ISSN 2359-5191

10/04/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 18 - Sociedade - Instituto de Relações Internacionais
Coletivo da USP traz debate sobre migração para a universidade
“O mito oficial é o do Brasil cordial” diz Martin Egon Maitino, aluno do IRI e integrante do coletivo Educar para o Mundo.
Educar para o Mundo é o responsável por levar debate sobre migração para dentro da USP

O coletivo Educar para o Mundo (EpM), do Instituto de Relações Internacionais (IRI), traz  para dentro da USP desde 2009 o debate sobre os milhares de migrantes que vivem no Brasil de forma irregular. Nas últimas décadas o Brasil recebe um número razoável de migrantes oriundos da China, da Coréia do Sul, de países africanos e de países latino-americanos, com destaque para Bolívia, Peru e Colômbia. Apesar da imagem amigável do Brasil no exterior, a maioria desses migrantes cruzou as fronteiras do país e permanecem aqui sem documentação.

Segundo Deisy Ventura, professora do IRI e fundadora do EpM, o Estatuto do Estrangeiro em vigor no Brasil desde a Ditadura Militar é pautado em segurança nacional e incentiva a chegada ilegal ao dificultar a obtenção do visto. Isso, porém, tem suas consequências: “A chegada ilegal impossibilita a regularização a não ser por uma lei de anistia”, explica a professora. Além de não obterem o visto, os migrantes recebem pouca assistência do governo, principalmente no plano municipal. Ainda segundo a professora, a Prefeitura sob gestão de Haddad foi uma das poucas que notou o problema e criou a Coordenação de Políticas para Migrantes (CPMig) no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

Em julho de 2009, o Projeto de Lei 1664, aprovado pelo Congresso em junho do mesmo ano, tentou resolver o problema concedendo anistia a todos os estrangeiros com visto irregular desde que estivessem empregados, comprovassem renda e apresentassem uma série de documentos. Apesar da lei ter beneficiado cerca de 42 mil pessoas, a professora Ventura afirma que o princípio é equivocado. “Mais da metade (de imigrantes) não foi regularizado com a lei da anistia. Ela beneficiou apenas quem tinha trabalho formal, e se o trabalho formal já está difícil para os brasileiros, imagina para os imigrantes. Falta mesmo mudar o Estatuto do Estrangeiro”, aponta ela.

Educar para o Mundo (EpM)

Em meio a esse cenário, a professora Ventura e o Centro Acadêmico Guimarães Rosa, do IRI, decidiram criar um projeto de extensão baseado nos ideais de Paulo Freire. Com o desafio particular de fazer algo no âmbito das relações internacionais, matéria difícil de se visualizar no dia-a-dia, chegou-se ao tema migração.

O Educar para o Mundo começou a atuar na praça Kantuta, próxima ao metrô Armênia. Como o contato com as lideranças e os migrantes era difícil, decidiram trabalhar com as crianças da Escola Municipal Infanto Dom Henrique, onde 10% dos alunos eram filhos de migrantes, principalmente de bolivianos. Ali o projeto realizou atividades tanto com as crianças migrantes quanto com as brasileiras, para que essas conhecessem a cultura latino-americana e se integrassem mais com as crianças migrantes. “Ao longo de três anos fizemos grafitagem, feiras sobre temas da cultura latino-americana, oficina de quadrinhos, oficina de foto, visita a USP. Nesse interim, ganhamos confiança e aí nos envolvemos totalmente no movimento pela mudança da lei (do migrante)”, relata a professora Ventura. Ela acredita que o EpM foi o responsável por colocar esse debate dentro da universidade, o que acabou levando quatro professores da USP a integrarem a comissão de onze membros responsáveis pela elaboração do Anteprojeto de Lei de Migrações.

“Chegou num ponto que nós nos tornamos um coletivo autônomo e a Deisy deixou então de ser nossa coordenadora” conta Hugo Salaustino, aluno do IRI. Atualmente, o coletivo é horizontal e autogestionado pelos seus integrantes, maioria do IRI. O EpM continua a atuar na praça Kantuta, buscando conversar com os migrantes sobre seus problemas no dia-a-dia e relacionar esses problemas com a legislação atual. Para o grupo, esse diálogo gera um aprendizado único: “nós renovamos nosso conhecimento acadêmico toda vez que conversamos com aquelas pessoas e voltamos para a universidade com uma coisa nova”, conta Luana Matsumoto, aluna da ECA. A isso, Camila Guimero, aluna do IRI, acrescenta: “Sentimos que eles pensam ‘alguém se importa, alguém quer me escutar’”.

O coletivo continua a levar o debate sobre a imigração para dentro da USP, realizando por conta própria mesas com migrantes e refugiados para discutir a situação deles no Brasil. Além disso, o grupo já fez parcerias com orgãos públicos e participou de fóruns e reuniões sobre a migração. Na extensa lista de contribuições para o debate acerca da migração, o EpM redigiu o documento-base para a 1ª Conferência Municipal de Políticas para Migrantes, em 2013, em parceria com o CPMig, e a coordenou de uma das oficinas do COMIGRAR  (Conferência Nacional de Migração e Refúgio), em 2014.“A gente não criou (o EpM) só para debater. Queremos atuar politicamente na sociedade mostrando a importância da pauta de migração”, afirma Camila Guimero, aluna do IRI.

Cosmópolis

Após sair do EpM, a professora Ventura se engajou num novo projeto de extensão, o Cosmópolis, lançado em 2014 Através de um convênio entre o IRI e a Prefeitura sob a gestão do Haddad, o Cosmópolis surgiu com o objetivo de ajudar na criação de uma política pública para os migrantes. Apesar de ter sido afetado pela crise financeira da USP, já existe um portal interativo para o qual os migrantes podem mandar conteúdo próprio. A segunda etapa do projeto é criar um sistema de produção de dados que auxilie a Prefeitura, hoje com poucos dados armazenados sobre migrantes em seu sistema.

São Paulo é uma cidade crucial no debate sobre migrações por ser hoje o principal pólo atrativo do país. O volume de estrangeiros com visto irregular e precisando de assistência é totalmente novo no Brasil contemporâneo, algo com o qual o governo ainda está aprendendo a lidar. Nesse contexto, iniciativas como o EpM e o Cosmópolis se tornam primordiais. “O que a gente pensou que era um pequeno projeto acabou se tornando algo muito significativo. Essa experiência toda, começando com o EpM e continuando com o Cosmópolis, é  um sucesso imenso”, diz a professora Ventura.

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