edição 1 | Julho-Dezembro de 2007
Editorial
Novos Rumores
Nosso empreendimento deve seu nome à idéia de “rumor na língua”. Contudo, o acordo pela forma plural, se favoreceu uma sonoridade menos ríspida, na realidade corresponde a um entendimento de condições implícitas na idéia.

Os dicionários estão concordes quanto à definição de que rumor é o ruído produzido por deslocamentos. Tal concepção, quando aplicada às línguas, ou melhor, às linguagens em que o humano se faz, diz respeito ao fato de que entre as palavras e as coisas existe uma distância intransponível. Podemos figurá-la como uma fissura, disfarçada por nossas narrativas de mundo, entre duas dimensões díspares: a dos signos, que tentam dizer as coisas, e a das coisas, deslocadas em relação a seus nomes, ainda que, em muitos casos, somente a eles devam sua existência.

O interstício assim compreendido, guarida à equivocidade, aciona um jogo de remissões em que as significâncias se multiplicam e assumem outros contornos. Já se vê que não lidamos, aqui, com as teorias que dispõem sobre os ruídos que perturbam o canal e interferem no fluxo de informação, impedindo a empreitada da comunicação perfeita. Ao contrário, recordamos uma condição de base que faz com que os rumores sejam uma das faces da comunicação em sua própria natureza. Basta recorrermos aos mesmos dicionários para constatarmos que as significações se enviesam, numa automática geração de ruídos/rumores. O significado dado, para a palavra investigada, conversa com outros significados e as definições se realizam na oferta de outros tantas palavras, sempre adiando o fechamento intencionado.

O mesmo sucede com nossa definição primeira e genérica de rumor. Ela induz ao deslocamento, não por tê-lo mencionado, mas por ter introduzido no jogo do significado a alusão a outros significantes. Assim, o deslocamento é aqui tomado como assimetria entre o nome e o campo nomeado. Desta primeira definição, outras significações se irradiam. Mas, sob o olhar que lhe lançamos, a partir do enquadramento das linguagens, dela se derivam e se encadeiam as demais, sempre remetendo a infinitas possibilidades de formação.

Que rumor seja o som indistinto do ruído contínuo de inúmeras vozes, trata-se, novamente, de uma projeção na brecha entre duas dimensões descasadas, por isso sujeitas a re-interpretações sucessivas no esforço de obtenção deste enlace que lhes é subtraído.

Este espaço de indefinição, encravado nos deslocamentos, acolhe dos ditos aos interditos, dos textos aos palimpsestos, dos discursos aos interdiscursos. Abriga pura propagação-vestígio desta condição originária das palavras, com suas idéias, em relação às coisas.

Há um rumor na gênese das linguagens que torna toda produção linguajeira, a rigor tudo, nada mais, no limite, do que um desdobramento em RuMoRes.


Mayra Rodrigues Gomes

dezembro de 2007

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