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SG/CLR/28/1998

São Paulo, 29 de abril de 1998.

CIRC. SG/CLR/28
LC/mjco

Senhor(a) Diretor(a),

De ordem do Senhor Presidente da Comissão de Legislação e Recursos, comunico a V. Exª que aquele Colegiado, em sessão realizada em 15 de abril de 1998, aprovou o entendimento exposto no parecer da Conselheira Ada Pellegrini Grinover, em anexo, no sentido de que as decisões dos Colegiados pela não renovação de contratos docentes devem ser motivadas, isto é, devem conter as razões que embasaram o julgamento, sempre que o prazo do contrato tenha sido prorrogado por diversas vezes, levando a uma longa permanência do docente na USP.

Isto posto, solicito a V. Exª que este parecer seja divulgado no âmbito de sua Unidade, para que se cumpra a decisão da CLR.

Colocando-me à disposição de V. Ex.ª, aproveito o ensejo para renovar os protestos de estima e apreço.

Prof.ª Dr.ª LOR CURY
Secretária Geral

Circular encaminhada aos Srs. Diretores

PARECER
Protocolado : 97.5.47.18.5
Interessado : Dawilson Lucato

Assunto: Recurso contra decisão do Conselho do Departamento de Engenharia Mecânica contrária à renovação de contrato docente, rejeitado pela Congregação da Escola de Engenharia de São Carlos.

À CLR:

O recorrente, docente contratado do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos, recorreu da decisão do Conselho Departamental, que não renovou seu contrato, solicitando sua revisão (fls.13). Mantida a decisão pelo Conselho, o recurso foi encaminhado à Congregação, que o indeferiu (fls.39), tendo o interessado requerido seu encaminhamento ao Conselho Universitário (fls.44). 

A manifestação da Consultoria Jurídica versa exclusivamente sobre a admissibilidade do recurso, entendendo poder ser ele conhecido somente a título de direito de petição, porquanto, se o Departamento não propõe a contratação ou recontratação do docente, não há matéria a ser submetida à apreciação da Congregação, cabendo a esta decidir exclusivamente sobre as propostas de contratação ou renovação (fls.47/49). 

É o relatório. Opino. 

1 – O raciocínio da Consultoria Jurídica só pode ser aceito quando não haja recurso da decisão do Conselho do Departamento contrária à contratação ou recontratação do docente, pois do referido Conselho é a competência para a proposta. Não impugnada a decisão, efetivamente não haverá matéria a ser alcançada à Congregação. 

Mas se a decisão do Conselho Departamental é objeto de recurso, é evidente que este, enquanto tal, deve ser conhecido pelo órgão superior – justamente a Congregação – que exerce o primeiro controle sobre a legalidade da decisão. 

2 – O recurso de fls.13 insurge-se contra a falta de motivação da decisão do Conselho Departamental, insinuando o desvio de finalidade, quando, após solicitar “uma análise fora do personalismo e preconcebimento”, conclui: 

“Gostaríamos, ainda, que o julgamento de V.Sas. fosse pautado por questões justas e objetivas, iluminadas sob a luz da área em que atuamos e, que estes mesmos argumentos fossem externados de forma explícita e clara, sem dar margem a dúvidas e dubiedades, de modo que não fiquemos na condição de réu, perplexos, desconhecendo os motivos da votação e sem condições de defesa”. 

3 – É certo que o poder discricionário (em casos como este, do Departamento, a quem compete propor a contratação ou recontratação) não se confunde com a arbitrariedade, significando apenas que a administração pode editar atos baseados na conveniência e oportunidade, movendo-se mais livremente entre os parâmetros fixados pela lei. O arbítrio, ao contrário, indica infringência à lei, passível de caracterizar-se mediante o desvio de finalidade, em que o fim do ato não é declarado, aderente ao interesse público, mas sim outro, não confessado. E o possível desvio de finalidade submete-se ao controle interno da administração, pela via recursal. 

4 – A essa questão liga-se a obrigatoriedade de motivação do ato administrativo, mesmo quando discricionário, pois é pelos motivos que se podem aferir as verdadeiras razões do ato, avaliando o possível desvio de poder. 

Por essa razão, a obrigação de motivação do ato administrativo é um postulado do Estado de Direito, que não visa apenas a servir ao interesse subjetivo da parte, que deve conhecer as razões que embasam o julgamento para poder impugná-lo, mas que tende sobretudo a garantir o interesse público, objetivo, do corpo social, à legalidade e justiça das decisões. 

A obrigatoriedade da motivação, nesse enfoque, representa forma de controle popular sobre as decisões estatais e seu descumprimento leva à nulidade do ato, consoante solenemente afirmado pela Constituição do Estado de São Paulo, no art.111. 

5 – Ora, no caso em tela, a decisão do Conselho do Departamento de Engenharia Mecânica, quanto à não renovação do contrato do docente, não é motivada. Seu teor é o seguinte: 

“Abrindo a discussão sobre o assunto foi amplamente comentado que o Departamento não foi o causador do fato do Prof. Dr. Dawilson Lucato ter sido prejudicado com relação a sua carga didática como é dado a entender no parecer elaborado por professor externo ao Departamento sobre seu relatório de atividades. A recontratação do Prof. Dr. Dawilson Lucato estava sub judice tramitando nos órgãos superiores da USP e como estava fora da folha de pagamento, o Departamento de Engenharia Mecânica da EESC não poderia atribuir-lhe aulas nestas condições. Em seguida a renovação de seu contrato foi votada secretamente. O resultado dessa votação foi 06 (seis) votos contrários, 02 (dois) votos favoráveis e 04 (quatro) abstenções”(fls.5).

Vê-se daí que o que poderia parecer motivação nada mais é do que uma espécie de defesa do Departamento quanto à circunstância, apontada pelo relatório de atividades, de que o docente teria sido prejudicado em relação à sua carga didática. Mas nem uma palavra existe sobre as razões pelas quais não seria conveniente, para o Departamento, a renovação do contrato. 

À mesma conclusão chega-se pela leitura da ata da Congregação, de fls. 9/10, que se limita a transcrever a decisão do Conselho Departamental e o relatório de atividades do docente, culminando com a votação contrária a seu recurso, igualmente imotivada. 

Tão pouco se pode afirmar que a motivação surja indiretamente do relatório de atividades de fls.6/7, pois o conteúdo deste, apesar de algumas recomendações, é favorável ao docente, contendo críticas ao Departamento, que o mesmo se preocupou em rejeitar, sem todavia dizer uma só palavra quanto às razões que o levaram a não propor a renovação do contrato. 

6 – Cumpre, porém, perguntar: tratando-se de não renovação de contrato docente, por decisão do Departamento a quem compete propor a recontratação, deverá este motivar a decisão? Ou, ao contrário, o vencimento do contrato acarreta sua automática extinção, devendo o Departamento motivar tão somente a proposta de recontratação? 

A segunda alternativa foi seguida pela USP durante longo período, entendendo-se não haver direito subjetivo do docente à renovação do contrato, pelo que este, em seu vencimento, deixa simplesmente de existir, ficando a exclusivo critério do Departamento a proposta de recontratação. Nesse enfoque, não há necessidade de motivação da decisão do Departamento que deixa de propor a renovação do contrato. 

Mas a orientação sofreu modificação no caso da Profª Marina Passetto Nóbrega (Proc. 97.1.388960.1.8; 97.1.32957.1.5 e 85.1.12246.1.4), que recorreu da não prorrogação de seu contrato docente, tendo o Co, em sua primeira decisão, acolhido o recurso, por entender não ter se baseado a negativa em razões de mérito acadêmico, mas sim de ordem pessoal. E só na segunda decisão, verificada a efetiva falta de interesse da unidade na permanência da docente em seus quadros, o Co considerou rescindido o contrato. 

7 – Penso que a questão não pode ser resolvida sem levar em conta a política que a USP seguiu por muitos anos quanto aos contratos docentes e suas prorrogações. 

Esses contratos deram origem a um regime de trabalho que, embora chamado de estatutário, não assegura o direito à estabilidade, mas que, em contrapartida, tão pouco é coberto pelas leis trabalhistas. Por outro lado, tais contratos, via de regra, foram se perpetuando no tempo, sujeitos a infinitas prorrogações, sem que a instituição abrisse concursos públicos para preencher os respectivos cargos. 

E assim, a maioria dos denominados “precários” foi sendo mantida na USP durante anos a fio, tornando-se a prorrogação dos contratos quase que automática e excepcional a não renovação. A política da USP acabou criando, para os contratos, senão um direito à prorrogação, pelo menos uma forte expectativa de recontratação, transformando a não renovação numa espécie de punição. Até porque o docente que, depois de uma longa série de prorrogações de contratos, não mais a obtém, acaba não tendo reconhecido um dos mais comezinho direito trabalhista: a percepção do fundo de garantia. 

8 – O direito, na lição de Mestre Miguel Reale, é fato, valor e norma e a aplicação da norma não pode ficar desvinculada dos fatos e do dever-ser. A meu ver, se os fatos fossem normais e se a USP tivesse utilizado regimes contratuais de seus docentes como contratos de experiência, dentro de um período determinado por ela fixado, não teria dúvidas em acompanhar a tese de que o vencimento do contrato provoca sua extinção, sendo esta automática e não havendo necessidade de motivação alguma para a não renovação. Mas, diante de situações como a do recorrente, que foi contratado em fevereiro de 1974 e que, com nove prorrogações, continuou como docente até outubro de 1997, não posso acolher a posição segundo a qual a não recontratação possa ser imotivada. Sem fortes razões, de mérito acadêmico ou de outra índole, que a unidade apresente claramente, não vejo como aplicar ao docente aquilo que se assemelha a uma punição, desvinculando-o da USP depois de mais de 23 anos, ao cabo dos quais não terá direito ao fundo de garantia. É aqui que entra o elemento valorativo que deve acompanhar a aplicação da norma aos fatos. 

9 – Entendo haver incompatibilidade entre qualquer regime de trabalho temporário, que não ofereça garantias contra a não estabilidade, e uma prestação de serviços que durou mais de 23 anos. 

Por essa razão, em casos em que as prorrogações do contrato se sucederam durante muitos anos, tenho para mim que a não renovação há de ser rigorosamente motivada. Diversa será, sem dúvida, a situação nos casos em que o contrato temporário tenha perdurado por tempo razoável, considerado como sendo de experiência, extinguindo-se, então, automaticamente. Assim, a necessidade ou não de motivação, na hipótese de não prorrogação ou renovação do contrato, deverá ser estabelecida caso a caso, segundo os critérios acima. 

10 – É por isso que, no caso dos autos, manifesto-me pela nulidade da decisão do Conselho de Departamento, por falta de motivação, não podendo o ato ser convalidado, pois vários outros foram praticados em seqüência. A nulidade do ato invalida os que lhe são subsequentes, que a ele estejam ligados por uma relação de causa e efeito. E alguns dos atos sucessivos, como a decisão da Congregação, são igualmente viciados por falta de motivação. 

Opino, assim, pela volta dos autos ao Conselho do Departamento, para que profira nova decisão, motivada, devendo a eventual decisão pela não renovação do contrato basear-se em razões de mérito acadêmico ou em outras que porventura queira levantar. Se não houver recurso da nova decisão do Departamento, contrária à recontratação, a questão acabará em seu âmbito. Se houver recurso, este será novamente alçado ao conhecimento da Congregação, que o acolherá ou rejeitará, também motivadamente. 

Para efeito de orientação dos colegiados nas decisões que tomarão, esclareço que, mesmo a votação sendo secreta, não o é o procedimento que a antecede e muito menos pode sê-lo a motivação. E a motivação, nesses casos, tanto pode consistir na votação de um parecer fundamentado, que a maioria acolha, como pela transcrição das manifestações expendidas na sessão de julgamento pelos membros do Colegiado. 

É o parecer. 

São Paulo, 9 de abril de 1998.

ADA PELLEGRINI GRINOVER
Membro da CLR

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