ISSN 2359-5191

17/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 78 - Arte e Cultura - Instituto de Estudos Brasileiros
As mulheres e a saudade são estudadas na obra de Ataulfo Alves
Pesquisa promove a desconstrução (e construção) de canções do artista afim de relacioná-las com a sociedade carioca do século 20

A saudade é um tema recorrente na música brasileira. Se relaciona com o amor, a desilusão, o sofrimento. E esses sentimentos costumam aparecer de um modo mais abstrato, sem se conectar com elementos materiais ou palpáveis. Isso torna as produções mais universais pelo seu caráter mais humano. Falta, então, algum indício concreto de nos possibilite estudar o contexto de onde o eu lírico fala, de uma dimensão social do ambiente e suas motivações. Isso foi pesquisado por Amanda Beraldo Faria em sua dissertação de mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

Em De Amélias e Barracões: a noção de saudade na obra de Ataulfo Alves, Amanda analisa as características líricas e sociais da saudade nas canções de Atulfo, cuja presença se relaciona à diversos aspectos da sociedade brasileira do século 20 ‒ de conflitos de classes à questões de raça e gênero. A escolha do compositor para seu objeto de estudo vem do fato dele representar uma parcela da população brasileira que se encontra à margem dessa sociedade, da política e das leis do Estado. O sambista que já foi engraxate, leiteiro e lavrador, teve em seu primeiro sucesso, Saudade do Meu Barracão, uma revelação simpática ao seu passado, não necessariamente ao barracão físico, mas ao que ele representa: o tempo em que ele viva junto de sua morena.

“Hoje choro com saudade do meu barracão

Toda riqueza que havia era um violão

E uma morena faceira

Que me desprezou

Só me deixando tristeza alegria levou

Hoje mora na cidade

Essa morena bonita

Toda cheia de vaidade

Não usa mais chita

Procuro tudo esquecer

Volta pro meu barracão

E ouve o que vou te dizer

Tudo isso é ilusão” 

Em sua pesquisa, percebemos alguns elementos simbólicos ao longo da carreira e construção das canções de Ataulfo. De acordo com Amanda, os barracões, por exemplo, aparecem não só como célula da favela, mas também como a lembrança do “cenário físico” e do “cenário imaginário” com o qual Ataulfo cresceu e conviveu. Esse ambiente, então, se esvai: a mulher o despreza e cria um distanciamento físico e social entre ambos. E a visão é relatada do posicionamento mais baixo. Afinal, na época da sua criação, o autor se insere no papel do homem negro recém migrado de uma região rural mineira para o Rio de Janeiro. Desse modo coexistem o narrador, sujeito fictício, e o compositor, o trabalhador de uma classe pobre. “Neste momento os dois podem ser a mesma pessoa, pois não há conflitos: ele pode ser um trabalhador com uma função de baixa qualidade no mercado e ao mesmo tempo ter disponibilidade para cantar a saudade de uma mulher que o abandonou”, demonstra Amanda. À esse abandono, o cantor põe o mesmo peso de seu violão, ferramenta do seu trabalho, ainda que de um trabalho visto como malandro, diferente dos trabalhos da “cidade”, local que recebe uma conotação diferente dos demais locais, uma vez que é habitada por pessoas que se encontram em patamares mais elevados que os dele, onde se encontra agora, também, sua morena.

Atulfo Alves com seu violão. Fonte: Jornal GGN

Essa saudade entra na categoria saudade da mulher na divisão temática feita por Amanda. Nela, surgem morenas diferentes que lhe trazem saudades diferentes, como a célebre e polêmica Amélia, personagem da canção Ai, que saudades da Amélia, composta em conjunto com Mário Lago. A outra é a saudade do passado onde, diferentemente da outra saudade, é constante e se insere na segunda metade cronológica da sua carreira, podendo ser subdividida em cinco: a saudade como articuladora do pensamento político-conservador, como em Ai, que saudades da Amélia, a saudade entendida como agente de requerimento de autenticidade na música brasileira, “atitude que pareceu ter sucesso”, de acordo com a pesquisadora. Há também a saudade como oposto de esperança e saudade como desejo da volta a um tempo que supostamente era bom, além da a saudade como contravencionismo, como a saudade da mulher que compactua da ideia de não trabalhar num período em que o trabalho era dever social previsto por lei e a vadiagem condenada no período histórico conhecido como Trabalhismo – revelando assim que a saudade que o narrador possui se refere ao estilo de vida que levava com a companheira.



“Tentei olhar meu objeto de pesquisa como alguém situado em determinado momento, num determinado lugar. Ataulfo foi uma pessoa bastante complexa”, diz Amanda.

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