Artigo | edição 6 | Setembro-Dezembro de 2009
Palmas Virtual: o autoengano da inclusão digital
 
Adriana Santos, Kelinne Guimarães e Maiara Silva |
 
As novas tecnologias têm causado grande impacto na sociedade, particularmente os meios nascidos da convergência tecnológica, em particular a Internet, sendo que o acesso ou não a mesma causa alterações estruturais e funcionais na sociedade ou comunidade em que se encontra inserido. Segundo diversos observadores e teóricos, entre eles Rosnay (1998), essas alterações encaminharam a sociedade para revolução informacional, partindo da retroalimentação e da sinergia de uma série de tecnologias, construíram a “era da informação e do conhecimento” (CASTELLS, 1999).

A era da informação conta com novas redes que estão desenhando um mundo baseado em comunidades informacionais, que enlaçam governos, instituições e empresas, alterando os velhos vínculos determinados pela proximidade e obrigando a criação dos espaços globais. Todavia, ela também exclui boa parte da população que se encontra à margem da sociedade em rede, ou seja, que está excluída digitalmente. Em virtude dessa problemática, surgem em todo o Brasil projetos de inclusão digital que na maioria das vezes consistem na implantação de telecentros. Apesar das necessidades de implantação de projetos de inclusão, é essencial analisar as deficiências das propostas inclusivas.

O foco deste trabalho foi verificar a utopia ou eficiência do projeto Palmas Virtual. Para isso, o estudo desenvolveu um levantamento sobre o crescimento tecnológico e digital dos usuários como resultados inclusivos e cidadãos para os participantes, ou seja, realizou levantamento para detectar se a disponibilidade de equipamentos, a facilitação ao acesso podem ser viabilizadores para a inclusão digital tecnológica do país.


Sociedade do conhecimento

A sociedade vivenciou diversas mudanças após a Segunda Guerra Mundial no campo político econômico e social em virtude do aumento da comunicação entre os indivíduos, da difusão das novas tecnologias e da mudança da base econômica.

Para Lucci (2006), essa sociedade já não é baseada na produção agrícola, nem na indústria, mas na produção de informação, serviços, símbolos (semiótica) e estética.

Essas mudanças encaminharam a sociedade para uma nova era, a era do conhecimento e da informação. Castells (1999) afirma que nesta nova “era”, as tecnologias de informação fazem parte de um conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, telecomunicações e radiodifusão, entre outras, que usam de conhecimentos científicos para especificar as coisas de maneira reproduzível.

Segundo Nagel, o termo “Sociedade do Conhecimento” é a forma brasileira de traduzir Sociedade da Informação ou Super Estrada da Informação, que para a autora são expressões mais realistas, mais precisas em sua extensão e menos pretensiosas em sua compreensão. Para a autora:


    Sociedade do Conhecimento é, antes de tudo, a expressão empresarial dos investimentos racionalmente programados para o mundo globalizado, relativos à informática, telecomunicações, redes de comunicação digitais (banda larga), sistemas de comunicação móveis, que incluem, de modo mais imediato, a) o ensino à distância, b) os serviços de telemática para pequenas e médias empresas, c) o tráfego computadorizado, d) a gerência de tráfego aéreo, e) a licitação e compra eletrônica, f) as redes de administração pública, g) o controle de infovias urbanas ligadas à prestação de serviços de prefeituras; o uso da telemedicina, entre outros (2002, apud OMENA, 2005: 3).


Deve-se salientar, no entanto, que dentro dessa revolução informacional encontram-se dois fenômenos similares em magnitude, porém distintos em sua essência: mundialização e globalização.

De acordo com Vilches (2001), a mundialização é um fenômeno cultural que surgiu da industrialização e que rompeu com as tradições, obrigando a uma rápida transformação ou a uma desaparição segura de características culturais heterogêneas. Conceituação similar é feita por Latouche (1994) ao estudar o que ele chama de ocidentalização do mundo, uma massificação da cultura ocidental sobre as orientais.

Globalização, por sua vez, para Vilches (2001) significa que as atividades industriais e econômicas se desenvolvem em escala global e não regional, ou seja, a globalização tem fundo econômico e expressa um certo grau de reciprocidade e interdependência das atividades repartidas nas diversas áreas internacionais.

Ao se observar às características da globalização em relação à informação e à comunicação, se observa, em primeiro lugar, que a emergência dos conglomerados dos multimídias internacionais são chaves para a difusão da informação. Em segundo lugar, que as novas tecnologias da informação, desde os satélites ao cabo, da microeletrônica à digitalização, têm um impacto social de efeitos até agora impossíveis de predizer em toda sua magnitude.

O conceito de Sociedade do Conhecimento transita por diferentes cenários da cultura mundializada, cujas características principais são as possibilidades de acesso, de controle e de armazenamento de informações. Entretanto, a ausência de contato com as novas tecnologias exclui aqueles que estão à margem da sociedade em rede.

Para Vilches (2001), não estar incluído na sociedade do conhecimento é algo muito mais grave que não possuir um computador, pois está diretamente ligada à dificuldade em obter sucesso em setores importantes da sociedade da informação, como por exemplo, o mercado de trabalho.

Surgem por meio desses esforços, projetos de inclusão como o Palmas Virtual que visa inserir a comunidade, em particular a mais carente, na sociedade da informação.


Inclusão digital

O resultado de uma revolução tecnológica em geral só fica evidente quando a mesma se alastra e reconfigura a sociedade, inclusive a economia que tende a ser uma economia digital, que tem entre suas conseqüências “a disseminação de um novo paradigma econômico e produtivo baseado na informação” que traz consigo o desemprego tecnológico (SILVEIRA, 2001).

Para Cabral (2003), surge cada vez com mais força, no contexto das organizações da sociedade civil, a idéia de levar a tecnologia digital ao alcance da sociedade. Geralmente desenvolvidas através de cursos para pessoas de baixa renda, essas iniciativas se fizeram conhecidas pelo nome de inclusão digital, sendo pensadas e implementadas diante da constatação de uma desigualdade social e econômica que será agravada se não contemplar uma parcela significativa da sociedade no contexto das novas tecnologias de informação e comunicação.

De acordo com o autor, a revolução tecnológica tende a ampliar o distanciamento entre ricos e pobres, ou seja, surge uma nova face da exclusão social. Estes novos excluídos não conseguem se comunicar com a velocidade dos incluídos pela comunicação mediada por computador.

Diante dessa problemática, a sociedade tem se mobilizado para garantir inclusão digital e conseqüentemente social. Segundo Mendes (online), três pilares formam um tripé fundamental para que a inclusão digital aconteça: TIC’s, renda e educação. Não é difícil vaticinar que sem qualquer um desses pilares, não importa qual combinação seja feita, qualquer ação está fadada ao insucesso.

A inclusão digital ocorre somente com uma apropriação ativa e criativa das novas tecnologias. De acordo com a Comissão de Sistema do Trabalho Digital (CSTD, 2001), essa apropriação se tornará possível por meio da criação de uma sociedade virtual que facilite o processo de troca de experiências entre as comunidades e que auxilie o processo de aprendizagem. Todavia, torna-se necessário colocar a eficiência de projetos como este em cheque, tendo em vista que muitas vezes a implantação de telecentros promove somente um primeiro contato com a tecnologia, com os softwares, não possibilitando oportunidades de inclusão.

Silveira (2001) afirma que a inclusão digital tem sido pauta obrigatória no cenário político nacional e internacional e motivação de várias ações, projetos e programas nas agendas sociais no Brasil e em diversos países do mundo. O autor assegura, que em geral há uma exclusão digital causada pela distribuição desigual do acesso às redes de comunicação interativa mediadas por computadores conectados à Internet. Prescrevem-se como soluções democráticas a universalização do acesso a tais redes, assim como a democratização da informação.


Telecentros: inclusão ou autoengano?

O principal objetivo dos telecentros é combater a exclusão digital, através do acesso a novas tecnologias. Os telecentros são espaços com computadores conectados à Internet banda larga. Cada unidade possui normalmente entre 10 e 20 micros. O uso livre dos equipamentos, cursos de informática básica e oficinas especiais são as principais atividades oferecidas à população (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES).

A criação de telecentros nem sempre significa o fim da exclusão digital e a formação de um sujeito ativo e participativo na sociedade da informação. A pesquisa de novas tecnologias, desenvolvida na Universidade Federal do Tocantins (UFT) que tinha como finalidade observar a eficácia do projeto Palmas Virtual, na capital de Palmas, atesta essa realidade, pois após aplicação dos questionários e tabulação dos dados, a hipótese do trabalho de que a maioria dos usuários não se identifica como incluído digitalmente se confirma. Foi possível perceber que o projeto mesmo não está proporcionando a inclusão digital, mas simplesmente o acesso às novas tecnologias.

Diante das porcentagens, foi possível perceber que o projeto está proporcionando aos seus usuários uma inclusão analógica, visto que 40% dos entrevistados declararam que desconhecem a existência de qualquer apoio didático ou pedagógico, além disso, usam o computador apenas para navegar na Internet, visitando, na maioria das vezes, sites de entretenimento. A mudança sentida pela maior parte dos participantes consiste no fato de ter conhecido novos amigos.

Dessa forma, o projeto encontra-se distante da sua proposta inclusiva, uma vez que seus telecentros não têm proporcionado a aquisição de conhecimentos e habilidades básicas para uso dos computadores e redes, impossibilitando a formação de um sujeito ativo e participativo, consumidor e produtor de conhecimentos que se aplique no cotidiano e ao trabalho, gerando para si oportunidades de inclusão social e exercício da cidadania.


Considerações Finais


O resultado obtido com a pesquisa confirma a hipótese inicial, pois realmente os telecentros do projeto inclusivo Palmas Virtual, existente na capital tocantinense, não realiza uma inclusão digital, já que oferece o meio, mas esquece de capacitar o usuário.

A exclusão digital é mais séria do que imaginávamos, não adianta somente ter acesso às novas tecnologias, um computador para quem não sabe usar suas ferramentas não passa de um objeto supérfluo. Assim, é preciso rever as propostas inclusivas já existentes, adaptá-las de forma que o usuário realmente possa fazer a diferença, utilizando seu conhecimento.

As políticas públicas para inclusão digital funcionam, desde que levado em consideração o papel qualificador das mesmas, pois para muitos governos é mais fácil entregar um telecentro pronto sem qualificação de quem o utiliza, do que capacitar usuários para posteriormente fazer uso deste recurso.

 
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CABRAL, Adilson. Exclusão digital. Intercom. São Paulo, 2003. Disponível em: www.comunicacao.pro.br/artcon/includig.htm . Acesso em: 27/03/2007.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CSTD - COMISSÃO DE SISTEMA DO TRABALHO DIGITAL. Oficina Para Inclusão Digital. Relatório final, 2001. Disponível em: www.governoeletronico.gov.br/default2.cfm?idarea . Acesso em: 10/04/2004.

LATOUCHE, Serge. A ocidentalização do mundo. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

LUCCI, Elian. A era do conhecimento e a educação para pensar. São Paulo: Saraiva, 2006.

MENDES, Antonio Mendes da Silva Filho. Os três pilares da inclusão digital. Disponível em: www.espacoacademico.com.br/024/24amsf.htm . Acesso em: 16/12/2009.

MINISTÉRIO DA COMUNICAÇÃO. O que é um Telecentro e para que serve? Disponível em: http://www.idbrasil.gov.br/docs_telecentro/o_que_e . Acesso em: 16/12/2009.

OMENA, Adriana. Educação, educadores e internet na sociedade do conhecimento: o uso de NTC no ensino superior. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, 2005.

ROSNAY, Joel de. "La revolución informacional". In: RAMONET, Ignácio. Internet, el mundo que llega. Madrid: Alianza Editorial, 1998.

SILVEIRA, Sergio Amadeu. Exclusão digital, a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

VILCHES, Lorenzo. Efeitos em la sociedad de la información. Barcelona: Gedisa, 2001.

 
Trabalho apresentado ao 2º Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade.
 
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