ISSN 2359-5191

02/12/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 121 - Arte e Cultura - Instituto de Estudos Brasileiros
Narrativa histórica do samba paulista é produzida pelos próprios sambistas em disco de 1974
Álbum Plínio Marcos em Prosa e Samba com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro é foco de pesquisa no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP
Itaú Cultural

Geraldo Filme, Zeca da Casa verde, Toniquinho Batuqueiro. Esses são alguns dos grandes nomes do samba paulistano, um gênero não tão conhecido e tocado em rodas de samba. Junto com Plínio Marcos, os músicos lançaram o álbum Plínio Marcos em Prosa e Samba com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, em 1974. Esse é o objeto de pesquisa do historiador Lucas Tadeu Marchezin, que realiza seu mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Segundo ele, o disco é importante porque cria uma narrativa do samba a partir dos seus próprios agentes, os sambistas. “O disco não é simplesmente um registro do samba paulista e da história do samba em São Paulo”, ele explica. “É uma narrativa histórica produzida não por pesquisadores, mas pelos próprios sujeitos”.

A tentativa de marcar essa relação entre o samba e seus agentes mostra-se muito forte já na estrutura do disco. Ele possui dois lados que se fracionam por faixas, sendo que cada uma possui uma fala do Plínio Marcos e uma canção. As falas são acompanhadas por pequenos trechos musicais, muitas vezes instrumentos de percussão, que vão fazer referências a determinados ritmos e gêneros musicais. “A construção da narrativa histórica que não é feita apenas pela palavra”, Lucas explica.

O modo como os lados do disco são organizados também auxilia nesse desenvolvimento da narrativa. O lado A tem cinco canções de Geraldo Filme, além das intervenções de Plínio Marcos na forma de um prólogo e da narrativa sobre a trajetória de vida do sambista. Das cinco canções, quatro se referem a cidade de São Paulo ou ao sambista.  Já do lado B, há quatro canções do Zeca da Casa Verde, três do Toniquinho Batuqueiro e uma canção instrumental, executada pelo conjunto Batuqueiros de Vila Isabel. Desse lado, as raízes do samba, a tradição rural e a cultura afrocaipira são enfatizadas nas canções, e as falas de Plínio Marcos focam não apenas a trajetória dos sambistas, mas na tradição do samba passada pela oralidade através de seus antepassados. Juntos, os dois lados se complementam desenvolvendo uma narrativa completa sobre a história do samba paulista.

O conteúdo também é essencial nessa construção histórica. As falas de Plínio são marcadas pela temática do que é popular e nacional, do engajamento do povo e da cultura brasileira, para ele ameaçada pelo imperialismo cultural. Esses temas também são abordados nas letras das músicas, junto com outras questões importantes como a situação do negro na cidade de São Paulo, e, além disso, de como é ser negro e sambista na capital paulistana.

O disco foi produzido a partir de um espetáculo de nome “Humor Grosso nas quebradas do Mundaréu”, e por isso a linguagem teatral e musical se complementam entre si. Ele foi gravado em 1974, mas ficou fora de catálogo até 2012, quando ele foi relançado em CD.

Conversa de bar

Outro ponto que Lucas ressalta em sua pesquisa são os locais de encontro entre esses artistas. O círculo social de Plínio Marcos é, aparentemente, muito distinto do de Zeca da Casa Verde, Geraldo Filme e Toniquinho Batuqueiro e o pesquisador foi atrás do contexto histórico e do espaços que permitiram o encontro dos quatro para a gravação.

Um dos pontos que o pesquisador aponta é a cidade de Embu das Artes. Na década de 60, o poeta e dramaturgo Solano Trindade vai se estabelecer em Embu e traz com ele um histórico de militância sobre a questão do negro, da cultura popular e da discussão do teatro popular. Lá, ele lá vai desenvolver uma cena cultural que reuniu vários artistas. Outro ambiente são os bares do centro da cidade que possibilitaram o encontro e convívio a turma do teatro e do samba. ”O centro de São Paulo na década de 60 permite esse ponto de encontro”, Lucas afirma. O centro já era ocupado pelos sambistas e esses baires vão reunir também as pessoas ligadas ao teatro.

É importante ressaltar também o período histórico em que o disco foi lançado, a década de 1970. Desde a década de 30, o carnaval acontecia no centro da cidade de São Paulo ocupando as ruas e mobilizando as pessoas. Com o tempo, começa uma busca dos cordões e escolas de samba pela institucionalização do carnaval e o apoio das autoridades públicas, o que acontece em 1969, pelo prefeito Faria Lima.

No processo de oficialização do carnaval paulistano, as escolas de samba passam a adotar o estatuto e o modelo de carnaval carioca, o que acaba implicando em várias mudanças, como o desaparecimento dos balizas, a troca do estandarte pela bandeira, entre outras. “É por conta dessas transformações das escolas que se começa a construir essa ideia de identidade, de um samba paulista que está em perda”, explica Lucas. É nesse cenário de indagações que é produzido o disco Plínio Marcos em Prosa e Samba com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro. “Entender esse contexto ajuda a pensar o disco como forma de buscar essa legitimidade do samba produzido em São Paulo. Ele tem uma história, uma origem e uma relação com a cidade”, conclui o pesquisador.

 

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