edição 6 | Setembro-Dezembro de 2009
Editorial
Reminiscências
“Le language poétique apparaît comme un dialogue de textes: toute séquence se fait par rapport à une autre provenant d’un autre corpus, de sorte que toute séquence est doublement orientée: vers l’acte de la reminiscence (évocation d’une autre écriture) et vers l’acte de la sommation (la transformation de cette écriture)” (Julia Kristeva) (1).


Julia Kristeva, ao trabalhar com o pensamento bakhtiniano, marca o conceito de intertextualidade como correspondente ao movimento da linguagem, e posteriormente não só ao da linguagem poética, que recupera textos antigos. No entanto, o afloramento destes se dá em outra forma, e por isso, como novo em relação antecedente.

As publicações da RuMoRes têm apresentado esse jogo. Na cena das inquietações acadêmicas, há reminiscência e há reinvenção. Os artigos da presente edição, embora tenham como foco meios e produtos específicos, dedicam-lhes um tratamento que envia a conceitos e teorias que vêm sendo trabalhados há algum tempo. Entretanto, estes são retomados em outro registro e, por isso, constituem inovações.

É antiga a preocupação com a autorreferencialidade, com a qual se legitimam veículos e programas. Mas é sempre novo, e necessário, seu exame contextualizado, dada a sua disposição disciplinar. Por outro lado, a questão das fronteiras entre gêneros, já bastante difusas e, por isso, problematizadas há décadas, é agora tomada pelo viés de uma condição de transmídia, que só pode ter lugar a partir da contemporânea progressão tecnológica e correlato fomento mercadológico.

As mídias digitais são assunto desde sempre novo, uma vez que elas vivem a se obsoletizar na reinvenção de si mesmas, uma vez que elas vivem a promover reinvenções de seus usuários no desenho de relações sociais transmutadas. Nestas, estão implicados tanto as relações de trabalho quanto as relações com o corpo, o ser e o modo de ser.

Claro que, diante disso tudo, desenham-se, também, as sempre candentes questões de cidadania, que hoje implicam a posição das minorias e a defesa de direitos. Estes últimos, por sua vez, implicam a construção de subjetividades e as representações sociais que nos norteiam.

Os meios, como um todo, são interrogados a partir de sua função social. Mas, ao jornalismo, em particular, se cobra a responsabilidade social, por seu potencial crítico, pelos efeitos de sentido na colocação de figuras ideais, pela legitimidade, fidedigna ou não – tanto de pautas quanto de agentes – e, finalmente, pelo “uso adequado da intertextualidade”.

Os artigos selecionados foram ordenados a partir de combinatórias possíveis entre seus temas: no Dossiê, é novamente o cinema que se torna objeto privilegiado de análise, com os textos de Laura Cánepa, Marcius Freire e Samuel Paiva. As relações entre os meios em termos de seus possíveis efeitos de sentido são apresentadas em quatro textos, escritos por Adriana Santos, Kelinne Guimarães e Maiara Silva; Ângela Marques; Vander Casaqui; e Marcelo Volpato. Sobre os discursos jornalísticos, encontramos abordagens diversas nos quatro textos de Eliza Casadei e Rafael Vanancio; Fernando Resende; Mariana Duccini; e Terezinha Tagé. Finalmente, as representações sociais presentes nas mídias são relatadas nos quatro artigos finais, de Danúbia Andrade; Cristina Mungioli; Mauro Ventura e Reuben Rocha.

Esta edição marca, ao menos em parte, preocupações que têm tido presença constante em nosso horizonte e, com essa perseverança, talvez estejam a apontar para algo mais que a reminiscência. Lembremos, então, que a colocação de Julia Kristeva alude ao que torna a emergir no contexto de determinada cultura, a um tempo e lugar. Nesse caso, podemos dizer que a cada edição, para além das preocupações acadêmicas reinventadas, a Rumores assinala, ainda que parcialmente, pontos nodais no panorama de nossa cultura.


Mayra Rodrigues Gomes

dezembro de 2009



(1) “A linguagem poética se mostra como um diálogo entre textos: toda seqüência se faz em relação a outra proveniente de um outro corpus, de maneira que toda seqüência é duplamente orientada: em direção ao ato da reminiscência (evocação de uma outra escritura) e em direção ao ato da ordenação (a transformação dessa escritura)” (KRISTEVA, Julia. Semeiotike: recherches pour une sémanalyse. Paris: Seuil, l978, pp.120-121).

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