Artigo | edição 7 | Janeiro-Junho de 2010
O documentário e seu público
 
Teresa Noll Trindade |
 
O crescimento da produção e a valorização do documentário nacional nos últimos anos são indiscutíveis e as razões para estes fatos são múltiplas. Uma hipótese possível é o que podemos chamar de “efeito Michael Moore”; um imenso público é levado ao cinema por causa do referido diretor, que aborda temas polêmicos e esta dinâmica pode ter contribuído para o crescente interesse no cinema documental. Paralelamente a isso, mudanças estruturais favoreceram o aumento da produção nacional desse tipo de filme, dentre as quais podemos citar: o barateamento dos custos de produção, distribuição e exibição, relacionadas com a tecnologia digital; a criação e proliferação de festivais e editais de financiamento para a área. Ao lado desses elementos, houve também um crescimento da produção intelectual e da crítica em torno do documentário, envolvendo desde publicações destinadas a este tipo de filme até a criação de cursos de graduação e de pós-graduação.

O ano de 2004 foi marcado, segundo Amir Labaki, pelo “boom do documentário”, pois houve o lançamento de 16 filmes em circuito comercial de cinema, cifra essa que, comparada com os cinco lançamentos do ano anterior, representa um incremento quantitativo substancial (isto se torna mais importante quando além destes números percebemos um considerável aumento qualitativo das produções). Os anos seguintes mostrarão ser esta uma tendência permanente de crescimento. Porém, é importante ressaltar que este “boom” não necessariamente fez com que todos os documentários chegassem ao cinema e, mesmo aqueles que chegaram, nem todos tiveram uma resposta positiva de bilheteria, pois foram raros os documentários que alcançaram a marca de 50 mil espectadores. Mesmo estes, ficaram restritos às capitais culturais (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília) (1) . Ainda assim, a partir de 2004, segundo Consuelo Lins, estas boas bilheterias têm se tornado mais freqüentes: “Embora o documentário tenha correspondido, em 2007, ao segundo “gênero” com maior número de lançamentos no mercado brasileiro (posicionando-se depois do “drama” e superando “comédia”, “animação”, “aventura” e “ação”), os filmes brasileiros são lançados de modo tímido e restrito. Mas as exceções se multiplicam”(2) . Esse interesse pelo documentário não se restringe só ao Brasil, mas a outros países como Estados Unidos e França.

A exibição de filmes brasileiros em salas de cinema não é um problema restrito ao campo do documentário. Pelo contrário, a ficção sofre, embora em doses um pouco menores, do mesmo mal - sem querer entrar, aqui, em outra questão que é o valor elevado das entradas de cinema. O questão do número reduzido de espectadores que freqüentam salas exibindo filmes nacionais não é um problema novo. O que talvez venha agravando essa situação é a proliferação do modelo Multiplex - complexo de salas de cinema - que exibem, em sua maioria, filmes americanos (3) . O que parece ser destinado ao cinema brasileiro é o acesso a poucas salas desse “complexo”, nos horários comercialmente pouco nobres e com reduzidíssima permanência em cartaz. O padrão mais comum é o da entrada direta dos filmes nos circuitos alternativos onde há a possibilidade de exibição em horários de maior público e permanência maior.

Outro elemento essencial para compreender o momento que atravessa o documentário no Brasil é a tecnologia digital. Com ela, barateou-se o custo de produção, distribuição e também de exibição. Neste ponto é importante constatar que o considerável aumento da produção brasileira não foi acompanhado, com o mesmo vigor, pelo sistema exibidor (embora tenha havido uma abertura de espaço para documentários, o número de salas de exibição se manteve praticamente o mesmo). Isto ocorre, grosso modo, por não se ter conseguido constituir nenhum tipo de estratégia/mecanismo que proporcionasse, juntamente com o crescimento da produção, um similar efeito no sistema distribuidor e conseqüentemente no exibidor, levando o documentário a buscar as salas de cinema, para muitos local exclusivo da ficção. No Brasil ainda não há um espaço para o documentário na televisão, como outros países, onde ela é o veiculo “natural” desse tipo de produção, existindo, inclusive, canais especializados (4) . O cinema documentário, assim como a ficção vem buscando criar um mercado para exibição dos seus filmes.

Buscarei, neste trabalho, realizar uma classificação por temática de alguns documentários que estão presentes nessa produção contemporânea para, dessa forma, realizar uma análise a partir de dados estatísticos. Embora possamos admitir que isso seja algo reducionista, pois dessa forma estou “forçando” alguns filmes a se enquadrarem numa tipificação preestabelecida, acreditamos que, ainda assim, podemos trazer contribuições e reflexões sobre o documentário e seu público.


Classificação dos documentários em grupos temáticos

Busquei, para o propósito deste texto, agrupar em seis grupos temáticos a produção documentária realizada dentro do período de 1996 a 2006 e exibida comercialmente em cinema, com o objetivo de poder analisar os dados(5) estatísticos obtidos e com o fim de lançar alguns questionamentos, bem como de cruzar dados que poderão nos conduzir a conclusões interessantes. Os grupos temáticos que estabeleci são: 1- documentários de personagem, 2- documentários sobre questões sociais, 3- documentários sobre personalidades, 4- documentários com mote esportivo 5- documentários com mote musical e, 6- documentários de aprofundamento temático. A categorização desses filmes documentários acaba por reduzi-los, temática e esteticamente, já que na medida em que os classificamos, estabelecemos que há um núcleo temático determinante tomado como referência para o enquadramento. Como se trata de um trabalho experimental, a classificação de alguns filmes em certas categorias poderá ser repensada. O objetivo que nos move, entretanto, justifica essa démarche que pode esclarecer certos pontos de produção bem como a aproximação que essas temáticas têm com o público.


a) Documentários de Personagem ou Personagens

São filmes que constroem sua narrativa nos depoimentos de pessoas que, em sua maioria, contam sobre suas vidas, cotidiano, manias, problemas, traumas. Essa história pode ser contada através de depoimentos de mais de uma pessoa. Os filmes enquadrados nessa categoria que eu nomeio de documentário de personagem, em sua maioria, apresentam pessoas desconhecidas previamente ao filme. São exemplos de documentários nessa categoria: Edifício Master, Santo Forte, Peões, Babilônia, O fim e o princípio, Estamira, A pessoa é para o que nasce, 33, Fala tu, Morro da Conceição, O chamado de Deus, Meninas, Nem gravata nem honra e Vocação do poder.

Um diretor que pode ter quase toda a sua produção nessa categoria é Eduardo Coutinho, na medida em que todos os seus filmes apresentam pessoas desconhecidas que falam para e com o diretor, e este, na maioria das vezes, aparece no enquadramento e acaba tornando-se personagem do próprio filme. No filme 33, de Kiko Goifman, há também a presença do diretor como personagem, já que ele relata sua busca pela mãe biológica. Há em 33 o uso de atores também, mas acredito que dentro das categorias criadas, ele encontra melhor classificação neste item. O filme de Marcos Prado, Estamira, conta a história desta mulher, esquizofrênica, que revela ao espectador sua lógica de mundo, em meio à trágica realidade em que vive. O documentário A pessoa é para o que nasce, narra a história de três irmãs cegas que vivem da música, cantando na rua. O diretor acompanha essa rotina e também aparece no enquadramento em alguns momentos, assim como a sua voz. Fala tu, segue a vida de três moradores da Zona norte do Rio de Janeiro que têm em comum a paixão pela música. Fala tu não foi encaixado na categoria de Documentário de Mote especificamente musical pois julgo que a música não é o cerne deste filme e, sim, a vida desses três personagens. Morro da Conceição filma oito moradores idosos que habitam o Morro da Conceição e que narram suas vidas. O chamado de Deus aborda o tema da religião através de seis jovens que optaram por entrar no seminário. O filme Meninas acompanha a gravidez de meninas adolescentes provenientes das classes de baixa renda. Em Nem gravata nem honra, Marcelo Mazagão filma a vida de homens e mulheres da cidade de Cunha, onde vai analisar as diferenças entre o sexo feminino e o masculino e, finalmente, Eduardo Escorel seguirá seus personagens no período eleitoral, quando estes concorrem a uma cadeira de vereador pela primeira vez, em Vocação do poder.


b) Documentários sobre Questões Sociais

Os filmes que tratam de questões sociais, questões ainda carentes de solução no Brasil, em alguns casos se configuram como filmes de denúncia. Enquadramos, também, nesta categoria, a produção recorrente de documentários sobre a ditadura militar brasileira, realizados em sua maioria por diretores que viveram este período da história política. São exemplos da categoria: Ônibus 174, Justiça, Prisioneiro da grade de ferro, O rap do pequeno príncipe, O sonho de Rose, O sol – Caminhando contra o vento, O cárcere e a rua, Barra 68, A margem da imagem, Dia de festa, O dia em que o Brasil esteve aqui, Zé Pureza, Família Alcântara e Preto e branco. Os filmes que tratam sobre o período da ditadura são: O sol – Caminhando contra o vento e Barra 68. Os documentários Ônibus 174, Justiça, Prisioneiro da grade de ferro, O rap do pequeno príncipe, O cárcere e a rua, O dia em que o Brasil esteve aqui, Família Alcântara e Preto e branco, são filmes que apresentam, em sua maioria, problemas como a pobreza, a violência, prisões superlotadas, corrupção policial, justiça brasileira e questões do racismo estrutural brasileiro. Já os filmes, A margem da imagem e Dia de festa, tratam sobre os moradores de rua da cidade de São Paulo, e poderiam se encaixar no modelo de documentário de aprofundamento temático, mas como existe um recorte social muito grande, julguei que se enquadrariam melhor aqui. Os filmes que retratam a vida de seus personagens, mas estes fazendo parte de movimentos sociais específicos, são: O sonho de Rose e Zé Pureza. Ambos são sobre a questão agrária no Brasil e apresentados através da vida de Zé Pureza e Rose. Eles também poderiam se enquadrar no modelo de documentário de personagem mas, como dito anteriormente, o recorte social é mais relevante nessas obras.


c) Documentários de Personalidades

São filmes que podem ou não utilizar o recurso da entrevista como fio condutor da narrativa fílmica, mas que fazem isso para contar a história de pessoas que são conhecidas em seu meio profissional e que, em alguns casos, são conhecidas do grande publico que vai ao cinema. São exemplos dessa categoria os filmes: Vinícius (sobre o poeta, compositor e escritor Vinícius de Morais), Entreatos (campanha presidencial de Luiz Inácio da Silva, Lula, em 2002), Gláuber – o filme (sobre a vida de Gláuber Rocha, cineasta do Cinema Novo), O velho – Historia de L.C. Prestes (história de Luis Carlos Prestes, líder comunista), Rio de Jano (história do desenhista francês Jano), Rocha que voa (também sobre Gláuber Rocha), O cineasta da selva (sobre o cineasta Silvino Santos), Poeta das sete faces (vida de Carlos Drummond de Andrade), Onde a terra acaba (história do cineasta Mario Peixoto), Dom Helder Câmara (história do bispo católico Dom Helder Câmara), Pierre Verger (história do fotógrafo e etnógrafo francês Pierre Verger), Vlado – 30 anos depois (trágica história de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pelo Dops), Moacir arte bruta (história do pintor e desenhista Moacir), A mochila do mascate (sobre a vida e arte do cenógrafo Gianni Ratto), O homem pode voar (sobre Alberto Santos Dumont), Anésia - Um vôo no tempo (história de Anésia Pinheiro Machado e sua relação com a aviação), Evandro Teixeira – Instantâneos (vida e obra do fotojornalista Evandro Teixeira).


d) Documentários com Mote Esportivo

São documentários que apresentam a temática do esporte como premissa básica. Em alguns casos são filmes de celebridades do esporte. São exemplos dessa categoria: Todos os corações do Mundo, Histórias do Flamengo e Ginga(sobre o futebol), Pelé eterno, Um craque chamado divino e Zico, os três sobre celebridades do futebol, Surf Adventures, Fábio Fabuloso e Town-in surfing, são filmes que tratam do esporte surf e no caso de Fábio Fabuloso, de um surfista específico e Extremo sul sobre alpinismo.

Pelé eterno, Um craque chamado divino e Zico, são sobre a vida de celebridades do futebol brasileiro e poderiam também ser enquadrados no modelo de documentário de personalidades, mas estão nesta categoria por serem personalidades do esporte, onde a ênfase está nesta particularidade. Extremo sul retrata a tentativa de um grupo de alpinistas brasileiros e argentinos de escalar o Monte Sarmiento, fato que não ocorre, fazendo com que este filme pudesse ser encaixado no modelo de Documentários de Personalidade, ou, até mesmo, de Personagem. Porém, como o tema principal é a tentativa dos alpinistas subirem a montanha, cremos que ele se enquadra bem nesta categoria.


e) Documentários com Mote Especificamente Musical

São filmes que tratam da temática música brasileira, e em alguns casos de celebridades desse setor. São exemplos dessa categoria: Nelson Freire, Paulinho da Viola, Um certo Dorival Caymmi e Nelson Gonçalves, todos de personalidades da música brasileira. Já os filmes: Coisa mais linda, Viva São João, Carnaval, Bexiga, Funk e sombrinha, Sou feia mais To na Moda, Moro no Brasil, Banda de Ipanema, Samba Riachão, Bahia de Todos do Sambas e Nizinga, abordam a questão mais da música em si do que personalidades específicas.


f) Documentários de Aprofundamento Temático

Essa categoria reúne filmes que de alguma forma tratam de assuntos específicos e que podem ou não fazer uso da entrevista e geralmente utilizam vários relatos na medida em que contribuem para a análise de determinado assunto. São exemplos dessa categoria os filmes: Janela da alma, Nós que Aqui estamos por Vós Esperamos, Doutores da Alegria,Raízes do Brasil, Soy Cuba – o mamute siberiano, Senta a Pua, Língua - Vidas em Português, Passaporte Húngaro, , Timor Lorosae - o massacre que o mundo não viu, 2000 Nordestes, Olhar Estrangeiro, Do luto à Luta, Soldado de Deus, Tudo é Brasil, Terra do Mar, Parteiras da Luz.


Análise de público por temática

Através do agrupamento dos filmes em grupos temáticos foi possível fazer uma análise proporcional do público de cada modalidade. Através desses dados podemos observar que a temática que tem trazido mais público ao cinema é: Documentário com Mote esportivo. Aqui vale ressaltar que os três primeiros filmes dessa categoria estão no topo de bilheteria do documentário nacional, só perdendo para Vinícius (Personalidade). Os três primeiros filmes são responsáveis por um total de público de 723.802 pessoas. A categoria como um todo apresenta um público de 766.800.

O grupo temático que está em segundo lugar em número total de espectadores arrecadados é o Documentário de Personalidades, no qual em há um total de público de 381.726. Nesse grupo, encontra-se o filme de maior bilheteria do documentário nos últimos anos que é Vinícius. Este, sozinho, arrecadou um público de 271.979, o que representa mais da metade do total de público dessa categoria.

Em terceiro lugar, está o grupo de Documentário de Aprofundamento Temático. Este arrecadou um total de 330.116 espectadores, mas conta com o quinto e o oitavo filmes tops de bilheteria que são Janela da Alma (141.360) e Nós que Aqui estamos por Vós esperamos (58.577). O público dos dois juntos representa um total de 199.937, sendo um total que é superior à metade do total da categoria que é de 330.116.

O grupo que está em quarto lugar, em termos de público, é o de Documentário de Personagem. O total de público dessa categoria é de 251.202. Deste setor faz parte o diretor Eduardo Coutinho, que é o diretor que tem mais filmes documentários lançados comercialmente. É, interessante, inclusive, observar que no topo da bilheteria se encontra um filme seu - Edifício Master - que reuniu um público de 86.483. Este documentário foge do padrão de bilheteria que seus filmes arrecadam, já que estes ficam numa média de 17 mil espectadores, que é o que arrecadaram Santo Forte, Peões e Babilônia 2000.

Depois, temos a categoria que está em quinto lugar: Documentário com Mote Especificamente Musical. Nesse grupo pode-se observar que os dois primeiros filmes tops de bilheteria Nelson Freire (64.264) e Paulinho da Viola (54.025) representam um total de 118.289, o que constitui mais da metade do total deste grupo de filmes que é 187.301.

E, em último lugar no ranking de bilheteria se encontra o grupo de Documentário sobre Questões Sociais, representando um público total de 155.789. Dentro dessa categoria há três filmes que representam a metade do total de público do grupo todo. São eles: Ônibus 174 (35.290), Justiça (28.635) e Prisioneiro da Grade de Ferro (27.848). Esses filmes representam um total de 91.773 espectadores, sendo que o total do grupo é de 115.789.

Observando essas categorias e seus públicos é possível perceber que não existe uma constância de público por temática no documentário brasileiro.


Lançamento por Temática

É possível analisar, através dos dados, que dois grupos temáticos empatam em número de lançamentos. São eles: Documentários de Personalidades, que teve um total de 17 filmes, e Documentários de Aprofundamento Temático, também com 17 lançamentos. Depois, temos outro empate, entre o grupo Documentário de Personagem e Documentário sobre Questões Sociais, ambos com 14 lançamentos. Segue-se Documentário com Mote Especificamente Musical com 13 lançamentos, e por último Documentário com Mote Esportivo com 10 lançamentos. É interessante destacar o fato de que o tipo de documentário com menor número de lançamentos é também o tipo que concentra o maior número de público que é de 723.802.


Público total do documentário de 1996 a 2006 por temática

Avaliando o público do documentário nacional por temática, podemos concluir que Vinicius, filme encaixado dentro do modelo de filme de Personalidades, é uma exceção de público. Este arrecadou um total de 271.979. Na seqüência do ranking de público há três filmes do modelo de Documentário de Mote Esportivo, que são: Todos os corações do mundo, Pelé eterno e Surf adventures e, nesses casos, podemos considerar isso um movimento linear constante, todos com públicos acima de 200 mil. Logo, pode-se concluir, que existe um interesse de parte do público por temas relacionados, principalmente, ao futebol e ao surf. A exceção é o filme Extremo sul sobre alpinismo.

Já o modelo de Documentários de Personalidades, embora tenha um número de lançamentos grande, relacionando-o com os demais tipos, ele não necessariamente traz público a seus filmes no conjunto, ao contrário, a posição no ranking se deve a alguns casos individuais. Este modelo só está em segundo lugar em público total por temática pelo fato de, nessa categoria, se encontrar o filme Vinicius, que fez a maior bilheteria dentro do período analisado.

No modelo temático há um exemplo parecido com o anterior que é o filme Janela da alma. Este é uma exceção já que “carrega” os outros e os coloca em terceiro lugar de público. Nesse exemplo, temos um filme que tem 141 mil espectadores e, em segundo lugar, Nós que aqui estamos por vós esperamos que já tem uma redução para 58 mil, sendo que o terceiro lugar já cai para 26 mil.

O modelo de personagem ou personagens, que está em quarto lugar, é uma categoria que, embora sofra do mesmo problema das demais, ou seja, um ou dois filmes com mais público são responsáveis por significativas bilheterias, ela tende a mostrar um padrão mais equilibrado de público. Nesse caso temos Edifício Master, que fez 86 mil espectadores, que além do primeiro no ranking do modelo, é também o filme de Eduardo Coutinho que fez mais público, sendo interessante ressaltar que todos os seus demais filmes se encaixam nesse modelo. Em segundo lugar está Estamira com 38 mil, uma queda considerável já que é o segundo lugar no ranking.

No modelo musical, semelhante aos demais, temos três filmes que ficam na casa dos 60 a 30 mil e depois os filmes têm uma queda para 7 mil. Não é diferente com o modelo de aprofundamento temático onde temos um filme que fez 140 mil espectadores e, em segundo lugar, um que fez 50 mil e o terceiro lugar já cai para 20 mil.


Aumento de lançamentos e diminuição de público

Se formos observar os gráficos podemos constatar que realmente ocorreu o que Amir Labaki chamou de boom do documentário, 16 lançamentos em 2004, visto que em 2003 o lançamento foi de apenas 5 filmes, e que desde 1996 o maior número de lançamentos havia sido 10 filmes no ano de 2002. Porém, é interessante ressaltar que, com exceção de Vinícius (2006), e Pelé eterno (2004), que estão no primeiro e terceiro lugar no ranking de público do documentário, os demais filmes na seqüência do ranking são anteriores a esse boom de 2004; o segundo lugar Todos os corações do mundo (1996), o quarto lugar Surf Adventures (2002), o quinto lugar Janela da Alma (2002), o sexto lugar Edifício Master (2002), o sétimo lugar Nelson Freire (2003), o oitavo lugar Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos (1999) e o nono lugar Paulinho da Viola (2003). Ou seja, há num conjunto de nove campeões de público, apenas dois posteriores ao chamado boom, os demais são anteriores a 2004.

É também interessante notar que há três filmes exibidos no ano de 2002 e que estão entre os nove primeiros na lista de público, lembrando que no ano de 2002 tivemos apenas dez lançamentos comerciais. Os anos de 2004 e 2005 também têm públicos relevantes, mas isso se deve ao aumento do número de lançamentos, que subiu para quinze. É possível visualizar que, embora tenha ocorrido um boom de lançamentos no ano de 2004, está diminuindo a média de público por filme.


Análise de dados sem as cinco maiores bilheterias

Avaliando e comparando os números com e sem as cinco maiores bilheterias, podemos perceber já, numa primeira e superficial análise, que os “desenhos” se alteram completamente. Focando a atenção no tipo Mote Esportivo percebemos claramente esta mudança. Este passa de primeiro lugar em público, para último, se retirarmos as cinco maiores bilheterias. Uma conclusão que podemos tirar desta análise é que os grandes públicos são exceções presentes em cada uma das classificações.


Evolução do público do documentário em cada ano (1996 a 2006)

Podemos avaliar pelos gráficos que, embora 2004 tenha sido o ano com maior número de filmes lançados em circuito comercial, atingindo a marca de 16 lançamentos, percebemos que foi em 2002 que observamos maior público, mesmo tendo ocorrido apenas dez lançamentos em cinemas comerciais.

Percebe-se que a evolução de público segue um ritmo completamente irregular, onde, novamente, as exceções influem diretamente nos resultados do setor.


Número de filmes específicos de cada categoria lançados anualmente

Pode-se concluir que o tipo Mote Esportivo, embora detentor do maior público e de três das cinco maiores bilheterias do setor, ocupa o último lugar entre os lançamentos. Isto demonstra, mais uma vez, que valores comerciais não estão entre os referenciais que incentivam novas produções.


Tabela de freqüência de diretores por filme

Podemos concluir que a freqüência de diretores por temática varia, pois existem poucos diretores que se dedicam apenas ao documentário. Um bom exemplo de um diretor que se dedica apenas ao documentário é Eduardo Coutinho, que além de realizar filmes lançados quase que anualmente, se mantêm sempre no modo de documentário de personagem.


Conclusão

Na análise de público por temática podemos avaliar que, nessas categorias, há poucos filmes arrecadando muito público e muitos filmes arrecadando pouco público, o que acaba colocando alguns grupos como detentores de público, mas na realidade isso é conseqüência de dois ou três filmes.

O número de lançamentos por temática não tem relação com o público. Em alguns casos há filmes de uma determinada temática com muitos lançamentos e públicos pequenos. Os filmes com maiores bilheterias, de alguma forma dialogam com elementos da cultura brasileira, como o futebol, o surf e a música. Os cinco filmes com maior bilheteria são relacionados a isso, mesmo que Vinicius tenha sido enquadrado em documentário de personalidade, este fica também relacionado à categoria mote musical. Talvez o público tenha um interesse maior por filmes com temáticas ou pessoas conhecidas.

Eduardo Coutinho é um dos únicos diretores exclusivos do documentário. Além disso, é autor de filmes genuinamente autorais e enquadrados dentro do modelo de documentário de personagem. Eles também são lançados com uma freqüência regular e têm público cativo que varia entre 15 e 18 mil espectadores, com exceção de Edifício Master que fez 86 mil. Pode-se concluir que, embora a produção de documentários esteja aumentando, seu público não tem acompanhado esta tendência de uma forma equilibrada.


Anexo

Documentários exibidos em circuito comercial entre os anos 1996 – 2006 cronologicamente

 
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LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho – televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007.

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(1) LABAKI, Amir Rumo a uma economia do documentário brasileiro http://www.itsalltrue.com.br/periodico/coluna/coluna.asp?lng=&id=138. Acessado em 05/06/2008.

(2) LINS, Consuelo e MESQUITA, Cláudia. Filmar o Real. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008, p. 12.

(3) Entre os anos de 1995 e o fim de 2002, o numero de salas no Brasil passou de cerca de mil para perto de 1.700 – sendo que, segundo dados da Abrasce (Associação de Shoping Centers), mil salas estão localizadas nos centros comerciais (ou seja 65% do total). GATTI, Andre Piero. “Distribuição e Exibição na Indústria Cinematográfica Brasileira” p. 266 Apud Almeida, P.S. Butcher, P, Cinema e desenvolvimento, p.64.

(4) Uma das exceções na televisão aberta nacional que exibe documentários é a TV Cultura que, em parceria com o Ministério da Cultura, produz o DOC TV, um programa de fomento à produção independente que proporciona, além de verba para a realização, uma janela para a exibição. Outros canais públicos, o Canal Brasil e outros canais a cabo, como o GNT, também direcionam parte de sua grade para o formato documentário.

(5) Filme b (http://www.filmeb.com.br)

 
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