Dossiê | edição 7 | Janeiro-Junho de 2010
Tempos de mudança: os novos caminhos do Paraguai contextualizados à luz do relato de Juan Díaz Bordenave
 
Rafael Foletto e Efendy Maldonado |
 
O caminho que conduz a nossa pesquisa, intitulada “De ex-bispo a presidente: as representações de Fernando Lugo na mídia brasileira” (1), é o da investigação dos processos midiáticos de construção das representações do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, na mídia hegemônica empresarial brasileira, em especial nas revistas semanais de circulação nacional, a exemplo das publicações Carta Capital, Época, Isto É e Veja. Ou seja, buscamos observar sistematicamente os posicionamentos, pensamentos, sentidos e estratégias utilizadas pela mídia impressa brasileira, no caso as revistas semanais, para construir as representações do bispo católico e agora chefe de Estado, Fernando Lugo.

Compreendemos a importância da ação das mídias na configuração, ativação e atualização das representações e, dessa forma, indagamos como ocorrem os movimentos de produção das representações simbólicas da figura do presidente Lugo nessas revistas semanais brasileiras. Visto de outra forma, queremos problematizar: quem é Fernando Lugo em termos de ator midiatizado? Quais são as estratégias de comunicação empreendidas pela mídia impressa brasileira no processo de construção das representações desse ator?

Observamos que uma contextualização dos aspectos sociais, históricos, culturais e políticos na qual o nosso objeto de estudo se encontra inserido é imprescindível para expandir a compreensão dos processos midiáticos, bem como das realidades de produção e de leitura que os constituem.

Para tanto, procuramos apresentar o problema de pesquisa contextualizando-o a partir do importante relato do professor Juan Diáz Bordenave, comunicador e pesquisador paraguaio, que participou da campanha que elegeu Lugo, e que agora atua no governo do país como assessor do Ministério da Comunicação. Dessa forma, estamos buscando sinais que apontem para a compreensão do panorama interno do Paraguai. Ainda, refletiremos sobre os procedimentos, táticas, experimentações metodológicas empregadas na pesquisa, bem como acerca do conceito de estratégias de comunicação.


Na trilha de Fernando Lugo

Apresentaremos o quadro que melhor dimensiona o nosso problema-objeto, buscando as configurações que caracterizam Fernando Lugo enquanto figura midiática instigante. Ou seja, contextualizando os aspectos históricos, simbólicos, econômicos e políticos que o permeiam.

Observando o recente momento político do continente latino-americano, percebemos que a onda neoliberal, que orientou as políticas de Estado nos anos 1980 e 1990, provocou profundas crises nas formações sociais da região. Surgiu uma série de governos com forte apelo popular, dispostos a mudanças substanciais no aparelhamento e redefinição do papel do Estado na instância socioeconômica, política, cultural e comunicacional. São exemplos deste tipo de mudança no horizonte das transformações políticas países como Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Uruguai e, mais recentemente, Paraguai.

Neste último, o bispo da Igreja Católica, Missionário do Verbo Divino (2) e fortemente identificado com a Teologia da Libertação, Fernando Armindo Lugo de Méndez, liderando uma heterogênea Alianza Patriótica para el Cambio (APC) e apoiado por dezenas de organizações políticas e sociais, percorre uma trilha meteórica e triunfa as eleições presidenciais, no dia 20 de abril de 2008, configurando-se como um caso inédito na turbulenta história política do Paraguai, pois conforme Sánchez:

    Falar dessa possibilidade, três anos antes, era não apenas pouco possível, mas também inimaginável. Além disso, o Partido Colorado, os demais partidos tradicionais (ou conservadores) opositores careciam de projetos aglutinantes e a esquerda ainda estava distante de alcançar uma projeção política protagonista (Sánchez, 2009: 1, tradução nossa) (3).

Após 35 anos de regime autoritário liderado por Alfredo Stroessner, o Partido Colorado, que sustentava a ditadura, seguiu no poder, assim como os generais e a oligarquia. Essa elite conduziu o Paraguai à onda neoliberal que assolou a América do Sul (a exemplo do governo Collor, no Brasil; Menem, na Argentina; e Fujimori no Peru), tornando-se um território de corrupção, contrabando e narcotráfico, elementos que permeiam o imaginário brasileiro referente ao país. Contudo, no bojo das bases sociais ocorreu uma reorganização de movimentos populares e sindicais que, mobilizados sobretudo pelas Comunidades Eclesiais de Base, diminuíram progressivamente a hegemonia do Partido Colorado e forjaram o terreno político para a vitória eleitoral de Lugo, que nunca havia atuado na política partidária.

Assim, depois de 61 anos de comando do Partido Colorado, o Paraguai assiste a uma verdadeira alternância de poder e se enche de esperança, por meio da chegada às mais altas funções do Estado, do bispo Fernando Lugo, sustentado pela Aliança Patriótica para a Mudança, que congrega dez partidos políticos e vinte movimentos sociais articulados sob o Movimento Popular Tekojoja (4).

Assim, observamos o panorama trazido pelo processo de globalização que, por meio da articulação local/global, aproxima cada vez mais países, cidades, povos, cada qual com a sua respectiva e singular cultura. Ianni (1997: 191) compreende que a globalização “engendra e dinamiza relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, de integração e fragmentação, mundo a fora”, tornando o globalismo (5) uma formatação sócio-histórica problemática, contraditória e abrangente. Para o autor, a sociedade global já é uma realidade, excedendo a matriz econômica, transpondo-se também para o campo político, social e cultural. Sendo assim, a dimensão local/regional coloca frente a frente o nacional e o global, realiza mediações ao mesmo tempo em que fortalece o primeiro. Segundo o cientista social há, no interior das nações, grupos se empenhando na adequação do nacionalismo ao globalismo e vice-versa. Em outros termos, trata-se de “um imenso palco, no qual se desenrola um vasto e infindável espetáculo, onde uns e outros buscam ou afirmam seu papel, fisionomia e identidade, ou autoconsciência, descortino e humanidade” (IANNI, 2000: 177).

García Canclini (2000) demonstra que o hibridismo cultural é potencializado por novos processos socioculturais, como a globalização, que atribui distintas dimensões para a relação local/global, estreitando-a na medida em que também aumentam os intercâmbios entre os povos e, por conseguinte, entrelaça identidades. O campo cultural possui considerável importância no tocante à integração regional, cuja necessidade se ampliou com o processo de globalização. No entanto, a busca pela integração não raro tem como imperativo o campo econômico. Assim, o autor propõe um modelo de análise conjunto dos campos culturais que possibilite examinar os desafios do livre comércio e a integração supranacional com a especificidade que cada caso requer, como na cultura tradicional (ou “histórico-territorial”), na cultura de elites, naquela que circula pelos meios massivos ou naquela que se refere às novas tecnologias de informação e comunicação.

Assim, atentamos para a globalização como um fenômeno que dinamiza os processos de integração regional, aproximando cidades, nacionalidades, grupos sociais e culturas, processo que nem sempre se encontra livre de conflitos, tornando-se necessário compreender as práticas midiáticas no sentido de fomentadoras de relatos que produzem esse cenário de diferenças culturais, sociais e políticas inerentes à contemporaneidade.

Observamos que o novo cenário político paraguaio assinala que é preciso atentar para a temática das relações entre Brasil e Paraguai. Países contíguos, cujas fronteiras foram delimitadas através de um tratado de limites assinado em 1872, conseqüência da Guerra da Tríplice Aliança, estendendo-se por 1.365,4 km (sendo 928,5 estabelecidas em rios, e o restante pela fórmula de divisor de águas).

Entre as questões que devem merecer atenção especial dos dois governos, sobressaem-se as reivindicações paraguaias referentes a Itaipu e o fenômeno da migração entre os dois países, justamente os dois principais pontos do programa de governo de Fernando Lugo. Ainda, segundo Codas (2008), três temas formam a pauta da nova relação entre os dois países:

    Primeiro, a renegociação do Tratado de Itaipu. Segundo, os resultados da invasão de boa parte do território oriental paraguaio por latifundiários brasileiros produtores de soja (iniciado nos anos 1970). Terceiro, a integração ao Mercosul com uma verdadeira compensação das assimetrias deste pequeno e pobre país em relação aos dois maiores sócios deste projeto - Brasil e Argentina (6).

Ainda, buscamos compreender as estratégias de comunicação que a mídia impressa brasileira adotará para representar o presidente Fernando Lugo no bojo dos assuntos cruciais para a integração entre Brasil e Paraguai, explicitando ou não elementos históricos e simbólicos referentes às relações entre os países vizinhos, adotando procedimentos semelhantes a outros acontecimentos nesse âmbito, como o caso da Petrobras com a Bolívia em 2006, quando mídia hegemônica brasileira praticamente incitou o país à guerra contra aqueles que prejudicavam os interesses nacionais.

Dessa forma, torna-se imprescindível refletir acerca da noção de estratégias de comunicação, bem como buscar um relato de dentro do processo estudado, como uma forma de reflexão metodológica que possibilite contextualizar e ampliar a compreensão do objeto de pesquisa.


Da noção de estratégias de comunicação

Buscamos as bases conceituais que permeiam a noção de estratégias de comunicação no bojo dos estudos comunicacionais. Nesse sentido, percebemos que, não raro, a grande maioria dos trabalhos busca analisar as estratégias comunicacionais de uma organização, de um grupo social, de uma campanha publicitária, apenas para citar alguns exemplos, não havendo a intenção de problematizar o marco conceitual relativo ao termo, no intuito de compreender e dimensionar o suporte conceitual referente às estratégias de comunicação.

González (2008) observa a comunicação como um processo de mútua ação de influência e poder entre seres humanos, tratando-se de uma interação simbólica, e devido ao seu poder de criação e co-participação de valores (poder axiológico e cultura), apresenta reflexos na vida social e nas organizações. Pois, quando uma pessoa busca se comunicar, está convencida de que tem algo de valor para dizer ao receptor, tem como objetivo comunicar uma informação da qual necessita, que o ajudará, que o divertirá, que o emocionará etc. Isso remonta à natureza axiológica da comunicação, pois:

    a comunicação não é neutra e, sim, exerce o poder da influência e tem a capacidade de modificar a nossa percepção da realidade e do conflito e de mobilizar a ação, pois na comunicação emergem, configuram-se e co-participam as hierarquias de valores que movem o mundo (GONZÁLEZ, 2008: 451, tradução nossa) (7).

González fundamenta o seu estudo acerca das estratégias de comunicação nutrindo-se da perspectiva de diferentes paradigmas, como o lógico-analítico da teoria dos jogos, o da complexidade humana e o relacional. Para ele, a teoria dos jogos tem suas bases na informação, sobretudo na carência, na falta, na incerteza de informação.

Na ótica de González, ao se falar em estratégias de comunicação se está referindo a uma situação de jogo estratégico na qual intervêm ao menos dois atores sociais, que são chamados de comunicadores/interlocutores e se encontram jogando uma partida. Esse jogo diz respeito a um objetivo, um propósito ambicionado pelo jogador (a exemplo de construir as representações de um líder político), sendo as regras condicionadas pelo fato de que a comunicação pública na atualidade é essencialmente midiática. Diante dessa visão estratégica, o ato de comunicação adquire três dimensões:

    uma dimensão política (como ato contingente submetido ao risco do erro); uma dimensão dialógica (aberto a internalizar a resposta que provoque) e, finalmente, uma dimensão dialética (disposto a submeter ao exame e à crítica) (GONZÁLEZ, 2008: 456, tradução nossa) (8).

Além disso, o jogador, enquanto emissor, necessita atentar para a existência de outros jogadores, que também participam do jogo e, conforme as suas ações, podem afetar de maneira positiva ou negativa o resultado da partida, por isso:

    na hora de tomar suas decisões comunicativas, o emissor tenha que ter em conta não só sua percepção do jogo, mas também a percepção do jogo dos restantes jogadores. Não só sua conveniência (e o que gostaria de dizer), senão também os interesses (contrapostos ou coincidentes) dos demais jogadores. Não só suas forças e debilidades, senão também as alheias” (GONZÁLEZ, 2008: 456, tradução nossa) (9).

Entretanto, não basta prestar atenção apenas aos outros jogadores, existem outros fatores que também podem exercem forte influência na partida, como o cenário, o público, os antecedentes, os recursos e, principalmente, o contexto, tornando-se imprescindível não apenas interpretar e relativizar as comunicações avaliando os fatores situacionais e culturais do momento, mas também os fatores dinâmicos, as tendências econômicas, políticas, sociais e tecnológicas do contexto.

González (2008) ainda enfatiza que a comunicação, enquanto jogo, não deve ser entendida como uma partida única, mas sim como uma sucessão de jogadas no espaço-tempo. O autor concebe estratégia como a idéia retora, o esquema diretor, o discurso de ação, ou seja, trata-se do conjunto de decisões e métodos adotados visando um objetivo. Assim, cada comunicação estratégica (uma palavra, um sinal, uma carta etc.) formaria parte de um complô (esquema diretor) previamente concebido.

Enfim, as estratégias de comunicação podem ser concebidas como um esquema prévio que fornece suporte para um curso de ação. No entanto, o que difere as estratégias de comunicação das demais é o fato dos jogadores utilizarem a interação simbólica. Reconhecendo, por conseqüência, a propriedade interativa da comunicação, tendo a capacidade de compartilhar valores. Da mesma forma, as estratégias comunicacionais buscam estabelecer um marco de referência para a construção de um discurso e uma lógica de ação. Ainda, conforme Rodrigues (1990), como qualquer atividade, a interação humana possui estratégias, que podem ser comparadas com as estratégias dos jogos de competição.

A noção de estratégia é utilizada há muito tempo, sendo refletida por pensadores como Sun Tzu (10), Maquiavel (11) e Clauswitz (12), que a observaram por meio de uma visão político-militar, na qual conhecer o inimigo se torna uma imensa vantagem, bem como a concepção tático-operacional da informação se constitui em estratégia de guerra.

As revistas semanais brasileiras, por meio das estratégias de comunicação que utilizam para a construção das notícias, tornam-se instrumento fundamental de divulgação e construção das representações simbólicas, entre elas, da figura de um líder político, enquanto ator midiático. Da mesma forma, percebemos a necessidade de pensar em procedimentos metodológicos que oportunizem uma ampliação do horizonte de observação do processo comunicacional que envolve a problemática de pesquisa.


Da entrevista enquanto recurso metodológico de contextualização

A entrevista constitui um importante procedimento/formato de coleta de dados utilizado nas pesquisas no âmbito das Ciências Sociais e Humanas. Segundo Minayo (2002), as pesquisas qualitativas no âmbito das Ciências Sociais e Humanas trabalham com nuances como significados, motivações, valores e crenças que não podem ser simplesmente reduzidos às questões quantitativas, pois dizem respeito a noções particulares. No entanto, os dados quantitativos e os qualitativos se complementam no bojo de uma investigação.

Entendemos que o ponto de partida de uma pesquisa científica deve basear-se em um levantamento de dados, ou seja, em um trabalho de pré-observação do objeto de pesquisa, que constitui-se em um primeiro contato com os elementos que compõem a problemática de investigação, o processo que se quer estudar, o recorte da realidade que se deseja problematizar. Assim, essa experiência de pré-observação se apresenta como uma forma de olhar os fatos, processos ou fenômenos no intuito de ampliar as informações, os dados, as pistas referentes à problemática estudada.

Para tanto, o pesquisador pode lançar mão de diferentes técnicas, recursos, procedimentos metodológicos como a observação participante, a entrevista, grupos focais ou histórias de vida. A opção por um método ou por um conjunto metodológico dependerá da adequação com o objeto de pesquisa, enfim, em entender o que a problemática suscita. Ainda, esse movimento de procura por novos dados, novos contextos, pontos de vista, ocasiona que, não raras vezes, reestruture-se o problema de pesquisa, dando-se ênfase a outros aspectos e processos que antes não eram percebidos.

Da mesma forma, Bourdieu (1999) observa que a escolha do método não deve ser rígida, mas sim rigorosa. Em outras palavras, o pesquisador não necessita seguir um método apenas com rigidez, entretanto, qualquer método ou conjunto de métodos que forem utilizados devem ser empregados com rigor. Ainda, Ander-Egg (1974: 44, tradução nossa) aponta para a idéia de método como sendo “o caminho a seguir mediante uma série de operações e regras prefixadas de antemão aptas para atingir o resultado proposto” (13).

Uma das maneiras de se obter dados seria a entrevista, definida por Haguette (1997: 86) como um “processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”. Da mesma forma, para Duarte:

    entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados (DUARTE, 2004: 215).

A entrevista permite explorar e captar elementos pertencentes à complexidade do processo estudado, mediante informações, percepções, visões, experiências de informantes, assim como compreender de que forma determinado atributo é percebido pelo entrevistado, fornecendo elementos para a observação de uma determinada situação ou estrutura do problema. Sendo igualmente útil para trabalhar com problemas complexos ao permitir uma compreensão de relatos provenientes de experiências e interpretação, a exemplo de relatos das representações. De maneira geral, a entrevista se apresenta como um importante recurso para compreender a visão de mundo dos sujeitos sociais. Na ótica de Ander-Egg, a entrevista:

    é um dos procedimentos mais utilizados na investigação social, ainda que como técnica profissional se use em outras tarefas; o psiquiatra, o psicoterapeuta, o psicólogo, o trabalhador social, o médico, o sacerdote, o jornalista etc. fazem emprego dela para seus diversos fins, tentando de ordinário algo mais que a compilação de dados (como no caso do pesquisador social), já que a utiliza também para informar, educar, orientar, motivar etc., conforme o propósito profissional que se persegue (ANDER-EGG, 1976: 109, tradução nossa) (14).

Há diferentes formas de entrevista, variando conforme a aplicação profissional que se faz dela. No âmbito da investigação social se pode conceder, para o autor, as seguintes modalidades: entrevista estruturada e entrevista não estruturada. Dentro dessa última existem ainda três formas distintas de entrevistas: focalizada, clínica e não dirigida.

A entrevista estruturada se realiza mediante um questionário no qual as perguntas são previamente formuladas, procurando-se não fugir da ordem na qual foram planejadas (15). Já a entrevista não estruturada, por seu turno, permite uma maior liberdade tanto para o entrevistado, quanto para o entrevistador, constituindo-se, geralmente, por perguntas abertas, que são respondidas dentro de uma conversação que é informal (16).

Quanto às modalidades de entrevista derivadas do tipo não estruturada, pode-se dizer que a entrevista focalizada busca analisar a experiência pela qual várias pessoas passaram. Para tanto, o entrevistador formula perguntas derivadas do problema que deseja estudar, focalizando a entrevista em questões que proporcionem esclarecimentos referentes a esse problema. Já a entrevista clínica procura estudar as motivações e sentimentos dos entrevistados, por intermédio de questões baseadas nesses sentimentos e atitudes. E, na entrevista não dirigida, o entrevistador assume uma postura de ouvinte, dando vazão à fala, opinião e sentimentos do entrevistado, animando-o e orientando-o a relatar um determinado tema.

Nesse sentido, entendemos que o uso da entrevista aberta com o professor Juan Díaz Bordenave como recurso metodológico para explorar questões pertinentes para a contextualização e compressão da problemática de investigação, mostrou-se adequada para a reflexão e exploração de elementos teóricos e metodológicos que permeiam o problema de pesquisa, a exemplo da noção de estratégias de comunicação.

Ainda, observamos o professor Bordenave como uma fonte qualificada de informação - já que participou da campanha eleitoral de Lugo e atualmente é membro do governo, ocupando o cargo de assessor do Ministério da Comunicação - nesse momento de estruturação da problemática de investigação e de busca de uma contextualização da realidade a ser observada e que surgia como fundamental, no sentido de fomentar um movimento de reflexão e reorganização das idéias orientadoras/geradoras/suscitadoras da pesquisa.

O movimento de contextualização do objeto de pesquisa é parte importante e decisiva, definindo as relações do objeto com a realidade em que se encontra inserido. Nesse sentido, a realização de uma pesquisa exploratória, conforme Iser (2006: 195), torna-se um momento “para testar procedimentos de pesquisa que poderiam se revelar promissores para serem aplicados posteriormente”.

Pensamos que a problematização dos exercícios de experimentação metodológica, dos seus usos, do movimento de análise e interpretação dos dados obtidos, de busca de aportes teóricos que os sustentem, contribuem efetivamente para a construção do problema de pesquisa, bem como para o encaminhamento de estratégias metodológicas que fujam das tradicionais “receitas de bolo” e que de fato dêem um olhar transversal para tratar o objeto, as perguntas de pesquisa, os objetivos da investigação, enfim, para permitir o avanço na construção do conhecimento, visto por Santos (2009) como prática social.


O relato de Bordenave

No decorrer do processo da entrevista, segundo Bourdieu (1999), torna-se necessário ler nas entrelinhas, ou seja, observar as estruturas invisíveis que organizam o discurso do entrevistado. Nesse sentido, do conjunto do material trazido pela entrevista, deve-se atentar para os elementos, implícitos ou não, que se encontram diretamente relacionados aos objetivos da pesquisa, sendo justamente isso objeto de leitura, procurando-se, assim, extrair pontos do relato que favoreçam o entendimento do processo que se objetiva estudar.

Ainda, a entrevista é visualizada como uma técnica marcada pela subjetividade, pois conforme Bertaux (2005), os relatos são subjetivos e permeados pela influência de diversos fatores, como a necessidade de considerar que a memória individual é parte integrante da memória coletiva.

Exploraremos o procedimento de entrevista aberta com Bordenave, sob a ótica de três parâmetros construídos através de inferências do seu relato – antecedentes, cenário interno e observação das mídias.


Antecedentes

O importante movimento de contextualização da problemática de investigação consiste em articular as premissas iniciais da pesquisa com o relato trazido por Bordenave dos antecedentes da ascensão de Fernando Lugo.

Dentro desse parâmetro de observação, tomamos conhecimento de um significativo movimento político que lançou e deu sustentação para a candidatura de Lugo, o Tekojoja. Para além da coalizão de diversos partidos, esse movimento exerce importante influência nos rumos do governo paraguaio. Pertence a ele a formulação das diretrizes que fazem parte do programa de governo de Lugo e a orientação dos movimentos populares que compõem a base de apoio, como o campesino.

Bordenave também enfatiza o caráter de alternância, de mudança, de cambio relativo ao governo, frente a 61 anos de poder do Partido Colorado, em que tudo “se coloradizou” no Paraguai. Fazendo com que esse partido estendesse seus poderes no judiciário, no Congresso nacional e no executivo e que assim desenvolvesse uma política assistencial, prebendária e clientelista, que contribuiu para desarticular o movimento social. Esse longo processo resultou numa das piores concentrações de terra, no avanço desproporcional do agronegócio, principalmente da soja e dos biocombustíveis.

Frente a tal cenário, Lugo serviu de figura aglutinadora, uma vez que vinha da área eclesial e da ala progressista identificada com as lutas camponesas. Isso significava a simpatia das maiorias indígenas e populares. O processo foi acontecendo de modo lento, até que o bispo católico chegou surpreendentemente ao poder político do país, por meio da Aliança Patriótica para a Mudança.


Cenário interno

Conseguimos dimensionar as ações políticas empreendidas pelo governo Lugo, o cenário político interno, através do panorama trazido por Bordenave.

Entre as ações realizadas pelo governo paraguaio, o entrevistado destaca as do campo da comunicação, como a implantação de “uma agência de notícias do Estado. E, também, a transparência total das informações públicas. Além da criação de uma nova carreira, de técnico em Comunicação para o Desenvolvimento”.

No campo político, Bordenave aponta para a criação de “uma frente social e popular com o povo que não é filiado ao Partido Liberal”, com o propósito, segundo o entrevistado, de “defender Lugo. Fazem mobilizações nas ruas. E também mesas de trabalho. Há 17 delas, sobre transporte, educação, buscando propostas de governo. Não é um partido, é uma frente”.

Ainda, Bordenave observa que diante de um cenário político marcado pela heterogeneidade e a desconfiança, devido à composição das diferentes forças e partidos que fazem parte da Aliança, o governo Lugo “necessita do apoio do povo para poder fazer as coisas”, pois além do mais, não possui a maioria no congresso.


Observação das mídias

Um parâmetro importante para a nossa pesquisa é a observação das mídias, das estratégias comunicacionais empregadas para representar o líder do novo governo paraguaio. Nesse sentido, o relato de Bordenave trouxe elementos pertinentes para observar essa questão. Como a afirmação de que “a imprensa está contra Lugo. Os três principais jornais do país estão contra Lugo”.

Assim, aliada à instabilidade política que marca a conjuntura de forças que compõem o governo, Lugo também não possui respaldo da mídia hegemônica nacional. Segundo Bordenave, “no inicio do governo existia até certa distância e paciência da mídia ao tratar o novo governo”. No entanto, quando observaram que Lugo começou a se aproximar de Evo Morales, de Hugo Chávez, as críticas ao presidente aumentaram e tornaram-se mais fortes, “um terror”, nas palavras do entrevistado.

Ainda, Bordenave teceu considerações sobre o tratamento dado pela mídia brasileira a dois importantes aspectos das relações bilaterais entre Brasil e Paraguai, as negociações referentes ao tratado da hidroelétrica de Itaipu e os trabalhadores rurais brasileiros que vivem no Paraguai, os chamados “brasiguaios”. O entrevistado aponta que “25% da energia brasileira vêm de Itaipu, a preço de custo, beneficiando a indústria do centro do Brasil”, fato que torna mais baratos os produtos industriais brasileiros para o mercado. Nesse sentido, Bordenave aponta que os pontos fundamentais relativos a essa questão dizem respeito ao preço, barato para o Brasil; e à disponibilidade de energia para vender, uma vez que pelo acordo, o Paraguai apenas pode comercializar o excedente de energia que não é utilizada para o Brasil.

Quanto ao tema dos “brasiguaios”, Bordenave observa que “existe algo em torno de 300 mil brasileiros na fronteira”, fato “que vem alterando a cultura do país”. Pois, segundo o entrevistado, “em toda a fronteira, não se escuta rádio paraguaia, não se vê televisão paraguaia, os meninos já não falam nem castelhano nem guarani, só português. E não é culpa das pessoas, é culpa da situação econômica efetiva”. Explicitando um quadro marcado pela permeabilidade da mídia brasileiro no território paraguaio, que leva os seus conteúdos, a sua visão dos fatos para uma audiência híbrida.

Outro importante relato trazido por Bordenave foi a sua visão acerca dos reclamos de paternidade envolvendo o presidente Lugo. Contextualizando, por meio de elementos da história paraguaia, sobretudo relacionados à Guerra da Tríplice Aliança, que devastou a população masculina do Paraguai. Surgindo a idéia da necessidade de repovoamento do país, fazendo com que o fato de homens terem filhos fora do casamento se naturalizasse no imaginário da população, sobretudo do interior.


Reflexões finais

O interesse pelo relato de Bordenave surgiu com o intuito de compreender os aspectos políticos, sociais, comunicacionais e ideológicos que marcaram os novos tempos do Paraguai. Além disso, do nosso ensejo de pensar os procedimentos metodológicos para o desenvolvimento da pesquisa e para a problematização dos marcos conceituais que a permeiam. Como Bourdieu (1998) assinala, os procedimentos da pesquisa são definidos com a prática.

Nesse sentido, os dados obtidos através do relato trazido pelo entrevistado ofereceram-nos significativa compreensão de componentes históricos e simbólicos para refletir o problema de pesquisa e pensar aportes metodológicos e conceitos que dialoguem com a temática estudada.

Ainda, percebemos a existência de contextos macro-sociais que atravessam a construção da problemática e incidem nos processos e estratégias comunicacionais que constituem as representações midiáticas.

Ao longo do presente texto buscamos percorrer a trilha que envolve a construção do nosso problema através da fala de Juan Diáz Bordenave, que se apresentou como suscitadora para dimensionar o recente horizonte paraguaio, marcado pela ascensão de um novo ator político e midiático – Fernando Lugo. Um próximo passo seria problematizar a apresentação desse horizonte no âmbito das estratégias de comunicação empregadas pela mídia impressa brasileira para representar o presidente do país vizinho.

 
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(1) Trabalho apresentado no GP Mídia, Cultura e Tecnologias Digitais na América Latina, do IX Encontro dos Grupos/Núcleos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Curitiba-PR, 04-07/09/2009).

(2) Os missionários do Verbo Divino se constituem como uma congregação da Igreja Católica que forma e envia missionários para diversos países do mundo, com o objetivo de pregar o evangelho.

(3) “Hablar de esta posibilidad, tres años antes, era no solo poco creíble sino inimaginable. Además del Partido Colorado, los demás partidos tradicionales (o conservadores) opositores carecían de proyectos aglutinantes y la izquierda todavía estaba lejos de alcanzar una proyección política protagónica”.

(4) Expressão guarani - idioma falado por 87% da população paraguaia – que quer dizer “viver em igualdade”. O Tekojoja é composto por líderes sociais, intelectuais, operários, camponeses, estudantes, artistas, políticos que não são originários dos partidos tradicionais, enfim, trata-se de um grupo que busca pensar politicamente os movimentos sociais que fazem parte.

(5) Termo utilizado por Ianni para descrever o processo de globalização.

(6) Disponível em www.alainet.org. Acesso em 05 de julho de 2009.

(7) “La comunicación no es neutral y, sí ejerce el poder de la influencia y tiene la capacidad de modificar nuestra percepción de la realidad y del conflicto y de movilizar a la acción, es porque en la comunicación emergen, se configuran y coparticipan las jerarquías de valores que mueven el mundo”.

(8) “Una dimensión política (como acto contingente sometido al riesgo del error); una dimensión dialógica (abierto a la internalizar la respuesta que provoque) y, finalmente, una dimensión dialéctica (dispusto a someterse al examen y a la crítica)”.

(9) “A la hora de tomar sus decisiones comunicativas, el emisor tenga que tener en cuenta no sólo su percepción del juego, sino también la percepción del juego de los restantes jugadores. No sólo su conveniencia (y lo que le gustaría decir), sino también los intereses (contrapuesto o coincidentes) de los demás jugadores. No sólo sus fuerzas y debilidades, sino también las ajenas”.

(10) TZU, Sun. A arte da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

(11) MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

(12) CLAUSWITZ, Carl von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

(13) “El camino a seguir mediante una serie de operaciones y reglas prefijadas de antemano aptas para alcanzar el resultado propuesto”.

(14) “Es uno de los procedimientos más utilizados en la investigación social, aunque como técnica profesional se usa em otras tareas; el pesiquiatra, el psicoterapeuta, el psicólogo, el trabajador social, el médico, el sacerdote, el periodista, etc. hacen empleo de ella para sus diversos fines, procurando de ordinário algo más que la recopilación de datos (como en el caso de lo investigador social), puesto que se la utiliza también para informar, educar, orientar, motivar, etc., conforme el propósito profesional que se persigue”.

(15) Como exemplo dessa modalidade de entrevista, podemos citar as pesquisas de opinião, eleitorais, mercadológicas, de audiência.

(16) Observamos que essa modalidade de entrevista atende principalmente a finalidades exploratórias, sendo comumente utilizada com o objetivo de conseguir detalhamento de questões e formulações mais precisas dos conceitos relacionados, ou seja, constitui-se como uma forma de explorar mais amplamente um tema.

 
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