se para o afrodescendente”. No entanto, conforme adverte Solange Couceiro de Lima, como “está acontecendo essa abertura, em termos qualitativos e quantitativos, a análise dessas propagandas e de suas mensagens, ainda está demandando pesquisa” (COUCEIRO DE LIMA, 2006, p.58-59).

É exatamente nesse sentido que nosso trabalho se posiciona. Tomamos como objeto de estudo a publicidade veiculada no Brasil nas últimas décadas do século XX, buscando apontar variações no que tange à quantidade, bem como analisar mudanças nas formas de representação do negro ocorridas no período.


Da pesquisa

Devemos ter em mente que a publicidade faz mais do que vender produtos e estimular o consumo, daí o direcionamento de nossa pesquisa para este segmento da mídia. Além de ser o esteio sobre o qual se desenvolve toda a indústria cultural (1), a publicidade é um dos mais eficientes vetores de discursos e mensagens simbólicas:

    Como mostra Judith Williamson (1978), a propaganda ‘interpela’ os indivíduos e convida-os a identificar-se com produtos, imagens e comportamentos. Apresenta uma imagem utópica de novidade, sedução, sucesso e prestígio mediante a compra de certos bens. (...) Por conseguinte, os indivíduos aprendem a identificar-se com valores, modelos e comportamentos sociais através da propaganda (KELLNER, 2001, p.322).

Nosso estudo tem seu marco inicial em 1985, período de redemocratização do país, momento no qual os movimentos políticos e sociais, incluindo o movimento negro, puderam ter uma atuação menos restrita. O final do balizamento é o ano de 2005, época na qual já fervilhava toda uma discussão em torno da questão racial e de ações afirmativas.

É importante citar que este balizamento compreende marcos históricos na luta anti-racista, tais como a criação Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (1986) em São Paulo, o Centenário da Abolição da Escravatura (1988), a celebração dos 300 anos da morte de Zumbi (1995) e a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (2003).

Acreditamos ser este um período demasiado importante na história do negro brasileiro, não apenas pelo valor simbólico das efemérides, mas por toda uma mobilização que acabou por gerar frutos nos mais diversos setores da sociedade, incluindo aí a saúde (com as campanhas sobre a anemia falciforme, por exemplo), a educação e o mercado de trabalho.

Na definição da amostra, optamos por trabalhar com a publicidade veicula em meio impresso (revistas mais especificamente) tendo em vista, a priori, a facilidade de acesso. As redes de televisão raramente arquivam os anúncios por elas veiculados, e buscá-los nos anunciantes ou nas agências inviabilizaria logística e metodologicamente a pesquisa.

Além disso, consideramos o estudo intitulado Media Choices 2000: A Multimedia Involvement Study, realizado pela organização norte-americana Magazine Publishers of America (MPA), que mostrou ser a publicidade em revistas aquela na qual o consumidor norte-americano mais confia e acredita, bem como relatório da consultoria internacional Nielsen que apontou o brasileiro como sendo “o povo que mais acredita em publicidade”, com 67% dos entrevistados dizendo confiar em anúncios de um modo geral e 80% confiando nos anúncios veiculados em revistas (2).

A publicação escolhida para ser nossa fonte documental foi o semanário Veja, do Grupo Abril, tendo em vista ser ela a maior revista brasileira tanto em tiragem (média de 1,1 milhão de exemplares), como em número de leitores (6,9 milhões aproximadamente), tendo circulação nacional e forte presença nas principais regiões metropolitanas do país.

Em segundo lugar, levamos em conta o fato de seu público leitor ser bastante abrangente e equilibrado, sendo 47% de homens e 53% de mulheres, dos quais 17% na faixa dos 10-19 anos; 24% na dos 20-29; 21% na dos 30-39; 17% na dos 40-49; e 21% com 50 anos ou mais. E, apesar de seu forte caráter elitista (73% de seus leitores pertencem às classes A e B), a Veja tem 20% de leitores situados na classe C e 7% de leitores nas classes D e E(3).

Ao focarmos nosso estudo na maior e mais lida revista do país, não buscamos constituir uma amostragem representativa (probabilística) da publicidade nacional e sim uma amostra significativa, que nos permitiria identificar certas nuanças e tendências (4).

Sendo assim, não nos interessou cobrir todo o intervalo proposto (1985 a 2005), tampouco fazer a observação de todos os números publicados. O que fizemos foi compor uma amostra baseada em intervalos de cinco anos (1985, 1990, 1995, 2000 e 2005) e, dentro e cada ano, “pinçamos” aleatoriamente uma edição de cada mês.

A análise do corpus documental deu-se através da leitura de todos os anúncios que continham, de alguma forma, a figura humana, seja ela real (atores, modelos) ou representada por desenhos (história em quadrinhos, charges). Fizeram parte também do corpus, os anúncios nos quais apenas partes específicas do corpo foram mostradas.

Cabe aqui ressaltar que o critério para classificar um personagem como negro foi totalmente subjetivo e, com certeza, não escapa a possíveis discussões (principalmente com relação aos indivíduos fenotipicamente mais claros). Além disso, é importante dizer que optamos pela classificação binária (negros e brancos) por acreditarmos ser esta a mais adequada para uma pesquisa na qual a autoclassificação não é possível.


Dos resultados

Durante o trabalho de campo analisamos 60 exemplares da revista semanal Veja, nos quais foram encontrados 1158 anúncios com presença de figura humana, dos quais apenas 86 apresentavam um ou mais negros, o que equivale a 7% do total. Com relação ao número de atores, quantificamos 3186 dos quais somente 156 eram negros, ou seja, cerca de 5%.

Analisando os números ano a ano, percebemos um aumento lento e gradual no número de anúncios com negros. Partimos de 3% em 1985 para chegarmos a 2005 com inexpressivos 13%, ou seja, foram necessários 20 anos para que o número de peças publicitárias com atores negros crescesse apenas 10%.

Mas apesar de módico, devemos ressaltar que esse crescimento é significativo, vez que nos primeiros 10 anos pesquisados o número de anúncios com negros mais que dobrou (indo de 3% para 7%), enquanto nos 10 anos seguintes há um salto de 7% para 13%.


Tabela 1 – Número de anúncios com negros


Com relação ao número de atores negros, temos uma situação parecida. Apesar da queda de 9% no ano 2000 para 7% em 2005, o avanço foi bastante significativo se levarmos em conta que em 1985 o número de atores negros não passou de 1%, e em 1995 já era de 5%.


Tabela 2 – Número de atores negros


É inegável, portanto, que houve, sim, um aumento de negros na publicidade tanto em números absolutos como em números relativos, porém estamos ainda muito longe de um percentual que se aproxime da realidade sócio-racial brasileira.

Outro aspecto que pudemos extrair de uma análise preliminar do material é a diminuição do número de anúncios no qual o negro aparece de alguma forma ligado aos estereótipos clássicos do trabalhador braçal, do atleta, do artista e do carente social.


Tabela 3 – Número de anúncios com negros estereotipados


A queda no número de anúncios em que o negro é estereotipado é um indício de que com o passar do tempo o negro conquistou papéis diferentes dos que lhe foram historicamente atribuídos. No entanto, fica claro que existe ainda, uma forte permanência dos estereótipos clássicos, haja vista o percentual de 38% de “anúncios estereotipados” no ano de 2005.

Além disso, convém ressaltar que a não-estereotipação do negro num determinado anúncio não significa, necessariamente, que sua imagem seja valorizada, havendo forte tendência ao que chamamos de neutralidade, ou seja, o personagem pode até estar destacado, mas não há nenhum valor positivo agregado a ela.


Considerações finais

Os dados empíricos que obtivemos através de nossa pesquisa de campo deixam claro que sim, houve um aumento na presença do negro na publicidade brasileira. Mais do que isso, reconhecemos a diminuição no número de anúncios com estereótipos e imagens depreciativas.

No entanto há duas questões que merecem ser retomadas: a primeira, é que mesmo com tal mudança, a representatividade numérica do negro na publicidade está longe da representatividade estatística do negro na sociedade brasileira; e a segunda, diz respeito à permanência de aproximadamente 40% de anúncios estereotipados.

Sem querer aqui tirar o mérito de certas pesquisas, esses dois pontos nos levam a crer que há certo otimismo em afirmações como as de Ilana Strozenberg quando diz:

    Hoje muitos modelos negros disputam o mercado publicitário. Cada vez mais, rostos e corpos escuros ocupam lugar de destaque nos outdoors, nas páginas de revistas e jornais, nos comerciais de televisão, parecendo colocar em cheque a continuidade ou, pelo menos, a legitimidade inquestionada do ideal de branqueamento (STRONZENBERG, 2005, p.209).

Os números aqui mostrados, juntamente com uma análise qualitativa preliminar dos anúncios, nos dão indícios de que ainda tem validade a opinião de Carlos Hasenbalg: “A publicidade não é alheia à dinâmica simbólica que rege as relações raciais no Brasil. Por ação e omissão, ela é instrumento eficaz de perpetuação de uma estética branca carregada de implicações racistas” (HASENBALG, 1982, p.187-188).

Na seqüência de nossa pesquisa, daremos início à análise qualitativa dos anúncios colhidos, buscando aprofundar nosso entendimento sobre as mudanças nas formas de representação do negro, bem como pretendemos investigar quais as causas dessa alteração.

A discussão que pretendemos propor gira em torno do estatuto de cidadania do negro, ou seja, queremos discutir até que ponto o aumento na inserção e a (suposta) mudança na imagem do negro advêm de um mero reconhecimento dele como consumidor ou se há um possível reconhecimento desse negro como cidadão, fazendo jus, por exemplo, aos direitos de igualdade e dignidade da pessoa humana. Como afirma Dalmo de Abreu Dallari:

    Todo ser humano tem o direito de ser reconhecido e tratado como pessoa. Não se respeita esse direito quando seres humanos sofrem violência de qualquer espécie, nascendo na miséria, sendo forçados a viver em situação degradante ou humilhante, ou sendo tratados com discriminação (DALLARI, 2004, p.37).

 
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ARAÚJO, J. Z. “A força de um desejo: a persistência da branquitude como padrão estético audiovisual”. Revista USP, São Paulo, nº 69, p.72-79, mar-mai 2006.

AZEVEDO, C. M. M. Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites – século XIX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

COUCEIRO DE LIMA, S. M. “... até canibal vira vegetariano”. Revista USP, São Paulo, nº 69, p.44-59, mar-mai 2006.

DALLARI, D. A. Direitos Humanos e Cidadania. 2ª Ed. São Paulo: Editora Moderna, n/d.

D´ADESKY, J. Pluralismo Étnico e Multi-Culturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

HALL, S. A identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10ª ed. São Paulo: DP&A, 2005.

_______ Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

HASENBALG, C. A. As imagens do negro na publicidade. In: _______ Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Editora Vértice, 1988.

KELLNER, D. A Cultura da Mídia. Bauru: EDUSC, 2001.

LOPES, M. I. V. Pesquisa em Comunicação. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2005.

MAGAZINE PUBLISHERS OF AMERICA (MPA). Media Choices 2000: A Multimedia Involvement Study. New York, 2000. (mimeo).

MOURA, C. Sociologia do Negro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1988.

ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.

SCWARCZ, L. M. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadania em São Paulo ao final do século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 2001.

SILVA, T. T. A produção social da identidade e da diferença. In: ______ (org). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

SODRÉ, M. Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

STROZENBERG, I. O apelo da cor: percepções dos consumidores sobre as imagens da diferença racial na propaganda brasileira. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, nº 4, p. 199-220, jul 2005.

 
(1) “Na verdade, seria impossível considerarmos o advento de uma indústria cultural sem levarmos em conta o avanço da publicidade; em grande parte, é através dela que todo o complexo de comunicação se mantém. O caso brasileiro não foge à regra” (ORTIZ, 2001, p.130).

(2) http://vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&

pageCode=1&textCode=131882¤tDate=1191333300000 Acessado em 19/05/2008.

(3) http://veja.abril.com.br/idade/publiabril/midiakit/veja_editorial_missao.shtml Acessado em 21/05/2008.

(4) Segundo Maria Immacolata Vassallo de Lopes a amostragem probabilística “baseia-se na aplicação de métodos de tratamento estatístico” (LOPES, 2005, p.144). Quando “a inferência estatística não pode ser legítima” (LOPES, 2005, p.145) a amostra torna-se significativa ou de representatividade social.

 
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