edição 3 | Julho-Dezembro de 2008
Editorial
Diversidade
Com a formalização dos direitos humanos, conquista que anima os empreendimentos ocidentais, sua expansão e desdobramento foram acionados. Os direitos se irradiam, alcançando todas as esferas, distribuindo-se em partes, instalando outras perspectivas em consonância a ideais democráticos.

Dentre estas reverberações, compareceu o elogio à multiplicidade, enquanto representativa de diferenciados nichos, enfim, instalou-se a defesa da diversidade, enquanto princípio. Até a filosofia, desde a segunda metade do século passado, dedicou-se à diversidade, na forma da diferença ou dos devires.

A RuMoRes, com os artigos que tem publicado, alinha-se a este princípio, como não podia deixar de ser, em variadas manifestações: diversidade de autores publicados, quanto a suas especialidades, instituições de origem e titulações; diversidade de objeto e método.

Ainda que os artigos sejam agrupados por temas, os objetos, em que os temas são examinados, variam bastante; ainda que haja objetos subsumíveis a um mesmo campo, surgem as diferenciadas facetas do modo de existir de um mesmo objeto.

Este número da revista traz um dossiê sobre cinema. No entanto, Antonio Fidalgo, em “Poder e liturgia em The Godfather (O poderoso chefão) de Francis Ford Coppola”, prioriza as relações de poder protagonizadas em nome da honra da família, como forma de liturgia, enquanto Alberto J. L. Carrillo Canán e May Zindel, em “Digital image and cinema”, enfocam as tecnologias digitais e seu reforço à imagem em detrimento da articulação narrativa. Por outro lado, Lisandro Nogueira, em “Cinema e jornalismo: o melodrama e a tragédia moderna”, faz a ponte entre as formas narrativas do cinema e as do telejornalismo.

Para além do dossiê, há artigos com foco na produção cinematográfica, agora como objeto de exercício para exame da idéia de recepção enquanto aparelho de articulação dos sentidos de vida.

Nessa busca, a saber, a da construção de sentidos sociais, Larissa Carneiro, em “A representação imagética do fato e a verdade evanescente”, transita entre o cinema, a literatura e o jornalismo. Ou seja, o objeto se desdobra em associações em torno de um tema. E Gabriel de Barcelos, em “Corpo, aparelho e auto-imagem”, enfoca vídeos disponíveis na internet, enquanto manifestações da auto-imagem contemporânea, visitando o histórico da tecnologia que conduziu ao cinema e seus efeitos na construção de subjetividade.

Como se vê, o jornalismo já foi explorado por esses artigos, mesmo onde o objeto central era o cinema e o tema a construção de subjetividade. Há, entretanto, outros que tomam o próprio jornalismo como objeto. Mesmo assim, esse foco traz lentes diferenciadas, em função dos temas.

Gislene Silva, em “Problemática metodológica em jornalismo impresso”, recupera estudos realizados sobre jornalismo e, examinando as opções metodológicas que os conduziram, procura fundamentar crítica e pavimentar caminhos possíveis. Enquanto isso, Ricardo Nicola, em “Convergências das redes – nova fronteira para compreender a cibercidadania e o jornalismo on-line”, procura dar corpo às pesquisas sobre jornalismo digital, favorecendo a compreensão de sua estrutura, enquanto promotora de cidadania on-line.

Marcio de Souza Castilho, em “A presença da Esso na imprensa brasileira”, examina o compromisso desta empresa com o jornalismo, associando-o a condições sócio-históricas. Gláucia Mendes, em “Teias e tramas midiáticas: os discursos da Folha e da Veja na reconstituição do golpe contra Hugo Chávez”, aplica-se à observação da hegemonia no jornalismo, através do estudo de casos.

Claro que todos estes artigos têm a comunicação como esfera comum. No entanto, há aqueles que a tomam do ponto de vista da reflexão teórica, como o faz Rosana de Lima Soares, em “No rastro do discurso: para pensar a comunicação”, problematizando a noção de mídia a partir do conceito de discurso.

O campo da comunicação é novamente abordado, sob outro viés, por Simone Muniz, em “A memória da comunicação em instituições biomédicas: considerações sobre os efeitos da comunicação organizacional em mudanças na relação biomédico-paciente”. Nesse caso, não só a comunicação é focada a partir de uma esfera específica, mas também é questionada em termos de seu potencial para criação de “mundos”.

Tais Souza, em “SESCTV: por uma transgressão pela linguagem”, explora o campo da comunicação a partir de um veículo específico, interrogando-a em termos do jogo entre conservação e inovação.

Quanto a inovações, ou possíveis transformações culturais, é o trabalho de Francisco Leite, em “A publicidade contra-intuitiva: possíveis articulações e reflexos nos estigmas e estereótipos sociais”, onde a publicidade é o lócus desse questionamento.

Até a resenha apresentada sustenta o princípio da diversidade, no mínimo em termos de suporte midiático, ao abordar o filme Senhores do crime (Eastern Promises), de David Cronenberg.

Mas, a questão da diversidade não se esgota com a estratégia da multiplicidade que tenta dar-lhe vazão. O trabalho de Aline Akemi Nagata, “Multiculturalismo e literatura: as fronteiras do currículo oficial”, foi deixado por último porque relembra uma luta e as conquistas, sempre precárias, em relação ao privilégio a ser dado à diversidade. Ao mostrar que um currículo escolar único é reducionista e necessita de acomodações a circunstâncias locais para dar espaço a riquezas esquecidas, Aline caminha em uníssono às propostas que reclamam visões multifacetadas como medidas de saneamento para preconceitos, destituições, exclusões etc. Por outro lado, ela faz alusão à cena constituída como pano de fundo a essas reivindicações.

Por um lado, não há como dar conta dos fluxos das diferenças que sempre se desdobram, ainda que as coloquemos em evidência, como fizeram os artigos dessa publicação e o texto deste editorial.

Por outro lado, não há como fugir a categorias, que fixam coordenadas das quais se alimentam qualquer posição reguladora, incluindo grades curriculares, unificadas ou não. Neste editorial, a tentativa de traçar os pontos comuns entre os artigos é exemplo das construções topológicas que orientam tanto as cognições quanto a retenção de saberes. Ainda que as facetas diferenciadas tenham sido apontadas, houve um aplainamento.

Assim, fica exposta uma oposição irredutível, que deve ser mantida no horizonte de qualquer estudo, pois dada a sua natureza, ou a naturalidade com que se processam as categorizações, enquanto modo de conhecer e de repassar conhecimento, o movimento de contenção é prevalente em relação ao de abertura. Se a diversidade encontra seu limite na própria proliferação de diferenças ela também o encontra no esquecimento da consistência das repetições.


Mayra Rodrigues Gomes

dezembro de 2008

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