edição 8 | Julho-Dezembro de 2010
Editorial
Cultura audiovisual contemporânea: práticas e transformações
Em sua oitava edição, a revista RuMoRes completa quatro anos. Nesse período, foram publicados artigos variados, tratando de temas como jornalismo, publicidade, literatura, cinema, internet mas, mais do que isso, de perspectivas híbridas e abordagens múltiplas sobre eles. Deslocando-se em interfaces e espaços dialógicos em termos teóricos e metodológicos, os textos reunidos neste número mantêm tal diversidade não apenas em termos temáticos, mas também em relação a seus autores (titulações, instituições, regiões do país) e as formas de interpretar e refletir sobre a produção midiática.

Os cinco artigos publicados em nosso Dossiê estabelecem escritas e escutas perspicazes sobre as atuais práticas comunicacionais em contextos sociais específicos. Reunindo pesquisadores que integram diferentes grupos de trabalho dos encontros da Compós, os textos podem ser agrupados sob a expressão Cultura audiovisual. Problematizando o conceito de entretenimento, Márcio Serelle propõe a noção de “entretenimento fraturado” como modo de compreensão, em nosso meio, de determinadas narrativas midiáticas (telenovelas, reality shows, filmes) e seus modos de hibridização que, na redução do ficcional, conformam instâncias de debate acerca de temáticas políticas, sociais e culturais em relação direta com o circunstancial. O texto articula-se àquele proposto por Gelson Santana sobre as relações entre o periférico e o massivo na cultura das mídias, tema desenvolvido a partir do estudo de três filmes, buscando apontar as estratégias que servem de base ao processo de passagem, agenciamento e reestruturação a que um contexto “local” se expõe na sua transformação em “global” nas narrativas audiovisuais contemporâneas.

Voltando-se para textos fílmicos específicos, também os artigos de Vander Casaqui e Rose de Melo Rocha tratam de problematizar as formas de representação e construção de subjetividades em filmes contemporâneos. O primeiro artigo tem por objetivo analisar o filme francês “O adversário” (2002), buscando compreender os significados do mundo do trabalho e do desemprego na produção cinematográfica – esta entendida como uma forma privilegiada de materializar pontos de vista sobre a condição humana em meio ao contexto sócio-cultural-econômico de nosso tempo. O segundo pretende analisar cenários culturais emergentes protagonizados por setores juvenis, tomando por inspiração cenas do filme “Apenas o fim” (2009) para colocar em discussão determinadas práticas comunicacionais nas quais narrativas midiáticas são apropriadas, revelando subjetividades e epistemes particulares.

Ampliando o escopo das manifestações dessa cultura audiovisual contemporânea, o texto de Renato Cordeiro Gomes traça um percurso que parte da modernidade e encontra, nas práticas midiáticas atuais – compreendidas em sentido amplo – elementos constituintes de nossa imaginação tecnológica. A mostra “1908 – Um Brasil em Exposição”, realizada em 2010 e que resgata a “Exposição Nacional de 1908”, é escolhida como motivação para colocar em pauta a modernização do país, o progresso e a imaginação tecnológica, e seu atrelamento às mídias, componentes também motivadores da produção de João do Rio e seu possível “futurismo”.

Os artigos livres reúnem onze autores que apontam para a complexidade do campo de estudos da comunicação em suas interfaces com a linguagem e as mídias. O primeiro, escrito por Luís Sá Martino, analisa livros brasileiros publicados nos últimos doze anos, intitulados “teoria da comunicação”, justamente para apontar índices mínimos de consenso entre os autores a respeito de seus elementos. Tal análise indica certa flexibilidade das fronteiras do campo de estudos da comunicação e, ao mesmo tempo, a valorização de uma perspectiva interdisciplinar em sua epistemologia. O artigo de João de Deus Barreto Segundo aborda, em perspectiva teórica, o campo de estudos do cinema documentário, destacando seus aspectos éticos, formais e estilísticos no que diz respeito aos discursos ou argumentos construídos sobre a realidade. O filme “As estações” (1975), do cineasta armênio Artavazd Peleshian, foi escolhido para análise por aparentar ser mais propriamente um registro de uma sensibilidade extrapolando o registro de fatos sociais. A entrevista como estratégia de construção da verdade na narrativa telejornalística e documental é tema do artigo de Christina Ferraz Musse e Mariana Ferraz Musse. Os diversos tipos de entrevista, a relação entre o entrevistador e o entrevistado, o documentarista e o documentado e os espaços de objetividade e subjetividade na representação do real são destacados no texto.

Os processos de representação e construção de identidades, especialmente no campo das artes, são tema dos artigos de Nardo Germano e José Cláudio Siqueira Castanheira. No texto de Germano, são abordados aspectos presentes nas mídias, especialmente em formato interativo no campo da arte digital, visando definir a noção de poéticas em coletividade como procedimento de apropriação artística e tecnopolítica dos mecanismos de produção das representações da realidade. O texto de Castanheira, por sua vez, busca pensar a virtualização dos corpos na cultura contemporânea através de três eixos. Usando um show da banda alemã Kraftwerk como exemplo, o artigo demonstra como a música eletrônica passou a se valer de um objeto sonoro desvinculado de um corpo empírico, o que pode ser estendido para a produção de imagens de síntese, virtualizando os corpos por meio das tecnologias.

A questão do corpo também se faz presente no artigo de Anelise Rublescki, que considera o jornalismo como um lugar discursivo, um campo de produção e circulação de sentidos estruturado por um contrato de leitura entre o enunciador e o leitor. Por meio da análise das estratégias discursivas da revista Nova, evidencia as formas de representação da mulher nesta publicação. De modo semelhante, o texto de Hilton Castelo trata das representações do cigarro a partir de uma foto jornalística veiculada no jornal Folha de S. Paulo, analisando imagens do enunciador e do co-anunciador presentes neste discurso.

Na perspectiva dos hibridismos presentes nas mídias, o texto de Pablo Moreno Fernandes Viana, bem como o de Paula Faro, apontam relações entre as mídias audiovisuais e as mídias digitais. O primeiro apresenta uma análise de um website utilizado pela operadora de telefonia Oi na campanha pelo desbloqueio de celulares. O segundo aponta de que modo a linguagem do vídeo vem exercendo enorme influência na linguagem cinematográfica, demonstrando como a linguagem videográfica aproximou a linguagem do cinema à do videoclipe e vice-versa.

Também na interface entre as mídias audiovisuais e digitais, o texto de Cláudio Vidal Eufrasino tem como objetivo analisar as possibilidades, conflitos e desafios relativos à interatividade na TV digital. Para isso, busca refletir sobre o lugar da TV digital num espaço de estratégias discursivas que dialogam com o gênero discursivo TV e com a convergência multimidiática, em particular na internet. O último artigo desta edição, de Ivan Fortunato e Iracema Torquato, discute a prática de leitura na escola por meio da educomunicação, apresentando postura crítica frente ao papel reprodutivo da escola e do pensar dominante da mídia. A proposta visa unir o lúdico ao artístico para a superação do discurso autoritário da escola, vista como espaço dialógico.

A resenha desta edição, escrita por Mariana Marchesi, aborda o livro Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar, de Massimo de Felice, estabelecendo articulações com diversos aspectos abordados nos artigos. Muitos desses textos trazem imagens e ilustrações que complementam e ampliam o escopo de sua escrita, movimento que incentivamos e reconhecemos como fundamental em nosso esforço por estabelecer, cada vez mais, pontos de intersecção com os leitores e leitoras da RuMoRes.

Boa leitura a todos!


Rosana de Lima Soares

dezembro de 2010

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